Precisa-se de meninas para trabalho infantil e escravo

Foto: Gabriel Brito/Correio da Cidadania
Foto: Gabriel Brito/Correio da Cidadania

por Douglas Belchior no negrobelchior

A imagem acima, fotocopiada e divulgada em redes sociais nos últimos dias, sobretudo por internautas da região norte do país, é da seção de classificados de edição do Diário do Pará veiculada no último 2 de maio.

A situação absurda, de promoção do trabalho infantil análogo à escravidão e tentativa de adoção ilegal, foi denunciada à Associação dos Magistrados Trabalhistas da 8ª Região (Amatra8), sob cuidados da juíza Claudine Rodrigues.

O caso está sendo acompanhado pela jornalista, advogada e ativista Franssinete Florenzano, em seu blog, no qual registrou:

“A juíza – que através da Amatra8 desenvolve o projeto Trabalho, Justiça e Cidadania, justamente em prol da infância e da juventude – ligou pessoalmente, do telefone institucional, sem se identificar, e confirmou a veracidade da denúncia. A pessoa que atendeu ao telefonema disse que o casal precisava de uma babá ‘com as exigências que estavam no jornal’ (criança de 12 a adolescente de 18 anos, que resida no emprego). Quando a magistrada perguntou se a candidata poderia ter mais de 18 anos, ouviu um sonoro ‘de jeito nenhum!’. E na hora em que indagou o nome do contratante o homem desligou o telefone.”

O Ministério Público do Trabalho e a polícia instauraram investigação, que tem como alvo tanto as pessoas físicas envolvidas quanto o jornal responsável pela veiculação do classificado. Segundo o blog, o Ministério Público do Estado do Pará também deverá ajuizar uma ação.

Outro caso, e a curiosa coincidência

Outro triste caso de promoção do trabalho infantil análogo ao escravo e tentativa de adoção ilegal foi também denunciado pelo Blog da Franssinete Florenzano. Desta vez em Marabá (PA), cidade a cerca de 450 quilômetros de Belém.

Uma mulher identificada como Cristiane Soares Melo, evangélica, casada com um pastor e com uma filha de dois anos, postou num grupo no Facebook chamado “Venda, compras e trocas – Marabá”, que estava procurando uma menina carente para ajudar, que morasse com ela. Segundo o blog, o caso chegou ao conhecimento do juiz do trabalho da região que, por sua vez, acionou de imediato o Ministério Público do Trabalho em Marabá.

E o que dizer dessa triste e curiosa coincidência de perfil? Casais evangélicos…

Crianças pobres, negras e indígenas, as vítimas de sempre

O Brasil é reconhecido internacionalmente como um país que se utiliza de mão-de-obra infantil, tanto no comércio interno, como em atividades relacionadas aos setores exportadores e, claro, na prestação de serviços domésticos. Nenhuma novidade, já que se trata de um fenômeno que nos acompanha desde o período colonial.

Leia mais sobre meninas: 

Os motivos da permanência desta herança escravagista na cultura e na prática social são complexos e diversos. Mas, com certeza, a pobreza e o racismo são as principais. Além, é claro, da lógica do deus “Mercado”, em sua busca pelo lucro acima de todas as coisas, que faz das crianças alvo preferencial, justamente por estas trabalharem por menos dinheiro, além de serem mais facilmente disciplinadas e distantes de sindicatos ou outras formas de organização.

Paradoxalmente, o Brasil é também reconhecido como um dos países com as mais modernas e significativas normas de proteção à criança e ao adolescente, presentes na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS).

Ou poderia dizer: Um país que avançou na instituição de direitos formais e legislações, mas que não as pratica.

Nos casos aqui citados, percebam que a conjunção pobreza+meninas+trabalho escravo+discurso do cuidado e ajuda propiciam um ambiente adequado ao desenvolvimento do capítulo seguinte: a exploração e a violência sexual de crianças e adolescentes.

Daí a importância em jamais naturalizar ou ignorar fatos como os que o Blog da Franssinete Florenzano nos traz. Afinal, se imaginamos um país diferente e melhor para se viver, nossa resistência deve e precisa ser permanente e pedagógica. O tempo todo.

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