Pelo fim de cotas para homens brancos nas eleições

Qual a cara do poder político no Brasil? Vejamos os números. Metade da Câmara possui patrimônio superior a R$ 1 milhão, no Senado número chega a 66%. Brancos representam quase 70% do total de congressistas, e mulheres apenas 15%. Ocupamos a posição 132 entre 190 países em termos de participação de mulheres no Parlamento, atrás da Arábia Saudita, diga-se. Poucos parlamentares, como Senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), são pessoas com deficiência.

Disparidades na política não devem ser naturalizadas. Homens brancos milionários não são seres políticos natos dotados de poderes mágicos, exceto o poder de controlar os cofres partidários. Em 2018, negros figuraram em apenas 23,9% das candidaturas com mais recursos apesar de representarem 34,2% das candidaturas nos 11 maiores partidos, segundo jornal O Globo.

Na próxima terça-feira (25), o Tribunal Superior Eleitoral deverá concluir julgamento sobre o tema, em consulta apresentada pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Pelo placar até o momento, espera-se que o TSE ao menos assegure a distribuição proporcional de recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral no rádio e TV para candidaturas de pessoas negras, num mínimo de 30%, e distribuição proporcional de recursos para mulheres negras. Elevar recursos para candidaturas negras possibilitará maior igualdade de oportunidade, o eleitorado continua plenamente livre para escolher.

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) durante ato na Cinelândia, Rio de Janeiro – Filipe Cordon/Folhapress

Não se trata, no entanto, de tema simples. Literatura aponta diversos fatores que explicam disparidades raciais. Primeiro, origem de classe social do candidato(a), critérios de recrutamento partidário e acesso a recursos de campanha impactam eleição de negros no Brasil, segundo nos ensinam Luiz Augusto Campos e Carlos Machado no artigo “O que afasta pretos e pardos da representação política?”, por meio de uma análise rigorosa de dados das eleições municipais de 2014.

Segundo, é importante interseccionar raça e gênero, nos lembra Cristiano Rodrigues da UFMG. Sem garantir recursos para mulheres negras e indígenas, cotas para mulheres beneficiarão primordialmente mulheres brancas e cotas para pessoas negras, homens negros. Experiência colombiana com cotas étnico-raciais (ver Mala Htun) e brasileira com cotas para mulheres (ver Luciana Ramos e Catarina Barbieri da FGV) indicam, ademais, a necessidade de se atentar para formas pelas quais a elite política se esquiva de cumprir com estas cotas, inclusive fraudes.

Pesquisas qualitativas, ademais, sugerem que mais diversidade de candidaturas poderia levar a mais diversidade nos legislativos. Rosario Aguilar e outros afirmam em artigo “Ballot Structure, Candidate Race, and Voice Choice in Brazil”, de 2015, que listas mais ampla de candidaturas levam a maior alinhamento racial nas escolhas eleitorais, o que é relevante em um país majoritariamente negro. No livro “Racial Identity and Political Behavior in Contemporary Brazil”, publicado por Cambridge, Gladys Mitchell se debruça sobre construção da negritude nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo e como isto se relaciona com a racialização da política.

É simplista, ademais, pensarmos que estamos igualando negros ao campo progressista. De um lado, porque invisibilidade racial ocorre também dentro do campo da esquerda, mesmo em partidos com longa história de luta por igualdade racial como o PT, nos ensina Claudete Gomes Soares no trabalho “Raça, classe e ação afirmativa na trajetória política de militantes negros de esquerda”. De outro, porque negros são complexos, se há brancos de esquerda e de direita, há negros de todos os matizes ideológicos mesmo que no caso destes sempre a clivagem racial os perpassará, queiram ou não.

Quando nos atrevemos a ocupar espaços construídos para serem brancos, classistas e masculinos, como é a política partidária, somos atravessados por uma miríade de violências. Deputada Talíria Petrone acionou novamente no último dia 21 escolta policial por receber ameaças durante a licença maternidade, fora as violências diárias que ela e outras parlamentares passam diariamente ao navegar um espaço construído para excluí-las.

Deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) durante sessão solene dos 131 anos da Lei Áurea – Pedro Ladeira/Folhapress

Debate no TSE sobre candidaturas negras é um passo importante, mesmo que não suficiente, na direção de se por fim ao sistema de cotas para homens brancos e ricos, hoje vigente no país. Um emaranhado de regras e práticas político-partidárias que perpetuam, ao mesmo tempo em que normalizam, ausência de candidaturas que diferem da norma que é imposta.

Poder, em uma democracia, é tão plural quanto a sociedade que espelha, ou democrático não será.

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