Cena 1: há pouco mais de um ano atrás me deparei com meu “review” em uma aplicativo chamado Lulu. Esse aplicativo, sucesso no meio universitário nos EUA, e recém chegado no Brasil, era um aplicativo no qual mulheres faziam reviews de homens, a partir de sua “atuação enquanto parceiro/ficante/namorado”. Vinculado ao Facebook, os caras, logo no lançamento do app, estavam compulsoriamente na plataforma. Recebi screenshots de amigas mostrando minha avaliação por lá, o que me deixou intrigado e também incomodado. E posso dizer que não tanto pelas críticas, mas pelas “qualidades” apontadas.
Por Tulio Custódio, do Brasil Post
Cena 2: em uma conversa com uma amiga, falávamos sobre a história de se existia lugares certos para conhecer pessoas. E reconhecemos que há no senso comum (aquele famoso “diz que” o qual as pessoas falam e não querem se responsabilizar pela opinião emitida) a ideia de que não se conhece pessoas em locais de diversão (vulgo “balada”). A máxima (terrivelmente equivocada): “Gente ‘de bem’ (vulgo “gente legal PARA relacionamento”) você conhece na vida, não na balada“. Sério??? Pensando sobre, me senti incomodado.
Mas por que essas duas cenas? Por que ambas me incomodam? Simples, e essa é a relação entre as duas: julgamentos.
A ideia de que e como julgamos as pessoas me incomoda pelo fato de constantemente julgarmos instantaneamente e olhando para o estereótipo pontualmente colocado, sem entendimento ou consideração do todo ou da história daquela pessoa. Ou seja, ignoramos as pessoas em seu retrato mais amplo e complexo, da experiência de uma vida (mesmo que essa tenha apenas poucas décadas de existência). Quando julgamos ou tentamos enquadrar uma pessoa em um hashtag, consideramos apenas uma imagem que nos atenda pontualmente. “A pessoa está aqui então ela é isso. A pessoa tem essa hashtag então ela é aquilo“…
De certo modo, é meio evidente ser impossível conhecer o todo de uma pessoa instantaneamente, seja em um app, seja em uma balada. Talvez nem com muitos anos de relação isso role. O problema é que, mesmo sabendo disso, julgamos pessoas e lugares baseados simplesmente em contextos muito pontuais do que estamos vendo ali, ou de algo que aconteceu. Pessoas são muito mais do que isso.
Ser julgado por um fato específico. Ser julgado por estar em certo lugar. Nenhuma dessas coisas é a melhor maneira de se ver uma pessoa. Quando falo do incômodo com as hashtags do app, não se trata apenas das críticas tidas como negativas ou as ditas positivas. Trata-se de categorizar e generalizar jeitos ou maneiras de ser ou agir que não são ou estão plenas (e iguais) no contato que temos com todas as pessoas ou em todos os contextos. Você não é a mesma pessoa com todos. Você não é a mesma pessoa em todo momento. Você não é só aquela pessoa do #CozinheirodeMãoCheia ou #RespondeSMSrápido com todas as pessoas que conhece. Tão pouco #Certinhodemais ou #lerdo em todas as situações. E acredito que isso seja importante, afinal somos gente e não uma par de hashtag.
Esse tipo de julgamento (hashtageamento de pessoas) faz com que experiências pontuais que você tenha com alguma pessoa vire uma tag de personalidade, uma marca de identidade, de quem você é. Às vezes, claro, converge. mas muitas vezes não. Isso porque é momentâneo, não é história, não é experiência, relação.
Mesma história sobre “lugar certo” para conhecer pessoas. Todo (de novo: todo) lugar é sim um lugar para se conhecer pessoas. O segredo é um apenas: você estar disposto e aberto para reconhecer que aquela pessoa ali expressa apenas uma faceta do que realmente ela é como um todo. Julgar alguém como não-compatível-para-relacionamentos porque você a conheceu numa balada é no mínimo reduzir toda uma vida e uma história na festa ruim que você provavelmente está frequentando. Aliás, quando olharmos isso por gênero é pior ainda: traz a conotação machista terrível de que existe “mulher para casar” e “mulher para curtir”. Ou seja, uma grande besteira!
Qual é ponto disso tudo? Deveríamos tratar as pessoas mais como um livro do que como tweets ou hashtags. Não deveríamos considerar e julgar pessoas pelo pontual, pelo que se vê ali, no momento. Mas talvez, caso haja abertura, entender que cada página ali exposta é parte de um projeto muito maior de vida, experiências, identidades e sentidos. Não que ninguém nunca irá julgar pessoas – aliás temos a faculdade do juízo que pode, tanto positiva quanto negativamente – nos ajudar a imergir no que nos interessa ou repudiar o que nos faz mal. Mas, sem dúvida, uma página apenas não vai te contar a história inteira de uma pessoa. Pode dar o tom. Mas não a história toda. E isso é ótimo! Mostra que temos a possibilidade de navegar por esse mundo.
Temos uma bela “biblioteca”, cheia de pessoas de todas as formas, gêneros, backgrounds. É isso. Menos hashtags, e mais histórias. Menos julgamentos apressados estilo “tweet” e mais abertura para o outro e sua história. É nessa que você também, trocando, adiciona mais linhas a seu próprio livro. E esse texto, que talvez poderia ser publicado há um ano atrás, ainda é recente, dado que ainda ouvimos coisas do tipo “mulher para isso”, “pessoa para aquilo”, ou se tenta reduzir qualidades e contextos pessoais em um monte de hashtags. Ainda.