Pelo direito de transgredir

Pelo direito de transgredir

Mônica Francisco *

“Olhando meus alunos da Vila Cruzeiro e pensando: que opções deixam para uma juventude diuturnamente vigiada e sistematicamente policiada em todas as formas de transgressão próprias da juventude? Cabelo pintado? Não pode, é coisa de bandido! Certos tipos de roupas, adereços e acessórios? Não pode, é coisa de bandido! Certos gêneros e estilos musicais? Não pode, é coisa de bandido! Certas expressões verbais? Não pode, é coisa de bandido! Então o que resta, cacete?! Abrir mão de ser jovem? Entrar para a delinquência e virar logo bandido pra poder transgredir?! Que opções estão deixando para essa juventude?!”

Ao receber este comentário feito pelo professor Veríssimo Júnior, que reproduzo aqui com sua devida autorização e que além de ministrar aulas para alunos do ensino fundamental em uma escola na Vila Cruzeiro é ator, diretor, e desenvolve  atividades com jovens e ex-alunos no projeto Teatro da Laje, do qual é diretor, não resisti, peguei a pena, ou melhor o computador, e nasceu este artigo. Só podia dar nisso, com esta clara reflexão e olhar preciso do diretor/ator/professor.

Na década de 1960 e 1970 a transgressão nas artes, na moda, na atitude dos jovens daquela época olhadas com total desaprovação pelas instituições e pela sociedade conservadora, ia aos poucos mudando o rumo da história pode se assim dizer mundial de forma irreversível.

Do Maio de 1968, das Marchas pelos direitos Civis nos Estados Unidos, dos Hippies, Woodstock, panteras Negras, Black Power, os Beatles, a pílula, sutiãs em chamas, o feminismo e tantos outros tantos movimentos  revolucionários e de contracultura, onde a transgressão e a irreverência mesmo em situações extremamente dramáticas fizeram a diferença.

Poderíamos citar um sem número de movimentos e atitudes contestadoras e de vanguarda, você mesmo que está aí lendo esta coluna deve estar se recordando de pelo menos uns três ou quatro.

Não é, nunca foi e nunca será diferente com os jovens nas periferias e margens ao redor do planeta e claro, não seria diferente com os nossos jovens aqui nas favelas do rio de janeiro, no tempo e no espaço. O cabelo, a roupa, a música e a linguagem verbalizada ou não foram e sempre serão  o maior meio de transporte das ideias, ainda que não se tenha ideia da força nelas embutidas, como no caso dos maravilhosos rolézinhos.

Ainda que não  percebam a carga ideológica por trás de uma atitude capaz de gerar tanto ódio e tanta resistência, os jovens no mundo inteiro criam suas gírias, dialetos, sinais e signos próprios, mas nos guetos e margens isso é passível de prisão e morte.

Em um beco e viela, alguém falando gíria e vestindo um determinado tipo de roupa ou acessório, tão certo como dois e dois são quatro: “É bandido ou se não  é será.

A revista de domingo de um grande jornal carioca mostrou a onda dos jovens que agora fazem suas festas e ao final pulam pelados nas piscinas, é cool. A mesma revista mostrou a meses atrás a onda do “isoporzinho”, que maravilha, os filhos da elite e da classe média sempre transgredindo e ditando padrões, já no andar de baixo, ela, a onipresente e única panaceia para lidar com esta situação,  a polícia,instruída no último tórrido verão à parar ônibus dos “farofeiros” do subúrbio carioca, e nas favelas ocupadas define qual o padrão estético à seguir, e de maneira nada cordial.

Que relação tem uma coisa com a outra? Toda. Para brancos de endereço dito respeitável a transgressão é parte da constituição da própria identidade, do ser jovem, do estar no mundo e da possibilidade de mudá-lo. Gíria, só de surfista e morador da Zona Sul, porque pra cá do túnel, é coisa de bandido, é cultura do tráfico.

Cabelo vermelho na zona Sul é cool, é descolado, na favela é alusão a facções e grupos criminosos. Pois é, pior do que a morte de fato, é este tipo de morte que esta sociedade placidamente impõe aos montões de jovens negros e negras das favelas e periferias da cidade. A morte da própria essência da juventude: a transgressão, a vanguarda, a mudança.

A juventude que povoa as favelas tem sido alvo de uma espécie de ditadura do comportamento. Sei não, mas fica a sensação de que estamos tão miseráveis.

P.S. Não sou alienada não, mas estou dando uma banana para essa pataquada toda, só pra variar de espécie.

“A nossa luta é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”

*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.

 

 

Fonte: Jornal do Brasil

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