Por que precisamos de mais doulas negras

mother-to-be prepares to deliver her baby in birthing tub

A crise da mortalidade materna negra não está diminuindo. As doulas podem ajudar.

Por Catherine Pearson e Lena Jackson, Do HuffPost 

Uma mulher, negra de cabelos curtos e vestindo top preto, em trabalho de parto em uma banheira redonda azul.
Doulas negras podem ajudar a evitar mortalidade materna. (Foto: HUFFPOST LIFE)

 

Nos últimos anos vimos uma enxurrada de artigos sobre a crise da saúde materna negra nos Estados Unidos. Todos destacam a realidade difícil enfrentada pelas gestantes não brancas no país. De fato, as mulheres negras nos EUA têm chances 3 ou 4 vezes maiores que as brancas de morrer de problemas ligados à gravidez. O índice de mortalidade de bebês negros no país é duas vezes maior que o dos bebês brancos.

Para resolver uma crise de saúde pública tão urgente e persistente é preciso lidar com uma teia de forças sociais, políticas e de saúde que convertem o parto em uma questão de vida ou morte para muitas mães negras. Mas pesquisadores e políticos estão à procura de ideias.

Como é a realidade brasileira

Entre 1990 e 2015 a razão de mortalidade materna no País caiu 56%, de 143 para 62 óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos, de acordo com o último dado oficial divulgado pelo governo.

A queda, no entanto, não foi suficiente para que o País atingisse a meta definida como um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio pela ONU, de redução de 75%, para 35 mortes por 100 mil nascidos vivos. E a taxa brasileira continua sendo considerada alta, mesmo em comparação com outros países da América Latina. O Chile, por exemplo, tem uma taxa de 15 mortes por 100 mil nascidos vivos.

Uma solução potencial seria simplesmente assegurar que toda mulher que quisesse tivesse acesso a uma doula e pudesse pagar por ela. Uma doula é basicamente uma pessoa que acompanha uma mulher durante o trabalho de parto (em muitos casos também nos períodos pré e pós-parto) para lhe dar apoio emocional e logístico.

Embora as doulas não sejam profissionais com formação médica, estudos sugerem que o trabalho delas leva a resultados melhores em termos de saúde. As mulheres que contam com uma doula no parto têm probabilidade menor de ter bebês com baixo peso e apresentam menos chances de sofrer uma complicação no parto.

Regina M. Conceição fundou o coletivo de doulas A Passion For New Beginnings, em Nova York, e trabalha também com um programa comunitário de doulas no Brooklyn. O HuffPost conversou com ela sobre como a disponibilidade mais ampla de doulas poderia ajudar a melhorar a situação das mães negras.

HuffPost: As pessoas frequentemente falam em doulas como uma extravagância ou uma coisa meio hippie, meio natureba. Imagino que você não concorde com isso. Pode me explicar por quê?

Não concordo mesmo. As doulas são cruciais para a saúde materna. Oferecemos informação, apoio e empoderamento. Ajudamos as mulheres a lutar pelo que é necessário para elas e a conseguir atendimento melhor de maternidade.

Na minha opinião, todas as mulheres deveriam ter uma doula, se quiserem. Acho que o atendimento de doulas deveria estar ao alcance de mulheres em comunidades marginalizadas e que elas deveriam ter acesso as serviços de doulas gratuitamente. Infelizmente, muitas pessoas não têm como arcar com esse custo, e por essa razão contratar uma doula ainda é, muitas vezes, uma coisa feita mais por mulheres brancas ou por pessoas não brancas que tenham muito dinheiro.

Qual é a importância de gestantes negras poderem contratar doulas negras?

Acho que precisamos de mais provedores de serviços de todo o tipo que sejam não brancos, para que as mulheres tenham a opção de trabalhar com uma pessoa não branca, se isso for importante para elas. Porque pode ser reconfortante ver alguém do seu lado que compreenda sua experiência de vida. É claro que o simples fato de uma provedora de um serviço ser uma pessoa não branca não significa que ela vá prestar um serviço ótimo, mas, para mim, é questão de se ter essa opção.

Ensinar médicos e hospitais a realmente darem ouvidos às mulheres, especialmente às mulheres negras, pode salvar vidas. Um exemplo: um hospital onde acompanhei um parto no ano passado não deixou uma gestante perfeitamente saudável, de 20 e poucos anos, sair da cama para esvaziar a bexiga – ela foi obrigada a usar uma comadre. A gestante foi obrigada a ficar na cama, esperando por mais de quatro horas pela anestesia que pedira. Perguntei por que ela não podia se levantar para ir ao banheiro e me disseram que era a política do hospital, porque “a população que atendemos é de muito alto risco”. Perguntei: essa paciente é de alto risco? Porque acredito que ela não é. E o que vocês estão fazendo é praticar medicina baseada no medo, não medicina baseada em evidências. A mãe acabou fazendo uma cesárea 14 horas mais tarde devido ao fato de não ter tido dilatação suficiente, algo que eu acredito que poderia ter sido evitado se ela tivesse sido autorizada a se mexer um pouco.

O estado de Nova York anunciou recentemente um programa piloto que vai estender o Medicare para cobrir doulas para mulheres em determinadas partes do estado a partir de 1º de março…

É um começo! Acho ótimo que exista um programa desse tipo, mas não estou satisfeita com o pagamento previsto para as doulas. São US$510 por sete visitas e o parto. Isso é pouquíssimo. Muitas doulas que conheço não vão poder dar atendimento dentro desse programa porque não ganhariam o suficiente para se sustentar.

Esse é o meu medo: que muito poucas doulas vão se cadastrar no esquema, que o piloto não seja um sucesso e que as pessoas pensem que trabalhar com doulas não ajuda as mulheres, por isso não se esforçarão para ampliar este programa ou reproduzi-lo.

Quanto você acha que as doulas deveriam receber?

Eu diria que pelo menos US$1.000 para uma doula com 5 anos ou mais de experiência. Os programas comunitários que ajudam as mulheres a contar com doulas de graça muitas vezes conseguem pagar mais às doulas, usando verbas doadas.

Mas o fato de haver um programa piloto como este em Nova York parece indicar que as pessoas estão mais conscientes dos benefícios que as doulas podem proporcionar. Você concorda?

Estou fazendo este trabalho desde 2000 e eu diria que depende. Acho que muitos obstetras e ginecologistas andam vendo a cobertura dada pela mídia ao atendimento a parturientes nos Estados Unidos e andam refletindo profundamente sobre como tratam as mulheres. Então, sim, acho que muitos hospitais e médicos estão mais abertos a trabalhar com doulas hoje do que estavam no passado.

O tipo de atendimento que as mulheres recebem está longe de ser igual em toda parte, e isso está na raiz do problema. Parece algo tão simples, mas precisamos que as grávidas sejam tratadas com dignidade e respeito como parte do atendimento padronizado e que seus médicos e hospitais realmente deem ouvidos a elas.

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do ing

-+=
Sair da versão mobile