País vai terminar 2022 mais pobre do que era há uma década, diz pesquisa

FONTEDCM, por Jessica Alexandrino
Foto: Agência O Globo

Um levantamento da Tendências Consultoria aponta que o Brasil vai terminar 2022 mais pobre que há uma década. A pesquisa, que considerou ganhos com trabalho, previdência, programas de transferência de renda, investimentos, juros e aluguéis para estimar a renda, aponta que as classes D/E, com rendimentos familiares mensais de até R$ 3,1 mil, representam 55,4% da população. Há dez anos, esse grupo somava 48,7%. A classe A, por exemplo, tem renda mensal domiciliar superior a R$ 23,2 mil.

“Como a classe média é muito dependente do rendimento do trabalho, a conjuntura econômica do Brasil na última década acabou jogando os mais vulneráveis deste grupo para a camada mais pobre da população”, explica, ao jornal O Globo, o economista Lucas Assis, analista da Tendências e especializado em mercado de trabalho e estudos regionais de classes.

Em 2019, para não perder o emprego, o agora economista Lucas Matos, de 31 anos, aceitou uma redução salarial de 50% — então de R$ 2,4 mil — na empresa em que trabalha, prestando serviços ao governo federal. Em 2020, ele perdeu o pai por Covid-19 e, além da tristeza, viu a renda diminuir ainda mais, fazendo com que eles migrassem de classe social.

“Foi bem difícil ajustar os gastos em casa. Os primeiros cortes foram os itens supérfluos, a pizza e o hambúrguer do fim de semana, a saída com os amigos. Mas nas compras do mês também precisamos pensar no que levaríamos e o que deixaríamos para o próximo. Os reajustes dos preços não param de acontecer”, lamenta Matos, que mora em Taguatinga, no Distrito Federal.

Segundo Assis, o aumento do número de brasileiros mais pobres é resultado de uma classe média que minguou após enfrentar a recessão de 2015-2016 e os efeitos da pandemia, que fragilizaram o mercado de trabalho e diminuíram a renda.

“Houve migração das famílias de classe média para as classes mais baixas. O Brasil, assim como outros países de economia emergente, tem uma parte da classe média muito próxima da situação de pobreza. Estavam na classe média, mas eram vulneráveis. Voltam por causa de saúde, desemprego, aposentadoria. São famílias à mercê dos ciclos econômicos”, completa.

Esse é o caso de Sérgio Barbosa, de 56 anos, que está desempregado há cinco anos. Com ensino médio completo e curso técnico de secretariado, ele vive de bicos, e a garantia de renda dos dois é o salário da esposa. Como a renda da família caiu à metade — para cerca de R$ 2,5 mil mensais —, a solução foi economizar. Eles trocaram a casa em Brasília por Planaltina de Goiás, a 57 quilômetros da capital federal, e reduziram o consumo.

“Devido à idade, está difícil achar emprego. Já distribuí currículos por tudo que é lugar, mas não sou chamado. Até os bicos diminuíram. A perda da renda afeta tudo: não tem mais saída, não tem mais cinema. Moramos em um bairro mais perigoso, então tenho de buscar e levar minha mulher na parada de ônibus porque tem assalto. A perda é geral: financeira, cultural, emocional. É tudo”, pontua.

Nem mesmo programas como o Auxílio Emergencial ou o reforço do Auxílio Brasil adiantaram. As camadas mais pobres da população brasileira passaram de 50,6% em 2018 para 55,4% em 2022. E situações como a do motorista Alcides da Silva, de 62 anos, se repetem. Ele perdeu o emprego na pandemia, não conseguiu qualquer ajuda governamental e viu sua vida mudar completamente.

“Até o início da pandemia eu estava empregado, trabalhando e tinha renda. Quando a pandemia começou, fui demitido. Até o momento não consegui emprego e estou fazendo bicos para me manter, mas as coisas estão difíceis porque o custo de vida está ficando muito alto”, diz o morador de Samambaia, no Distrito Federal, que pretende vender o carro para ficar em dia com o INSS e garantir a aposentadoria.

Além de serem mais numerosos, esses brasileiros mais pobres ganham menos hoje. Há 10 anos, as famílias das classes D e E recebiam, em média, R$ 2.756 mensais, em valores já corrigidos pela inflação. Agora, ganham R$ 2.675 — uma queda de 2,93% no período. O levantamento da Tendências projeta que levará uma década para a massa de renda dessas classes superar o patamar anterior, o que pode ocorrer só em 2031.

Essa desigualdade fica evidente quando se avalia a renda. A proporção de brasileiros na classe A diminuiu, passou de 3,7% para 3,1% em 10 anos, mas os mais ricos estão ganhando mais. A renda mensal média da classe A cresceu 19,1% no período. Em 2012, eles recebiam R$ 54,1 mil mensais. Em 2022, o rendimento é de R$ 64,2 mil, em média. Esse montante é 24 vezes a renda dos mais pobres.

Na gestão de Jair Bolsonaro (PL), este aumento da pobreza se manteve. Em 2018 — último ano do governo de Michel Temer (MDB) — 50,6% da população estavam nas classes D e E, e 31,7%, na C. Já neste ano, segundo a Tendências, além dos 55,4% nas classes D e E, 28,8% estão na C.

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