O Comitê da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres – CEDAW, na sigla em inglês – pediu ao governo brasileiro que crie um programa para atender as mulheres em condição de rua.
Em seu informe de recomendações ao país, o órgão acatou o pedido da Comissão Arns que, ao lado de parceiros, alertou sobre o fato de que mulheres representem hoje cerca de 15% do total da população de rua no Brasil. O tema foi levado também pelo Movimento Nacional de População de Rua, Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua e pelo Movimento Estadual da População em Situação de Rua em São Paulo.
No seu relatório final, o CEDAW cita textualmente o documento apresentado pela Comissão Arns, entendendo que a falta de programas sociais e de proteção se torna mais urgente, “tendo em vista que muitas das mulheres vivendo nas ruas continuam a ser chefes de família, com a responsabilidade de cuidar de filhos e de pessoas idosas”.
O Comitê determina que o Brasil “urgentemente desenvolva um plano de ação, em consulta com os movimentos dos sem-teto e da sociedade civil, na busca de uma proteção abrangente de saúde e serviços sociais para mulheres moradoras de rua, que alcance suas crianças e outros dependentes, também abordando o direito à moradia”.
As recomendações fazem parte de um pacote de medidas que o Comitê quer que o Brasil adote. No mês passado, pela primeira vez em doze anos, o governo foi alvo de uma sabatina na ONU e teve de responder às perguntas e cobranças por parte das peritas internacionais. Uma das recomendações foi para que o governo Lula garanta recursos para o Ministério das Mulheres.
A situação de vulnerabilidade também foi denunciada, depois de as especialistas terem ouvido e consultado os movimentos sociais no Brasil.
Nos últimos anos, a Comissão Arns tem se voltado para a situação de extrema vulnerabilidade das pessoas que habitam as ruas de capitais e cidades de médio porte pelo país, levando em conta pesquisas que apontam um aumento de 140% desta população ao longo da pandemia.
“Diante da crise sanitária e do vazio de políticas públicas para o segmento, a Comissão Arns buscou dialogar, de forma emergencial, com prefeitos, governadores e demais autoridades, a fim de pelo menos tentar mitigar o estado de abandono destas pessoas”, afirmou a entidade brasileira, em um comunicado emitido nesta manhã.
Embora elas sejam entre 13% e 15% do total de pessoas vivendo nas ruas, essas mulheres são vítimas de cerca de 40% dos casos de violência sofridos por esta população.
O relatório elaborado pela Comissão Arns ao CEDAW mostrou como os raros levantamentos sobre a População de Rua no Brasil têm sido omissos em relação à violência de gênero, recomendando com urgência que os institutos de pesquisa, a começar pelo IBGE, e demais órgãos de governo, comecem a trabalhar com dados desmembrados por sexo e orientação sexual, para construir políticas públicas mais eficazes.
No documento, uma das pessoas entrevistadas afirma:
“A mulher que mora na rua precisa escolher seu estuprador, seu agressor, que vai defendê-la de outros agressores e estupradores”.
Embora o Brasil tenha aderido ao tratado que estabelece direitos específicos sobre as mulheres em 2002, o relatório da Comissão Arns aponta a violação de diversos compromissos, principalmente com o aumento do número de mulheres em situação de rua, vulneráveis à discriminação e à violência, após a pandemia de covid-19.
Segundo a socióloga Maria Victoria Benevides, presidente da Comissão Arns, a apresentação do relatório abre um importante canal de diálogo para discutir o fenômeno a partir de outras perspectivas. “A causa dos movimentos de população de rua no Brasil chega à ONU em um momento crucial, especialmente no caso das mulheres, que são as mais prejudicadas e violentadas nessa hostil realidade de não ter uma casa”, afirma.??Para ela, a falta de dados coordenados e específicos, de fontes oficiais, dificulta o diagnóstico da real extensão desse problema, que, partindo da violação ao direito à moradia, “coloca em xeque todos os direitos da pessoa humana, como acesso à saúde, à justiça e à dignidade”.
A Convenção CEDAW, considerada uma carta internacional pelos direitos das mulheres, foi aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 1979, entrou em vigor em 1981 e foi ratificada pelo Brasil em 1984. As recomendações emitidas pelo seu Comitê, como no presente relatório, passam a fazer parte integral da própria Convenção, sendo de implementação