Os Lanceiros Negros e a Revolução Farroupilha

FONTEPor Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite*, enviado para o Portal Geledés
Imagem extraída de HistoriaZine/Ceert

No dia 30 de abril de 1838, durante a Revolução Farroupilha (1835-1845), a mais longa guerra civil do Brasil, ocorrida na antiga Província de São Pedro (RS), o maestro negro, natural de Minas Gerais, Joaquim José de Mendanha (1800- 1885) se encontrava com sua banda, na Vila de Rio Pardo, quando o local foi atacado pelas tropas farroupilhas. Neste importante combate, conhecido como o do Barro Vermelho, os farroupilhas venceram , aprisionando o maestro e os músicos. 

   Conquistada a Vila de Rio Pardo, foi exigido  que o maestro Mendanha  compusesse  o hino da  República Rio-Grandense, que havia sido proclamada na manhã do dia 11 de setembro de 1836, nos Campos dos Menezes, pelo  Gen. Antônio Souza Netto (1803-1866). Esta proclamação ocorreu um dia após a vitória contra as tropas imperiais de Silva Tavares (1792-1872), na Batalha de Seival, em Bagé. 

 Desde a sua primeira execução, conforme a  edição, de 4/05/1839, do Órgão Oficial da República  Rio-Grandense, “O Povo” (1839-1840), ocorreram três versões da letra do nosso hino, embora manteve-se a composição do maestro Mendanha. A versão oficial foi definida no Centenário  Farroupilha (1935), durante o governo de Flores da Cunha (1880-1959), tendo a sua segunda estrofe suprimida, em 1966, durante o regime militar que, provavelmente, a interpretou como subversiva.  Os versos diziam assim: 

“ Entre nós reviva Atenas

Para assombro dos tiranos;

Sejamos gregos na glória,

Virtude, romanos”

     A letra atual é de Francisco Pinto da Fontoura (o Chiquinho da Vovó) e a música trata-se da composição do maestro negro Joaquim Mendanha.

    Neste importante combate, na Vila de Rio Pardo, encontravam- se os bravos “Lanceiros Negros”.  Liderados pelo Cel. Joaquim Teixeira Nunes (1802-1844), estes, em sua maioria, eram recrutados, entre os escravizados do campo e domadores da então Província de São Pedro (RS). Muitos lanceiros, na realidade, eram escravos que fugiam dos Imperiais, buscando conquistar a liberdade.  Os lanceiros, com adagas e lanças, transformavam-se em verdadeiros gigantes bélicos, pois acreditavam que a promessa de liberdade a cada confronto estava em jogo.

  Os lanceiros negros, em sua maioria, montavam a cavalo quase em pelo. Os melhores atiradores recebiam as poucas armas de fogo que eram utilizadas em momentos específicos. Os ponches de lã lhes serviam de cama e de proteção contra as intempéries. A cavalo, durante o combate, o ponche enrolado no braço esquerdo amortecia ou desviava de uma lança ou golpe de espada. Desmontado, corpo a corpo, o ponche servia para aparar ou desviar de uma adaga. Também se utilizavam de boleadeiras, cuja origem é indígena, abatendo o inimigo quando estava distante do alvo da sua lança.

   Um episódio que suscita polêmica entre os historiadores, até os dias de hoje, está ligado à famosa Batalha de Porongos, ocorrida quando as negociações de paz já estavam em curso. Alguns dias antes, comandando 100 Lanceiros Negros, o Cel. Joaquim Teixeira Nunes (1801-1844), havia sido responsável por baixas significativas no grupo comandado pelo legalista Francisco Pedro Buarque de Abreu (1811-1891), apelidado de Moringue. Nesse confronto, o líder farroupilha Teixeira Nunes veio a falecer. Assaltado, de “surpresa”, o acampamento, na madrugada de 14 de novembro de 1844, pelo mesmo Moringue, ocorreu o massacre do Corpo de Lanceiros Negros que se encontravam acampados na atual região do município de Pinheiro Machado. 

   Há uma discussão que se prolonga acerca da veracidade de uma carta que registra ter havido um acordo entre o Duque de Caxias (1803-1880) e David Canabarro (1796 -1867)-, para que atacassem, à noite, os Lanceiros Negros que se encontrariam desarmados.  Considerados insuperáveis no  campo de batalha , esta teria sido a solução encontrada para dizimá-los: um massacre covarde, no qual mais de 100 negros foram assassinados.     

  De acordo com historiador Mário Maestri, o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul reconheceu, na correspondência, a assinatura do Duque de Caxias como autêntica. (MAESTRI, 1993).  Já os defensores da figura de David Canabarro defendem a tese de que esta carta teria sido forjada pelos legalistas para incriminá-lo. (NASCIMBENE, 2009) 

   Nesta polêmica carta se encontra o seguinte trecho: “No conflito poupe o sangue brasileiro quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda pode ser útil no futuro.”

  O destino dos lanceiros negros, que sobreviveram àquela noite de horror, ainda é um tema controverso. Com assinatura do Acordo de Paz de Ponche Verde, em março de 1845, os escravos ainda engajados seriam entregues ao Barão de Caxias e reconhecidos como livres. Sabe-se que, um grupo foi enviado , em 1845, para o Rio de Janeiro como liberto, de acordo com o Jornal do Commercio e o Diário do Rio de Janeiro de 26 de agosto de 1845. Se, realmente, foram libertos, quando chegaram ao seu destino, não se pode garantir. O ex-farroupilha Manuel Caldeira suscitou suspeitas de que estes teriam sido novamente, escravizados e encaminhados para a Fazenda de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, como propriedade do Estado. Ao término da guerra, em 1845, o general Antônio Souza Netto, que era republicano e abolicionista, retirou-se para o Uruguai com alguns negros, que sobreviveram, enquanto outros lanceiros foram enviados para o Exército do Rio de Janeiro.

  O SONHO DE SER LIVRE

   Apesar das promessas, em nenhuma ocasião a República Rio-Grandense alforriou seus escravos. A questão abolicionista causava divisão entre seus líderes farroupilhas. Ao mesmo tempo em que os farroupilhas prometiam a liberdade aos escravos, condenando o tráfico negreiro, o Órgão Oficial da República Rio-Grandense, O Povo (1938-1840), divulgava anúncios de fugas de cativos. Houve uma tentativa de abolir a escravidão, por meio de projeto que foi apresentado à Assembleia Constituinte, em 1842, por José Mariano de Mattos (1801-1866), que foi recusado.  Ao término da guerra,  líderes farroupilhas tinham escravos, a exemplo de Bento Gonçalves (1788-1847), que morreu deixando 53 cativos para seus herdeiros.

Referências Bibliográficas:

BENTO, Cláudio Moreira. Estrangeiros e Descendentes Na História Militar do Rio Grande Do Sul- 1635 a 1870. Porto Alegre: Editora A Nação S/A , IEL – DAC –SEC, 1976.

CARRION, RaulOs Lanceiros Negros na Guerra dos Farrapos. 2 ed. Porto Alegre:  Gabinete do Vereador Raul Carrion, 2005.

FAGUNDES, Antonio Augusto. Revolução Farroupilha / Cronologia do Decênio Heroico (1835-1845). Porto Alegre: Martins Livreiro, 2008.

FLORES, Moacyr. Negros na Revolução Farroupilha: Traição em Porongos e farsa em Ponche Verde. Porto Alegre: EST, 2004.

MAESTRI, Mário. O Escravo Gaúcho – Resistência e Trabalho.  Porto Alegre : UFRGS, 1993.

NASCIMBENE, Luigi (1801-1873). Tentativa de Independência do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CiaE, 2009.

*Carlos Roberto Saraiva da Costa Leie –  Pesquisador e responsável pelo núcleo de pesquisa do MuseCom
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