Os alisadores de cabelo que levaram consumidores a processar empresas nos EUA

FONTEPor Paige Neal-Holder e Kamilah McInnis, da BBC
Ativistas estão preocupados com os ingredientes dos relaxantes capilares — mas a ciência não é conclusiva sobre o assunto (Foto: YVONNE E. MAXWELL)

O relaxamento capilar existe há mais de 100 anos. Em questão de minutos, produtos químicos são capazes de alisar cabelos crespos ou cacheados.

Mas agora mais de 100 processos judiciais foram abertos nos Estados Unidos contra empresas que fabricam alguns desses produtos.

A filial americana da L’Oréal e os proprietários de outros relaxantes capilares são citados nos processos — as marcas incluem Dark & ​​Lovely, ORS Olive Oil e Motions.

As ações alegam que os produtos contêm substâncias químicas perigosas que podem causar câncer e outros problemas de saúde. Também afirmam que as empresas sabiam disso, mas comercializaram e venderam os produtos mesmo assim.

O primeiro processo foi aberto dias após a divulgação de um estudo em outubro de 2022 pelo National Institutes of Health, uma agência de pesquisa biomédica do governo dos Estados Unidos.

Eles investigaram uma possível ligação entre o uso de relaxantes capilares e o câncer de útero.

Quase 34 mil participantes foram acompanhadas por mais de 10 anos. Nesse período, foram diagnosticados 378 casos de câncer de útero. O estudo concluiu que pessoas que usaram os alisadores mais de quatro vezes em um ano apresentaram um risco ligeiramente maior de desenvolver a doença.

A principal autora do estudo, Alexandra White, explica que os pesquisadores “estimaram que 1,64% das mulheres que nunca usaram alisante capilar desenvolveria câncer de útero aos 70 anos”.

“Mas para usuárias frequentes, esse risco sobe para 4,05%”, ela acrescenta.

Mais pesquisas são necessárias

No entanto, Karis Betts, gerente sênior de informações de saúde da organização Cancer Research UK, diz que, embora o estudo sugira uma ligação, não oferece evidências claras sobre se os produtos para alisamento de cabelo podem realmente aumentar o risco de uma pessoa desenvolver câncer de útero ou, se for este o caso, quão maior pode ser o risco.

“No momento, não há evidências científicas suficientes de qualidade para mostrar que esses produtos causam câncer”, afirma.

“São necessárias mais pesquisas em estudos maiores e de maior qualidade para confirmar se existe uma ligação. É importante lembrar que, mesmo que houvesse um maior risco de câncer devido ao alisamento capilar, provavelmente seria menor do que as causas conhecidas de câncer, como idade, tabagismo e obesidade.”

Karis acrescenta que o câncer de útero é relativamente raro — portanto, mesmo com um risco ligeiramente maior, ainda não seria comum.

Como funcionam os relaxantes capilares?

– Os relaxantes são cremes ou loções formulados com produtos químicos para alisar cabelos crespos e cacheados;

– Eles quebram as pontes de dissulfeto — um tipo de ligação química encontrada no interior das fibras capilares — reestruturando os padrões do cabelo crespo ou cacheado;

– Há diferentes tipos de relaxamento: os relaxantes de lixívia usam hidróxido de sódio, os sem lixívia utilizam outros ingredientes ativos, como hidróxido de cálcio ou hidróxido de guanidina; e há ainda aqueles que usam tioglicolato de amônia;

– Eles são permanentes, mas o cabelo novo que nasce e cresce vai continuar em sua textura natural;

– Algumas empresas oferecem produtos alternativos para mulheres com cabelos texturizados.

James Foster, advogado especializado em danos pessoais, representa mulheres que entraram com ação contra a L’Oreal e outras empresas (Foto: FOSTER LAW LLC)

Os cientistas não conseguiram identificar um produto químico ou ingrediente específico nas fórmulas dos relaxantes capilares que poderia ser perigoso — e disseram que mais pesquisas são necessárias.

Mas os processos judiciais também alegam que outros problemas de saúde, como miomas, foram causados ​​pelos produtos.

Esses tumores benignos no útero podem causar um fluxo menstrual forte e cólicas intensas.

Uma mulher citada nos processos judiciais afirma que foi submetida a uma histerectomia (retirada total ou parcial do útero) como resultado da condição.

Ela é uma das pelo menos 20 clientes representadas pelo advogado especializado em danos pessoais James Foster e sua firma.

“Ela acabou sendo uma das modelos na capa da embalagem de um dos produtos que usava”, diz ele. “Ela realmente acreditava nesses produtos e estava disposta a se colocar na embalagem deles.”

“E agora que isso veio à tona, tem sido bastante devastador para essa cliente em particular. Ela é muito jovem e, obviamente, foi muito difícil para ela.”

Alguns acreditam que as substâncias químicas encontradas em certos produtos para relaxamento capilar podem interferir na produção de hormônios no corpo.

Alguns tipos de câncer são sensíveis a hormônios, como o câncer de ovário, de mama e de útero.

Em 2021, um estudo publicado no Carcinogenesis Journal da Universidade de Oxford, no Reino Unido, encontrou algumas evidências de que o uso intensivo de relaxantes capilares que incluem lixívia (lye, em inglês) como ingrediente pode estar associado a um risco maior de um tipo específico de câncer de mama.

No entanto, o estudo afirmava que mais pesquisas precisariam ser feitas para ter certeza se é realmente o caso.

O estudo inspirou o grupo ativista Level Up a lançar a petição #NoMoreLyes em 2021, pedindo a grandes marcas como a L’Oreal que parassem de usar o ingrediente.

A Level Up afirma que ainda não obteve resposta da empresa a um pedido de informações mais detalhadas sobre a segurança dos produtos químicos em seus relaxantes capilares.

O grupo divulgou agora uma carta aberta à L’Oréal, pedindo à companhia que retire de venda os produtos contendo lixívia e invista mais em pesquisas.

Também foi assinada por 10 parlamentares.

“Sinto que estamos sendo deliberadamente ignorados”, diz a ativista Ikamara Larasi. “Com uma carta aberta, espero que eles dediquem tempo para responder.”

“Isso me deixa frustrada”, acrescenta. “Acho que as pessoas têm uma atitude de ‘tudo bem, não use [relaxantes] então’, mas há tantas razões pelas quais as pessoas optam por alisar o cabelo que simplesmente não é um argumento útil.”

Um porta-voz da L’Oreal no Reino Unido disse à BBC que, embora não importe ou venda produtos Dark & ​​Lovely no país, respondeu a todas as solicitações de consumidores do Reino Unido que recebeu, “confirmando que mantemos os mais altos padrões de segurança para todos os nossos produtos”.

Eles acrescentaram que a maior prioridade da L’Oréal é a “saúde, bem-estar e segurança” de todos os seus consumidores e que seus produtos foram submetidos a uma rigorosa avaliação científica de sua segurança por especialistas que também garantem que eles sigam rigorosamente todos os regulamentos em todos os mercados em que operam. E acredita que as ações movidas contra a empresa “não têm mérito legal”.

O podcast If You Don’t Know, da BBC, também entrou em contato com a Godrej SON Holdings Inc e a Dabur International Ltd. Essas empresas também fabricam produtos químicos para relaxamento capilar e foram citadas nos processos judiciais — mas não responderam aos nossos pedidos de comentários.

No Brasil, para identificar se um alisante é seguro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda que os consumidores verifiquem se a embalagem do produto contém o número de Autorização de Funcionamento da Empresa (AFE) e o número do processo (número de registro do produto). A consulta pode ser feita no site da Anvisa.

Alisantes sem registro estão irregulares, segundo a Anvisa, já que todos os alisantes capilares, inclusive os importados, devem ser registrados.

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