Os efeitos da erotização na sexualidade de meninos negros cisgênero

FONTEViver Bem, por Elânia Francisca
Foto: iStock

Essa situação aconteceu durante uma atividade cultural no mês da consciência negra, numa escola pública da zona sul da cidade de São Paulo. A professora de artes —uma mulher cisgênero¹ branca com idade acima de 40 anos — decidiu realizar um desfile de “moda afro” e convidou alguns alunos negros para compor a passarela.

Um dos meninos escolhidos era Pedro*, um garoto de 16 anos, estatura alta, se comparado aos demais colegas de sua idade, e que tinha o porte físico tipo atlético. No momento do desfile, a professora mostrava muito animada e quando Pedro subiu ao palco, ela começou a gritar: “Tira a ca-mi-sa! Tira a ca-mi-sa!”. Após o menino obedecer a ordem, a professora seguiu gritando: “Lindo, tesão, bonito e gostosão”. O menino recebeu elogios sobre seus músculos e performance no palco e parecia satisfeito com o “reconhecimento” recebido pelas meninas de sua idade e mulheres adultas cisgênero.

Existem muitos estudos que se dedicam a compreender os efeitos do racismo na subjetividade de crianças negras, então é a partir da leitura dessas produções acadêmicas que podemos entender o quanto as pessoas negras, ao chegar à fase da adolescência, já vivenciaram muitos momentos de desvalorização de sua cor de pele, traços e capacidade intelectual —muitos deles, ocorridos no ambiente escolar.

A chegada da puberdade gera intensas mudanças físicas —independentemente da questão de raça —, contudo, o modo como cada indivíduo lidará com as alterações em sua corporeidade é atravessado pelos marcadores sociais como racismo, capacitismo, desigualdades de gênero e classe, afetividades e outros mais. Sendo assim, não podemos dizer que toda adolescência enfrentará as mesmas questões e passará pelas mesmas experiências da mesma forma.

No caso de adolescências negras, existe o fator da erotização, que se intensifica com as mudanças físicas da puberdade —e eu teria muitos exemplos para mostrar o quanto a erotização afeta o desenvolvimento sexual de meninas negras cisgênero. Contudo, quero retomar a história de Pedro e a professora agressora sexual. Sim, você leu certinho, eu a chamei de agressora sexual!

Isso porque ela não escolheu Pedro aleatoriamente entre os estudantes, ela utilizou como critério de escolha a eleição do corpo que mais lhe parecia erótico (o porte atlético e a altura do menino foram decisivos). No momento do desfile de moda, ela solicita ao menino que tirasse a camisa, mostrando que a roupa não era o foco da performance apresentada. Não satisfeita com o corpo semidespido, ela explicita: “Lindo, tesão, bonito e gostosão”.

Uma das facetas mais perversas do racismo é tentar justificar uma violência chamando-a de elogio e usar a própria vítima como prova de que não houve agressão e de que tudo não passa de um exagero. “Mas o menino gostou, até deu uma sensualizada no palco”. Contudo, quais os efeitos dessa erotização no desenvolvimento sexual desse e de tantos outros meninos negros cisgênero?

Seus traços, cor da pele e textura de cabelo que, na infância, eram tidos como motivo de menosprezo e agressões psicológicas e físicas, parecem se converter em uma falsa vantagem trazida com a puberdade: a erotização de seu corpo por pessoas, não só da sua idade, mas também por adultas.

O menino é tratado como homem, ou melhor, como “o negão”. A adolescência passou batida, agora ele experimenta o que é ser desejado e, por vezes, confunde isso com amor.

Muitos homens negros cisgênero têm trazido relatos em redes sociais e em podcasts sobre como o sexo e o amor na adolescência lhes pareciam ideias complexas e que, por vezes, acreditavam que só seriam mais amados se fossem “um negão estiloso, com pegada”, além da expectativa de que o pênis e a performance sexual tivessem que “fazer jus à fama”.

Certa vez, vi uma frase na internet que dizia: “Essa que vocês chamam de novinha, nós chamamos de criança”. Eu proponho aí um complemento: “Esse garoto que vocês chamam de negão, é um menino”.

¹ Cisgênero é toda pessoa que se identifica com o gênero que lhes foi atribuído ao nascer.
* Nome foi trocado para preservar a identidade do menino.

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