Por que o termo bifobia incomoda?

SÃO PAULO, SP, 06.06.2015 - PARADA-GAY - XIII Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo", com início do trajeto na praça do Ciclista, rua Augusta até chegar ao largo do Arouche, na região central de São Paulo (SP), neste sábado (6). (Foto: Bruno Poletti/Folhapress)

Texto de Érica G. para as Blogueiras Feministas.

O polêmico termo tem ocupado as redes sociais nos últimos tempos com alguns grupos lutando desesperadamente pela sua deslegitimação, em muitos casos vindos de mulheres lésbicas e feministas. Os argumentos contrários são vários, um deles é que o preconceito que bissexuais sofrem não é estrutural e que mulheres bissexuais sofrem lesbofobia e não bifobia.

Para desconstrução de tal argumento temos que remontar a criação do termo lesbofobia. Termo surgido principalmente para diferenciar a dupla violência que mulheres sofrem, que não é da mesma ordem da violência sofrida por homens. Uma por serem mulheres e a outra por serem homossexuais. Além disso, o termo homofobia também promoveria a invisibilidade da mulher lésbica na sociedade, pois estaria relacionado no senso comum apenas aos homens.

Pois bem, de uns tempos para cá os não-monossexuais (que não são héteros ou homossexuais) tem se organizado, e dessa organização surgiu a necessidade de criar o famigerado termo: bifobia. Tal termo surge pois nossa sociedade se organiza a partir de uma lógica binária de formatação da sexualidade e das relações entre os gêneros. Isso causa sofrimento e afeta nossas relações. Não nos sentimos na maioria das vezes acolhidos dentro dos dois grupos: heterossexuais e homossexuais. Sofremos discriminação de ambos os lados. E somos atualmente uma entidade mitológica para o senso comum.

Agora a questão: Por que o termo bifobia incomoda? O argumento mais usado é de que as bissexuais sofrem lesbofobia quando estão num relacionamento com outra mulher e não bifobia, pois seríamos lidas como lésbicas. Apesar de parecer um argumento válido num primeiro momento trata-se de uma falácia, já que para a turba truculenta e enfurecida de heterossexuais somos uma massa amorfa de não-heterossexuais, de pessoas que burlam a heteronormatividade.

Logo, os termos lesbofobia e bifobia (bissexualfobia) servem para dar visibilidade as especificidades dessa expressão de ódio que engloba todos os que desafiam a forma hegemônica de relacionamento (Pocahy Nardi, 2007).

No trecho seguinte, fica claro que falamos da mesma opressão mas que está sendo usada em alguns momentos para a deslegitimação da opressão homofóbica a mulheres bissexuais, incorrendo, para o senso comum, no mesmo erro que o termo “homofobia”.

Quando digo que bifobia e lesbofobia caminham juntas, quero dizer sobretudo que, apesar de diferentes, ambas incidem sobre a mulher bissexual. É comum ouvir o fato de minas bi sofrerem lesbofobia como argumento para deslegitimar a bifobia. Dizem, por exemplo, que quando apanhamos na rua por estarmos com outra mulher, sofremos lesbofobia. Pode parecer estranho de início, mas quem diz isso está certo. O desonesto é deslegitimar uma opressão específica à pessoas bi utilizando disso. Nós, mulheres bissexuais, sabemos que não é só isso que sofre uma mina bi. Mas sim, não podemos negar: quando somos lidas como lésbicas, sofremos lesbofobia. O verdadeiro problema, que tanto nos esforçamos para mostrar a outras mulheres no feminismo, é o que ocorre quando não somos tomadas por lésbicas. Referência: Bifobia existe e está no feminismo: um apelo, por Anna Lima.

De fato, independente das particularidades que não-monossexuais possuem, sofremos em alguns momentos a mesma opressão que as lésbicas, como mulheres não-heterossexuais. Mas o termo lesbofobia não nos representa e promove nossa invisibilidade. É na verdade mais uma mordaça para nós e sendo mais um dos fatores para o nosso adoecimento, pois sofremos diversas discriminações por homens e mulheres monossexuais. Daí o surgimento do termo bifobia. E este é um termo tão legítimo quanto lesbofobia. Trata-se de um posicionamento político de que existimos e que não iremos nos calar, principalmente em espaços que deveríamos estar seguras.

Para ficar mais claro quando dizem que sofremos “lesbofobia” estão nos dizendo que não sofremos por sermos quem somos, desconsiderando nossas vivências mas que sofremos por sermos confundidas com mulheres que sofrem de verdade. Além disso, mulheres bissexuais que se relacionam com homens sofrem com diversos estereótipos e são estigmatizadas por serem bissexuais.

Se a sexualidade lésbica já é invisibilizada, quando uma mulher bissexual se relaciona com outra mulher, todo o relacionamento vai ser questionado do início ao fim. Não importa quanto o relacionamento ou a dita “fase-passageira-de-indecisão” durar. A mulher com quem você se relaciona possivelmente será chamada de amiga ou de aventura sempre que possível. E no momento que você volta a se relacionar com um homem, toda sua vivência em relacionamento com mulheres será esquecida e relativizada. Relacionar-se com um homem para uma mulher bi é ter a sua “carteirinha” de bissexual cassada a todo momento. Para muitas pessoas, se você está em um relacionamento fechado com um homem, você é automaticamente hétero. É também a confirmação para muitas pessoas que a sua “fase” com mulheres era passageira. Referência: (In)visibilidade bissexual, por Jussara Oliveira e Thayz Athayde.

Por que dentro da comunidade feminista algumas mulheres lésbicas tentam deslegitimar a auto-organização de um grupo? Essas mulheres deixam bem claro o ressentimento que sentem por acreditarem que mulheres bissexuais desfrutam de algum privilégio do patriarcado, nos culpando por inúmeras coisas ao invés de culpar o verdadeiro opressor. O palpite é que sororidade (como muitas já apontam) só existe entre iguais. E nós já sabemos quem sempre sai ganhando com tudo isso…

Referência

POCAHY, Fernando Altair; NARDI, Henrique Caetano. Saindo do armário e entrando em cena: juventudes, sexualidades e vulnerabilidade social. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 15, n. 1, p. 45-66, abr. 2007.

Autora

Érica G. é pós graduanda em Saúde Mental e Atenção Psicossocial e feminista desde criancinha.

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