Por quem eu luto?

FONTEPor Lorena Borges, enviado ao Portal Geledés
Lorena Borges (Foto: Arquivo Pessoal)

Nossos passos vêm de longe; mas vão pra onde? 

Inicio essa reflexão parafraseando a grande Jurema Wernek. Não por acaso e, sim, para lembrar que se hoje posso tornar público os meus conhecimentos e sentimentos, isso se deve à luta daquelas e daqueles que me antecederam e garantiram para minha geração o acesso à educação, à saúde e tantos outros acessos que me fizeram vencer algumas estatísticas. 

Há muito tempo, sou ativista da causa racial e, ao longo desse tempo de luta, avançamos. Chegamos em lugares que há bem pouco tempo não podíamos sonhar, e isso é muito importante. Contudo, vemos crescer o número de jovens pretos atingidos letalmente e encarcerados pelo racismo estrutural. Olhando através desta lente, fica nítido para mim a importância de desenvolvermos estratégias de prevenção da elegibilidade dos jovens pretos por esse sistema racista. Pois, os dados do Fórum Brasileiro de Segurança apontam que, 78,9% dos brasileiros mortos por intervenção policial, em 2020, eram negros¹ , pra quem vamos deixar nosso legado? 

Nós temos um alvo pintado na testa. Nossos corpos têm atendimento preferencial, quando se trata de ser alvejado por balas “perdidas e/ou disparos acidentais” e os dados sociodemográficos confirmam isso. Todavia, apesar da dor, seguiremos em luta, apontando o racismo estrutural em cada ação que tem potencial de ceifar nossas vidas. Mas precisamos traçar algumas estratégias de proteção com e para os nossos. 

Eu não posso proteger o outro das suas próprias ações, e isso tem me causado desesperança. Quando um jovem preto se coloca em condição de ser atingido por quaisquer das estratégias do racismo, perdemos um pouco do futuro e isso acontece de variadas formas, seja quando este jovem vai a uma boca comprar uma bucha de maconha para o próprio consumo e é abordado pela polícia que o vê como traficante. Ou quando, em função da baixa autoestima, esse jovem passa a fazer uso constante de álcool e com isso perde sua capacidade laboral, se desinteressa pelos estudos e sonhos que outrora motivaram sua vida. 

Sabemos que o racismo causa dores emocionais e físicas que impactam na forma como nos relacionamos e nos comportamos e isso pra mim diz muito das razões que levam os jovens pretos buscarem válvulas de escapes, como as citadas. 

Sempre pensei que era importante lutarmos para transformar o mundo em um lugar melhor para as gerações futuras, mas talvez tenhamos nos esquecido de dizer isso aos nossos filhos, sobrinhos e netos por quem é a nossa luta. 

Temos perdido todos os dias, parte dessa batalha, porque em meio a tantas lutas e tantas construções que são fundamentais para o nosso povo, tem nos faltado oportunidade de dizer aos nossos as razões que nos fazem lutar. 

Acredito que não basta somente garantir que o sistema de cotas seja eficiente e possibilite o acesso de pretos e pretas à academia, se essas pessoas desconhecem o histórico de tantas lutas empreendidas pelos/as que vieram antes para se conquistar esse direito e que contamos com elas para que este legado se perpetue. Mais que lutar para garantir acessos e direitos precisamos preparar os nossos para usufruir disso. E essa preparação começa quando dizemos a eles o valor e a importância que cada corpo preto tem na construção da nossa “Wakanda”. 

Por isso, hoje venho dizer para você, meu filho, meu sobrinho, meu neto que toda a luta do povo preto é por você e para que você possa ser feliz, no sentido mais amplo desta ação! Que você ocupe os espaços, que realize coisas, mas que, principalmente, esteja vivo e consciente de que a sua vida e todas as vidas negras importam

Foto: Enviada pela autora

¹ Os órgãos oficiais classificam como negros o somatório das pessoas que se classificadas como pretas e pardas. No texto, assumo o posicionamento político de nomear a todos como pretos, uma vez que o marcador da cor da pele é o que mais pesa em situações de discriminação racial e letalidade.

Lorena Borges, natural de BH, mulher negra periférica mãe de 3 meninos negros, candomblecista filha de Yemanjá, bacharel em direito. Ativista pela igualdade racial, Direitos humanos e desencarceramento; Defensora Popular formada pela Defensoria Pública de MG em 2017, líderança acelerada do programa Marielle Franco.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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