Para não ter diversidade, um ambiente respeitoso e inclusivo na empresa

Há aqueles que não querem diversidade em suas empresas. Algumas pessoas utilizam discursos que produzem efeitos muito positivos para este fim de gerar exclusão, desrespeito e violências de toda ordem. 

por Reinaldo Bulgarelli no Diversos somos Todos

Não cabe aqui analisar a motivação, se há maldade ou ingenuidade, o que seria cair nas armadilhas destes discursos da exclusão. Pensei em relatar o que escuto daquelas pessoas que rejeitam a diversidade e as mirabolantes argumentações que utilizam. Há quem nem utilize os argumentos abaixo porque simplesmente excluem e ponto final. Portanto, pelo menos estes 10 argumentos são de pessoas que estão se sentindo na obrigação de dizer algo, mesmo que seja para manter as coisas como estão.

Os diálogos são apresentados com uma pitada de humor, ironia e são fictícios, mas devo alertar que você pode se encontrar nestas falas ou se deparar com elas na organização. Não se apavore e não fuja! Faz parte do processo de desconstrução dessa lógica que exclui nos empenharmos firmemente na tarefa de superar o “blá-blá-blá” para realizarmos ações efetivamente comprometidas com a diversidade como valor.

Outros textos meus podem complementar e ajudar a construir o discurso contrário ou os antídotos para este veneno que nos afasta da diversidade humana e, portanto, da possibilidade de sucesso para nossas empresas com base no respeito à dignidade das pessoas.

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  1. Ideias são mais importantes.

– Senhor gestor, muito importante e que tudo pode, a matriz da empresa definiu que precisamos aumentar o número de mulheres na empresa.

– O importante não é ser homem ou mulher. O importante são as ideias.

– E o que fazemos com a meta definida na matriz?

– Diga que aqui nós somos modernos, profundos e estamos muito além dessa conversa boba. Nós valorizamos as pessoas e não o gênero delas.

– Mas, quase não temos mulheres na empresa. No geral, há 6% e em cargos de liderança não há nenhuma mulher.

– Então, isso mostra que valorizamos as ideias…

Pergunta que faço a esse gestor: O senhor já viu uma ideia andando pela empresa fora de um corpo? E o corpo, suas vivências num determinado tempo e lugar, não trazem consigo diferentes perspectivas? E a empresa não tem obrigações para com a sociedade que lhe confere licença para operar e agir com justiça, rejeitando e erradicando práticas de discriminação?

  1. De que adianta isso se aquilo ainda não está resolvido?

– Senhor gestor, muito poderoso e sábio gestor, reconhecido por ser muito pragmático e tudo resolver, há uma proposta aqui da área de responsabilidade social dizendo que poderíamos aumentar o número de negros na próxima turma do programa de aprendizagem. O que respondo?

– De que adianta mexer com isso agora se o programa ainda não está perfeito, se não discutimos o salário ideal para todos, se a crise econômica mundial está afetando o desempenho dos países, se a humanidade ainda não chegou num acordo sobre a paz mundial, se há uma torneira pingando no quinto andar, se…

– ok, já entendi, amado líder e inteligentíssimo gestor.

Eu chamo esse tipo de argumento de “ideias paralisantes”. Utilizam uma lista de outras coisas importantes para se opor a propostas simples, sobretudo as que alteram o status quo, que exigem mudanças muito concretas. Com isso, nada acontece, nem isso e nem aquilo, porque nunca se alcançará a perfeição desejada para se começar a agir nestas “questões menores”.

  1. Tudo é muito polêmico.

– Magnânimo gestor, senhor do equilíbrio e promotor da harmonia em nossa empresa, chegou aqui uma reclamação de uma funcionária dizendo que sua colega a está humilhando publicamente por ela ser lésbica. O que devemos fazer?

– É aquela lésbica que reclama toda hora porque os religiosos querem sua demissão, aquela que o pastor convidado pela fábrica a trancou no banheiro até que se ajoelhasse e aceitasse Jesus em seu coração?

– É essa mesma, a que o coordenador dela chama por apelidos muito engraçados, a que foi chamada ao palco na festa de fim de ano para ganhar o prêmio de homem mais forte da unidade. Foi uma brincadeira, claro, mas ela se ofendeu também com isso. 

– Mimimi. Esse povo só sabe reclamar, vive chorando para ter privilégios. O que ela quer que eu faça? É uma questão muito polêmica…

É chamado de polêmico tudo aquilo que não se quer resolver ou que se quer empurrar com a barriga para favorecer os agressores. Não há polêmica nenhuma neste fato acima, há um crime.

  1. Educação é a saída!

– Muito digno gestor, sábio e profundo, comprometido com a elevação da cultura da humanidade, chegou aqui a reclamação de um colaborador dizendo que o gestor o ridiculariza na frente de todos por conta de seu cabelo e por ser negro. O que devemos fazer?

– Educar, claro! O problema está na educação. O governo deveria educar as criancinhas das creches sobre o valor da diversidade humana. Tem que começar lá pela base.

– E o que faremos com o colaborador?

– É um problema estrutural, do sistema capitalista, da cultura do nosso país, algo relacionado às questões históricas que o governo deveria olhar com mais atenção. Aqui, podemos fazer uma mensagem na comunicação interna para sensibilizar a todos. Espere o dia da abolição – quando é mesmo? – para soltar uma linha sobre a importância do povo africano para o país.

Para que nada aconteça, dizem que tudo se resolve com a educação, de preferência dos bebês. Os adultos, segundo estes, são um caso perdido, não mudam. Se há um círculo vicioso de exclusão, ele pode ser quebrado a qualquer momento e em qualquer lugar. Neste caso acima, não é apenas uma questão de “sensibilização”, mas há um crime. Não é um problema para ser delegado ao governo, à mudança do sistema capitalista, à mudança de mentalidade da humanidade, mas para se agir com rapidez. Punir um crime também não é algo educativo e que “sensibiliza” os racistas? Tudo que não se quer resolver no âmbito da gestão, aqui e agora, diz-se que é um problema social, dos outros, do governo, da história, jamais um problema da empresa.

  1. O que os outros vão dizer?

– Nobre, digno e justo gestor, que cuida da imagem da nossa empresa no mundo todo, há uma candidata a vaga na empresa cuja documentação diz que ela é homem e o coordenador da área diz que quer orientação da presidência para saber se contrata ou não. O que faremos?

– “Ele” passou no processo seletivo?

– E muito bem.

– Diz que a vaga já foi preenchida. Imagine o que dirão os outros se souberem que contratamos uma travesti para trabalhar aqui?

Há empresas muito carentes, coitadas, que precisam ser amadas por todos. Portanto, não se preocupam em ser justas ou em cumprir com suas obrigações legais e morais. Querem é zelar pela imagem diante do padrão dominante, da opinião pública, seja ela uma maioria ou uma minoria barulhenta. O importante é agradar a estes acreditando que o lado mais fraco não vai causar nenhum dano à imagem da empresa.

  1. A meritocracia precisa ser garantida.

– Ilustre, muito correto e competente gestor, recebemos aqui uma pesquisa interna dizendo que só os homens foram promovidos no último ano, mesmo havendo algumas poucas mulheres entre os candidatos a promoção. O que diremos à área que fez o levantamento?

– Diremos o mesmo de sempre: nossas decisões estão baseadas na meritocracia. Só promovemos os mais competentes e, por coincidência, apenas os homens se mostraram competentes.

– Mas, as candidatas estão dizendo que houve discriminação, que a empresa não se mostra cuidadosa para com suas questões específicas.

– Aqui não há homens ou mulheres, mas pessoas competentes.

E a tal meritocracia é um conceito que mal conhecem, mas que é utilizado para justificar os ausentes, as injustiças, a falta de cuidado com uma cultura inclusiva das muitas perspectivas que a empresa necessita para atuar no mundo. Se a empresa realmente cumprisse sua promessa de tomar decisões baseadas no mérito haveria apenas homens na liderança? E uma empresa se constrói apenas com análise individual do mérito? Não há uma preocupação em se construir uma competência organizacional para realizar sua missão ou propósito com bons resultados?

  1. A diversidade é valor que não se mede.

– Digníssimo, elevado e muitíssimo competente gestor, que foi formado nas universidades de primeira linha para ser nosso líder maior, há aqui uma demanda dos acionistas sobre o número de negros na empresa. Querem saber se fazemos a gestão desta informação.

– Não perguntamos a cor das pessoas porque isso não importa e seria uma prática de discriminação.

– Mas, eles dizem que há esse dado no relatório enviado ao Ministério do Trabalho. Ele aponta que quase não há negros na empresa, nem mesmo na base, quando no país a maioria da população é negra.

– O governo obriga a gente a cometer esse crime de perguntar raça e cor.

– Mas, se o governo pergunta, deve estar amparado na lei, não?

– É coisa de governo. E não há candidatos negros, por isso a maioria aqui é de brancos.

– E como sabemos que não há candidatos negros se não perguntamos sobre essa questão no processo de recrutamento e seleção?

– É crime perguntar se a pessoa é branca, preta, parda, amarela ou indígena, como faz o IBGE e o Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS). Nós aqui valorizamos a diversidade e isso não se mede porque está em nossa alma, não nas planilhas de Excel. Você é muito cartesiano!

Muito bonito, mas a empresa trata de todos os assuntos no campo da gestão e procura estabelecer indicadores, medir resultados, lidar com dados dos mais variados para aquilo que realmente importa, como a diversidade apresentada como valor. Valor é o que pesa na tomada de decisão e, se pesa, precisa ser medido. Não é crime a ausência de negros na empresa, mas é crime a gestão da diversidade racial? O quesito raça/cor é essencial para se fazer a gestão da diversidade, além de declara-la como valor.

  1. E porque não falam dos outros, apenas destes?

– Meu mais digno e soberano gestor que a todos observa com bondade para promover a paz mundial e a salvação da humanidade, temos que cumprir a legislação de cotas para inclusão de profissionais com deficiência. Estamos sendo chamados pelas autoridades e iremos pagar multas altíssimas.

– Não fazemos nada aqui por conta das cotas, mas porque valorizamos todas as pessoas independente de terem deficiência ou não.

– Mas, ainda não contratamos nenhuma pessoa com deficiência.

– É porque elas não existem. E, além disso, porque não fizeram a lei de cotas para os homens, para as pessoas sem deficiência, para os brancos, para as pessoas ricas…?

– Acho que já temos bastante delas aqui, meu líder supremo.

– E a lei de cotas para os ciganos, para os indígenas, para os sírios, para as moradores de Tucumã, para os migrantes de Myanmar…? Por que só falam de pessoas com deficiência? Nós aqui valorizamos a diversidade toda, assim ampla, geral, e não essa conversa de minorias.

– Se valorizamos, porque não estão aqui, ó líder visionário e sábio?

– Eles é que não querem. As portas estão abertas. Se não estão aqui, é porque não têm competência e a lei de cotas não vai resolver isso. Vamos trabalhar, que a empresa precisa aumentar seus lucros e não estamos conseguindo. Não está fácil vender cadeiras de roda com essa crise!

– Como o senhor, excelente planejador e com altíssima visão estratégica, vai evitar a falência já que não há pessoas com deficiência com escolaridade para concorrer a nossas vagas? Se não têm escolaridade e nem emprego, não terão dinheiro para comprar nossas cadeiras. Ok, entendi, vou voltar ao meu insignificante lugar e dizer que pagaremos a multa mensalmente porque amamos a diversidade toda e não apenas as pessoas com deficiência.

Não precisa dizer mais nada, não é mesmo?

  1. Nosso ambiente é saudável e seguro para todas as pessoas.

Meu mais genial e respeitável gestor de todos os tempos, o sindicato pediu a instalação de um canal de reclamações dos empregados porque estão chegando lá muitas queixas de assédio e discriminação.

– Por que reclamam para eles e não para mim? As minhas portas estão abertas.

– Uma das reclamações é daquela secretária que o senhor não promoveu porque não foi jantar em seu apartamento. O senhor a demitiu no dia seguinte.

– Ela não entendeu que era um convite profissional e essa gente, afinal, adora se fazer de vítima para ter vantagens. É uma oportunista!

– Ela diz que o senhor, impecável e incólume líder, é que queria ter vantagens.

– Injustiça desse povo. Aqui nós temos um ambiente saudável e seguro para todas as pessoas. Criar um canal de reclamação vai gerar divisões entre nós. Queremos a união e não o separatismo. Queremos a paz e não a guerra.

Há gestores que, mesmo não envolvidos em práticas de assédio ou discriminação, entendem que ambiente democrático é o que o trata todos iguais, como se as chamadas minorias ou pessoas em situação de vulnerabilidade não precisassem de atenção especial. Para quem valoriza a diversidade, uma pessoa importa. Essa democracia que só cuida das maiorias, que se esconde atrás de “todos”, pode estar escondendo práticas terríveis de assédio e discriminação, entre outras violências que também afetam o desempenho da empresa.

  1. Todos os corações devem estar preparados para praticarmos inclusão de fato.

– Digníssimo e competentíssimo gestor, o plano para a inclusão de pessoas com deficiência, em cumprimento à legislação e aos princípios de gestão da empresa expressas na nossa missão, visão e valores, está pronto e precisa de sua autorização para ser implantado.

– Mas, as pessoas todas estão sensibilizadas? Não podemos contratar uma sequer pessoa com deficiência enquanto todos os corações não estiverem aquecidos para o acolhimento sem igual destes coitadinhos. Eu não quero que sofram aqui neste ambiente hostil, exigente, inflexível, monstruoso…

– Elas devem aguardar do lado de fora enquanto providenciamos a sensibilização dos cem mil colaboradores da empresa? E como saberemos se todos os corações estão aquecidos?

– Temos pesquisa de clima, a sensibilidade dos gestores e todos me dizem que não estão preparados, portanto, vamos proteger as pessoas com deficiência. Pelo bem delas, devem aguardar até que o amor e não a lei seja o motivo para praticarmos inclusão aqui.

– Se aqui é tão ruim para as outras pessoas, não seria o caso das pessoas com deficiência também entrarem e depois trabalharmos juntos a qualidade do ambiente e realizarmos todas essas revoluções necessárias?

– Elas são pessoas especiais, frágeis, vulneráveis, sem um pingo de força para lutar contra essa opressão toda. Vamos protege-las!

O nome disso é tutela e tutela da pior espécie porque não respeita a dignidade das pessoas, sua autodeterminação, sua capacidade de construir junto as soluções. É tutela que não protege, mas exclui e humilha, que deixa do lado de fora utilizando como desculpa até mesmo a desqualificação da empresa e das pessoas que ali estão.

Como nas “ideias paralisantes”, as “ideias desqualificantes” também só levam à manutenção da situação atual sem que nada seja feito para gerar mudanças. Não são mesmo desejadas e tudo é desculpa para não se assumir os reais motivos para agir a favor da diversidade, promove-la como valor e realizar a gestão dessa diversidade para que adicione valor às pessoas, aos negócios e à sociedade.
Você já se viu defendendo uma dessas ideias? Funcionou para gerar mais ou menos diversidade na empresa? Se utilizou o discurso acima para afastar a empresa da diversidade, parabéns, você é muito competente. Se utilizou o discurso porque não tinha outro repertório, amplie seu conhecimento e melhore sua argumentação. Tenha certeza que não está ajudando a empresa ao afastá-la da diversidade.

Também aprendi que para se ter diversidade, ambientes respeitosos e inclusivos, o caminho não é conhecer para respeitar, mas respeitar para conhecer, agir e transformar. Novas posturas, respeitosas e inclusivas, exigem novos discursos. Novas práticas devem gerar discursos coerentes e comprometidos com o respeito e a inclusão.

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