Parteira de mentes brilhantes

Por: Jorge Portugal

Quando ainda ensinava no pré—vestibular baiano (que saudades sinto!), ao terminar uma explicação sobre algum aspecto técnico de Redação, voltava-me para os alunos e lhes pedia quase suplicando: ” agora que vocês já sabem a técnica, por favor, soltem o João Ubaldo que dorme dentro de vocês! Soltem Cecília, Clarisse, Miriam Fraga,Drummond que estão aí, loucos para sair e escrever o mais belo dos textos.Era uma risada geral, mas, num porcentual modesto, terminava acontecendo.

Conto esse episódio só para lembrar que o professor não é apenas um transmissor de regras e datas mas, sobretudo, um garimpador de talentos, um parteiro de mentes brilhantes que, muitas vezes, a escola da pedagogia castradora e complicada mata no nascedouro.Para tanto, além da competência do saber e da explicação, precisa de uma bela dose de sensibilidade senão, não é educador mas,tão somente, um ” vendedor de peixe”.

Mabel Velloso é uma dessas educadoras em extinção.Sem terminologias pedagógicas complicadas e inócuas, há, pelo menos 50 anos, faz um bem danado à educação brasileira.Desde Santo Amaro e seu querido “Araújo Pinho”, Mabel prepara pessoas, lapida caracteres e liberta a fonte limpa da criação que habita em cada um de nós.

Muito além do sossego de uma aposentadoria, Mabel continua a educadora inquieta que sempre foi.Ensinando a garotos e garotas no Pelourinho, aplica o seu infalível método de descobrir poetas onde os olhares medíocres só veem futuros marginais.

Outro dia, em mais uma belíssima aula que nunca separa memória de criação, Mabel invocou o tema ” Tristeza” e pediu que os alunos falassem livremente o que fariam por ela caso ficasse profundamente triste.Um disse:” traria conchas do mar para alegrar o seu dia”. Outro falou:” roubaria algumas estrelas para iluminar sua noite”. E um terceiro poetizou: ” eu lhe daria o barulho das páginas de um livro passando quando você está lendo”. Alunos pobres de uma escola do Pelourinho, com idade entre 9 e 12 anos.Se dependerem da nossa elite, serão marginais; pelo trabalho de Mabel, já são poetas.

Mabel: é um crime desperdiçar o bem que você faz ao mundo.Obrigado por mim.

 

 

 

 

Fonte: Terra Magazine

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