Os lugares da fotografia e do pensamento da pessoa fotografada

FONTEPor Cidinha da Silva enviado para o Portal Geledés
Escritora Cidinha da Silva (Foto: Elaine Campos)

Quando vi a “Ilustrada” de 8 de maio na Internet, saí em busca do jornal impresso. Era início da tarde, só encontrei uma banca aberta e um último exemplar do jornal no bairro multicultural que não tem livrarias.

Findo o ritual de desinfecção ao entrar em casa, peguei uma caneca de chá de hortelã da minha horta e me sentei para ler a entrevista de Sueli Carneiro. Logo descobri que era também uma conversa com Bianca Santana, sua biógrafa.

O texto de Marina Lourenço e Walter Porto é bom, mas termina num sopro. Ainda vasculhei todo o caderno na expectativa de que a entrevista pudesse continuar. Degluti a frustração ao longo do dia e pensei: Por que ocupar metade da página de um jornal com uma foto em detrimento das reflexões de duas entrevistadas que devem ter dito tantas coisas importantes?

A página aberta sobre minha mesa de trabalho, o incômodo continuava. Peguei a régua e medi a largura da página, 32 centímetros; medi a parcela de espaço ocupado pela foto, 16,5 cm; medi as duas colunas de texto, 10,5 cm. Se você está acompanhando a tabuada viu que faltam 5 cm e só aí reparei que estão ali um pedaço do braço, um pedaço da mão esquerda de Sueli ajeitando os óculos e uma aspazinha acima dessa mão. Tomou conta de mim a sensação de que podem ter pensado na fotografia e aspas como capa, mas faltou espaço no miolo, afinal, Cassiano – “Quando o inverno chegar / eu quero estar junto a ti / trago essa rosa / para te dar” – deu de morrer naquele dia. E tinha a abertura da exposição do Maxwell Alexandre no Instituto Tomie Otake. Pode ter sido gente preta importante demais ocupando uma mesma “Ilustrada” e como solução, estamparam um texto editado e reduzido no corpo de Sueli.

Se não tiver base de sustentação essa hipótese, eu ouviria da própria Sueli, como ouvi inúmeras vezes: Cidinha, cuidado com a teoria da conspiração. Mas, se houver alguma possibilidade de eu estar certa, ela se ancora na certeza de a branquitude editorial sabedora de que a gente é tão carente das imagens das nossas nos levando pelo mundo, que torna-se fácil esquecer que aquela imagem imensa de Sueli Carneiro roubou espaço do pensamento gigantesco dela e de Bianca Santana na “Ilustrada” de 8/5/2021.

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