‘Pequeno Príncipe Preto’: a versão do clássico que sua criança precisa ler

FONTEUOL, por Rodrigo Casarin
'O Pequeno Príncipe Preto' (Ilustração: Juliana Barbosa Pereira)

Em 2015, quando a obra do francês Antoine de Saint-Exupéry se tornou de domínio público, uma avalanche de versões e releituras de “O Pequeno Príncipe” chegou às livrarias. Desde então, com frequência pipocam novidades sobre o principezinho alçado ao cargo de rei dos clichês. Pouca coisa merece atenção. Uma dessas exceções é “O Pequeno Príncipe Preto”, joia sobre amor próprio, autoafirmação e combate ao racismo escrita pelo filósofo e agitador cultural Rodrigo França e ilustrada por Juliana Barbosa Pereira.

O livro infantil saiu neste ano pela Nova Fronteira. Nele, acompanhamos um garotinho preto que deixa o planeta onde vive com o seu parceiro baobá para espalhar o Ubuntu por outros cantos do universo. Conhece um rei resmungão, egoísta e solitário, que passa a vida contando a própria riqueza. Também encontra a famosa raposinha com o papo de cativar e ser cativada; nesta versão ela diz: “Seja sempre sincero com os seus sentimentos. Se for cativar alguém, que seja você mesmo. Seja sempre claro com o que sente. A palavra ‘afeto’ vem de afetar o outro. Afete com verdade”.

Na Terra, o príncipe preto transmite suas principais mensagens. Após causar curiosidade e certo estranhamento em outras crianças por conta da aparência, nota que os colegas são mais incentivados a competir entre si do que em se juntar para alcançar objetivos comuns. Cria, então, uma brincadeira para fortalecer a união dos pequenos e retoma o que se propôs a disseminar no início da jornada: “Eu sou porque nós somos! Ubuntu significa ‘nós por nós’!” – enquanto finalizo o texto, impossível não recordar da entrevista de Emicida ao Roda Viva; aliás, “Amoras” (Companhia das Letrinhas) faz um bom par com o livro de França. A mensagem, bem como a obra, carrega em si muito de tolerância e esperança.

Afirmações identitárias e orgulho de ser quem é emanam a todo momento do discurso do principezinho negro, que enaltece a beleza dos próprios traços, de sua “boca grande e carnuda”, de seu “nariz de batata”. “A minha pele é da cor desse solo. Quando eu rego fica mais escuro, cor de chocolate, de café quentinho. As cores são diferentes, iguais aos lápis de cor. Tem gente que fala que existe lápis ‘cor de pele’. Como assim? A pele pode ter tantos tons…”, registra, para depois prosseguir com um tema que tem gerado conversas e debates importantes: “Eu sou negro! Um pouco mais claro que alguns negros e um pouco mais escuro do que outros. É como a cor verde… Tem o verde-escuro e o verde-claro, mas nenhum dos dois deixa de ser verde. Eu gosto muito da minha cor e dos meus traços”

Rodrigo França também é ator e diretor de teatro. “O Pequeno Príncipe Preto” nasceu em 2018, com uma montagem homônima escrita e dirigida pelo artista. “A peça teve a intenção de mostrar às crianças, jovens e adultos o quanto somos potentes na diversidade cultural do Brasil. Nela, como neste livro, abordei tudo o que ouvi durante a minha infância e que gostaria que todo mundo também ouvisse: devemos amar quem realmente somos”, conta o autor no final do trabalho, ainda pontuado com outros elementos da cultura afro-brasileira e permeado pela noção de ancestralidade. Pois o objetivo de Rodrigo foi alcançado com sucesso.

 

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