Por que as empresas mineiras se comprometem pouco com equidade racial?

Apenas duas empresas mineiras assinaram o Pacto de Promoção da Equidade Racial. Segundo pesquisas, negros e pardos são os que mais sofrem com desemprego e raramente ocupam posições importantes

FONTEPor Larissa Cavalcante, do EM
Dados mostram que raramente negros ocupam posições consideradas 'importantes' (Foto: Pexels/Reprodução)

Em Minas Gerais, apenas duas empresas aderiram ao Pacto de Promoção da Equidade Racial, iniciativa que estimula a equidade racial por meio da promoção de ações afirmativas, a melhoria da qualidade da educação pública e formação de profissionais negros. No Brasil, apenas outras 62 corporações aderiram à iniciativa.

O processo de adesão do pacto é gratuito e voluntário. No entanto, para a implementação, controle dos processos e cálculo do Índice ESG (sigla em inglês para Governança ambiental, social e corporativa) de Equidade Racial (IEER), as empresas precisam contratar uma certificadora, que atende aos requisitos definidos no regulamento de ESG.

Mesmo com um processo relativamente simples, empresas mineiras — e também nacionais — demonstram pouco envolvimento com o pacto, que busca promover maior pluralidade no mercado de trabalho.

Desigualdade dentro das empresas

Segundo pesquisa do Instituto Identidades do Brasil, serão necessários 167 anos para que o país alcance um equilíbrio entre as oportunidades oferecidas a pessoas negras e brancas nas empresas.

No primeiro trimestre de 2023, a taxa de desocupação era de 11,3% entre os que se autodeclaravam pretos, 10,1% entre os pardos e 6,8% entre os brancos, diz levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.

Além do desemprego, dentro das empresas é difícil encontrar pessoas pretas ou pardas ocupando lugares de destaque. Conforme números da pesquisa Racismo no Brasil, apenas 7% dos brasileiros têm ou tiveram em seu último emprego um chefe preto. 15% têm um chefe pardo, que soma 22%.

Para Yone Gonzaga, professora e consultora em educação para as relações étnico-raciais e de gênero, existem vários fatores que podem ser atribuídos à desigualdade identificada no mercado de trabalho:

“Dentre eles podemos citar o passado de escravização e a ausência de políticas públicas organizadas pelo Estado no pós-abolição, para reparar os séculos de trabalho não-remunerado executado pelos povos negros e seus descendentes, após o período colonial. Atualmente, podemos citar também o racismo institucional como um obstáculo para o acesso das pessoas negras ao mercado de trabalho”, diz ela.

Esse números não são exceção em Minas Gerais, que, segundo Boletim do Mercado de Trabalho Mineiro, demonstrou piora nos indicadores gerais do mercado de trabalho mineiro na década de 2010 e ampliação da desigualdade racial, principalmente a partir da crise econômica de 2015.

A pandemia do coronavírus acabou por aprofundar as vulnerabilidades de inserção dos negros no mercado de trabalho em Minas Gerais. No segundo trimestre de 2021, a taxa de desocupação dos negros chegou a 14,2%, enquanto para os brancos atingiu 10,5%.

Não é de hoje

A professora defende que essa desigualdade é sustentada por narrativas criadas no período escravocrata, que acabaram por naturalizar a ausência de pessoas negras em locais considerados de grande importância:

“Para justificar o processo de escravização, foram criadas falsas verdades sobre os povos negros e uma delas era a incompetência intelectual e profissional. No pós-abolição isso contribuiu para que o Estado privilegiasse a contratação de pessoas descendentes de europeus para a ocupação de vagas no mercado de trabalho. O Estado visava também estabelecer uma política para embranquecimento da população. Assim, a ausência de pessoas negras em lugares de liderança foi sendo naturalizada. Por exemplo: Quantos grandes executivos negros você conhece? E quantas mulheres negras ocupando esses cargos? Quantos cientistas, médicos, juristas? Isso contribuiu e ainda contribui para que diversas empresas não acreditassem na competência profissional e na expertise das pessoas negras”, afirma Yone.

Estratégias

A consultora destaca algumas iniciativas que podem ser tomadas para o aumento da contratação de pessoas negras, entre elas:

  • Empresas admitirem que o racismo impacta a participação das pessoas negras nos espaços. Para confirmar, basta realizar um diagnóstico ocupacional – Onde estão e quais cargos são ocupados pelas pessoas negras?;
  • Todos os profissionais da empresa precisam compreender os impactos do racismo em todos os aspectos da vida das pessoas negras, incluindo no espaço profissional. Para isso, precisam investir em formação, em letramento racial.

Precisam contratar pessoas negras para ocupação de cargos e (não somente trainers) e possibilitar a ascensão funcional, oferecendo-lhes oportunidade de fazer cursos, participarem de eventos, por exemplo;

  • Qualificar a atuação do RH diante de situações de racismo, pois o silêncio contribui para a permanência da discriminação. Para isso será necessário a contratação de profissionais qualificados para assessoramento;
  • O Estado brasileiro, as empresas privadas precisam investir em políticas públicas capazes de enfrentar o desemprego e as situações de discriminação no espaço laboral.


Yone ainda reforça que esta não é uma preocupação que se deve ter apenas durante o Mês da Consciência Negra: “não basta esse tema ser debatido somente em novembro, Mês da Consciência Negra. O país desperdiça cotidianamente, a expertise, os conhecimentos e a competência de pessoas negras, os quais poderiam estar contribuindo para a transformação social e na criação de alternativas para a resolução dos problemas atuais, como os do aquecimento global, por exemplo”, explica.

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