Por favor, ‘fair play’ , por Flávia Oliveira

por Flávia Oliveira

Foto: Marta Azevedo

Vexame consumado, é dever dos brasileiros sermos gentis com nossos hóspedes. Jogadores, equipes técnicas e torcedores da Alemanha, da Argentina e da Holanda estão no país para um torneio que não chegou ao fim. Perdemos o jogo, a chance do hexacampeonato e um tanto de dignidade. Mas a festa não acabou. Os cinco derradeiros dias da Copa 2014 dirão muito sobre nossa civilidade e capacidade de superação na derrota em campo. É hora de fair play, por favor. A descoberta pelo mundo da hospitalidade e da alegria brasileiras já é um legado do Mundial 2014. São dois ativos intangíveis da população local. Com investimentos corretos, podem render trabalho, salário, desenvolvimento, a agenda que esperamos. Será prova de maturidade manter o temperamento cordial com o sonho do título de futebol enterrado até 2018, pelo menos.

Virar o jogo foi a hashtag que o Pnud, agência das Nações Unidas para o Desenvolvimento, escolheu para comparar indicadores socioeconômicos dos países que disputaram a Copa 2014. A cada partida, quem acompanha a entidade no Twitter foi brindado com pílulas de reflexão sobre a qualidade de vida nas diferentes nações do topo do mundo da bola. Ontem, no início do atropelo (não houve confronto) do Brasil pela Alemanha, a frase informava que, entre 1980 e 2012, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) germânico saiu de 0,780 para 0,920.

Para os não iniciados do mundo dos indicadores sociais, o IDH é o resultado de uma equação que mistura dados de renda, escolaridade e esperança de vida. Foi criado nos anos 1990 para ser um termômetro de comparação entre países mais eficiente que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que reduzia tudo à capacidade de geração de riqueza das nações. O resultado varia de zero a um. Quanto mais perto de um, maior é o nível de desenvolvimento social.

Em duas décadas, a Alemanha saiu de um patamar satisfatório para um nível de excelência, na classificação do Pnud. Chegou ao século XXI como quinto maior IDH numa lista de 186 países. Lá, a esperança de vida passa de 80 anos; a escolaridade média é de 12,6 anos; a renda per capita beira US$ 35 mil em paridade do poder de compra, critério que torna todas as unidade monetárias comparáveis.

O Brasil, nas mesmas duas décadas, saiu de 0,522 para 0,730 no ranking do IDH. Tinha médio desenvolvimento humano, passou a satisfatório. Entrou no novo século num nível social inferior ao da Alemanha nos anos 1980. Aqui, a esperança de vida não chegava a 74 anos em 2012; a escolaridade média beirava sete anos (significa ensino fundamental incompleto); a renda em PPP, US$ 10 mil.

A Alemanha é a maior economia da Europa; o Brasil, líder na América do Sul. Ambos estão no grupo dos dez países mais ricos do mundo. No entanto, alemães são quintos em desenvolvimento humano; brasileiros ocupam a 85ª posição. A reflexão não é nova, mas continua oportuna. Em algum momento da História, o Brasil abriu mão de transformar em qualidade de vida sua admirável capacidade de produzir riqueza.

É essa a goleada a ser revertida. Não veio a sexta estrela na camisa canarinho, mas o Brasil tem outro tanto de estrelinhas a conquistar no campeonato das grandes nações. O futebol ensina que torcer é perder. Na Copa, 31 seleções perdem; um ganha. Outra lição é o recomeço. De cabeça erguida e com fair play, por favor.

 

O Globo

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