Por que é tão difícil sair de um relacionamento abusivo?

teddy bear abandoned in jail vintage tone

Eu desconheço o que é vontade própria. Eu falo baixo e dou risada baixo. Eu tomo cuidado com as roupas que uso. Eu não sei mais qual é a minha banda ou filme preferido. Eu tremo quando escuto alguém falando um pouco mais alto. Eu estou distante da minha família e dos meus melhores amigos. Eu sinto que as pessoas me tratam mal, mas não consigo fazer nada pra mudar isso. Às vezes, eu acho que deveria ser mais amada, mas talvez isso não seja pra mim. Eu tenho muito medo do que vão pensar sobre mim. Eu acho que ninguém no mundo vai gostar de mim como eu sou.

Por Natália Belizario, no Lado M

Foto: NAPATCHA VIA GETTY IMAGES

 

Se você se identifica com alguma das frases acima, você já viveu a realidade triste de um relacionamento abusivo, seja fazendo parte dele ou seja convivendo com alguém que tem um relacionamento desses. Relacionamentos abusivos não se dão necessariamente em relações amorosas, mas também em relações de amizade e família. Tenha isso em mente para conseguir identificar se você ou alguém do seu convívio social estão passando por essa situação.

Vivendo um relacionamento abusivo

Eu vivi um relacionamento abusivo quando muito nova. Esse cara X, que chamarei de Caio pra dar nome ao personagem dessa história péssima, me fez acreditar que ninguém ia gostar de mim, que eu não sabia fazer nada direito e que todos achavam que eu estava desesperada por atenção. Quando ele saiu da minha vida, entrou na vida de uma outra menina e eu, que nem sabia o que era sororidade ainda, senti um aperto no coração. Por acasos da vida, eu acabei me tornando amiga dessa menina. Perguntei discretamente sobre como ia o namoro dos dois e ela me contou que ele tinha dito pra ela (orgulhoso) como tinha feito da minha vida um inferno. Ela me disse que sentia muito.

Eu sabia que Caio não tinha um pai dos mais legais, que tratava a sua mãe como ele me tratava. Logo, era um ciclo vicioso. Eu torci pra que tivesse acabado ali, na minha experiência, mas não. Meses depois de me tornar amiga da namorada de Caio, comecei a perceber que o relacionamento deles não ia tão bem assim. O relato a seguir é intenso, deixo o aviso aqui.

Caio a traía com diversas meninas. Ela dizia que ele ia melhorar, eu dizia que não. Caio a fez acreditar que ela estava ficando maluca. Ela começou a se diminuir, eu não sabia como ajudar. Caio bateu nela na minha frente. Eu tentei separar a briga, ela disse pra mãe dela que tudo não passou de uma brincadeira. Caio a afastou de todas as suas amigas. Eu a amava, ela se mantinha distante. Caio terminou com ela. Eu disse que seria melhor assim, ela insistiu pra voltar. Eu briguei com ela, disse que não aguentava mais ver aquela situação, implorei pra que ela simplesmente fosse embora, ela continuou com ele. Caio terminou com ela de novo e não quis mais voltar. Foi assim, por vontade do abusador, que o relacionamento acabou.

Hoje, ela está feliz da vida. Tem personalidade própria, amigas e amigos que a amam, sai a hora que quer e sabe o que quer da vida. Eu assisto a isso de longe, já que eu não soube entender naquela época, mesmo tendo passado por isso com o mesmo cara, que ela queria muito sair daquele relacionamento abusivo, mas não conseguia.

Por que você não consegue sair desse relacionamento?

Medo. Frequentemente é esse o motivo pelo qual pessoas continuam em relacionamentos que só as machucam. Não podemos esquecer que relacionamentos abusivos não são marcados somente por violência física, mas também por violência psicológica. A menina da história de Caio teve sua autoestima destruída dia após dia e tinha certeza absoluta que ninguém mais a amaria, a não ser Caio. Como deixá-lo, mesmo com todos os defeitos?

A situação se torna ainda mais difícil por conta de um erro recorrente em nossa sociedade: a culpabilização da vítima. Dói dizer isso (e quem dera o feminismo tivesse iluminado meu caminho antes), mas eu culpei minha amiga por não sair do seu relacionamento. E querida, se você está lendo isso agora, a culpa nunca foi sua. Eu me culpei quando passei por isso e fiz o mesmo ao ver a situação de repetir.

Sair de um relacionamento abusivo não é só uma questão de força de vontade. É preciso ter apoio para enxergar que aquele não é o “amor” que você merece (lembrando aqui da cena de As Vantagens de Ser Invisível, na qual o personagem ouve de ser professor que “Nós aceitamos o amor que achamos que acreditamos merecer”) e é preciso ter coragem para admitir pra si mesma que você está sendo abusada por alguém que você ama.

Além disso, precisamos destruir a imagem que temos na nossa cabeça daquela pessoa que hoje só nos faz mal. No começo do relacionamento tudo ia bem, a pessoa era encantadora e atenciosa. De repente, as coisas mudam, tudo é motivo para briga, você passa a se sentir presa e controlada. Mas aonde foi parar aquela pessoa pela qual nos apaixonamos? Será que eu mudei e então ela/ele mudou? Se eu segurar as pontas mais um pouco pode ser que as coisas voltem ao normal, não?

Leva tempo pra aceitar que aquela pessoa que amamos não existe mais ou nunca existiu. E aí temos que deixar tudo pra trás, os planos em conjunto, as lembranças, o sentimento… não é fácil, não.

Eu ainda estou aqui

Saber que você não vai estar sozinha quando não estiver mais em um relacionamento abusador é fundamental para que as coisas fiquem um pouco mais fáceis. Por isso, caso algum dia você perceba que alguém do seu convívio social está em um relacionamento abusivo, não vá embora. Pode parecer em um primeiro momento que as suas palavras de apoio são ditas em vão, que aquela pessoa não quer sair da situação na qual se encontra, mas não é bem assim. Quando aquela situação de abuso acabar, a vítima vai precisar de apoio pra superar o trauma e seguir em frente.

Não se esqueça que existem serviços públicos criados para ajudar mulheres a superar a violência psicológica e/ou física causada por um relacionamento abusivo. Qualquer pessoa pode fazer denúncias anonimamente ligando para o número 180, da Central de Atendimento à Mulher.

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Natália Belizario

Estudante de jornalismo e feminista. Gosta de ver o mesmo filme algumas mil vezes e captar uma essência diferente em cada uma delas. Ama Pearl Jam, detesta mentiras e sonha em viajar pelo mundo fazendo algum trabalho voluntário.

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