Em 1931, pouco mais de uma década após o fim da Primeira Guerra Mundial e sob o impacto da Grande Depressão, o economista britânico John Maynard Keynes publicou o ensaioEconomic Possibilities for Our Grandchildren. Diante do momento econômico adverso, o autor demonstrava corajoso otimismo sobre o futuro: imaginava que em cem anos o padrão de vida aumentaria dramaticamente e as pessoas não trabalhariam mais do que 15 horas por semana, podendo dedicar o restante do tempo às atividades mais nobres da existência.
No mesmo ano, o cineasta francês René Clair lançou À Nous la Liberté, um manifesto contra a opressão do trabalho industrial, cuja história se passa em uma fábrica de gramofones. A película tem final feliz. A fábrica é automatizada e os operários passam o tempo fazendo piquenique, dançando e cantando. As imagens do francês fazem eco às ideias do britânico.
Mais de 80 anos após o texto de Keynes e o filme de Clair, é fácil constatar que a tecnologia não nos libertou do trabalho. Ao contrário, ela parece ter permitido ao trabalho invadir todas as dimensões da nossa vida, a nos tornar a ele cada vez mais conectados e subjugados. O que deu errado?
Entre os países desenvolvidos, os Estados Unidos têm mantido a duração da semana de trabalho e as férias curtas. Os europeus trabalham menos que os estadunidenses, porém, em um mundo de competição relativamente aberta, sofrem pressões para labutar mais. Enquanto isso, na periferia, a miséria e a desigualdade, apesar do progresso em alguns países, especialmente a China, sinalizam a distância da utopia keynesiana. No Brasil, a desigualdade ainda alarmante e a estagnação da produtividade bloqueiam a evolução rumo a um modelo mais justo e avançado de sociedade.
Em 2008, os italianos Lorenzo Pecchi e Gustavo Piga reuniram eminentes pensadores para discutir o “erro de Keynes”. A conclusão que emana da leitura da coletânea Revisiting Keynes é de que o economista britânico acertou suas previsões sobre crescimento, porém não deu a devida atenção às questões da distribuição e da desigualdade. Keynes também superestimou nossa vontade de parar de trabalhar (para usufruir os prazeres da vida) e subestimou as recompensas proporcionadas pelo trabalho (especialmente o consumo).
As explicações para o “comportamento irracional” do finado homo economicus são variadas. Primeiro, é preciso considerar que, apesar de todas as pragas lançadas diariamente contra empresas e empregos, a verdade é que muitas pessoas gostam de trabalhar. A labuta pode ser repetitiva e cansativa, entretanto ajuda a estruturar o dia e permite a convivência com colegas.
Segundo, entre trabalhar mais para consumir mais e cortar as horas de trabalho e reduzir o consumo, optamos pela primeira condição. Isso ocorre porque tendemos a nos comparar com nossos pares. Quando vemos nosso vizinho comprando um carro novo, almejamos alcançá-lo ou suplantá-lo. Portanto, mais consumo, mais trabalho e, também, mais dívidas, exigindo ainda mais trabalho no futuro.
Em um texto publicado no jornal radical Strike!, o antropólogo e ativista David Graeber, da London School of Economics, adota uma rota alternativa para explicar o “erro de Keynes”. O autor argumenta que a tecnologia tem sido usada para nos fazer trabalhar cada vez mais, criando ocupações que são, de fato, inúteis. Segundo Graeber, tais empregos relacionam-se aos serviços financeiros, ao direito corporativo, às relações públicas e à gestão de Recursos Humanos. É o que Graeber denomina de bullshit jobs.
O movimento é paradoxal: enquanto as empresas reduzem sistematicamente o número de funções relacionadas a fabricar, movimentar, manter e consertar coisas (tudo que realmente agrega valor), o número de bullshit jobs parece aumentar. Segundo Graeber, tais profissionais de fato trabalham 15 horas por semana, mas passam o resto do tempo organizando ou frequentando seminários motivacionais e atualizando seus perfis no Facebook. Em público, eles defendem o que fazem. Em particular, reconhecem a inutilidade de suas ocupações. O que ocorreria se esses empregos desaparecessem? Seria a humanidade abalada? Ou venceríamos o apreço patológico pelo dinheiro e pelo consumo e aceleraríamos o passo rumo à utopia de Keynes?
Fonte: Carta Capital