Precisamos olhar para os nossos ancestrais, em especial, ainda vivos

FONTEPor Camila Santos Andrade, enviado para o Portal Geledés
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Assistindo ao documentário AmarElo, não pude não pensar na minha conexão com os meus antepassados. Entender o quanto as gerações passadas tiveram que trabalhar para eu estar aqui, doutoranda em Ciência Política e com uma vida boa, na medida do possível, é um ato de gratidão, de reverência. Mas ainda sim, eu penso imediatamente em quem ainda está viva: minha avó. Meus olhos enchem-se de lágrimas só de pensar que este pequeno ser tem 86 anos já. Passar a quarentena com ela me deu um novo significado para a vida. Por que, Camila? Porque eu encontro a força para acordar, fazer as atividades (quase sempre) iguais e seguir vivendo, em uma perspectiva otimista.

O contexto de pandemia nos ajudou a aparar as arestas que o tempo separadas nos fez. Que difícil conviver com essa mulher! De uma personalidade forte, em busca dos seus objetivos, sempre batalhou em prol da educação, pensando em que este é um instrumento de emancipação. “Você tem que ser a melhor; você estudando as pessoas vão te respeitar” – seguir acreditando que cada degrau conquistado é um motivo de alegria. Não seria o que eu sou hoje, não teria conseguido chegar tão longe sem ela. E eis que eu venho dizer a vocês que olhem para os seus ancestrais com carinho, em especial, ainda vivos. Foram tantos caminhos, tanto percalços para chegar onde estamos hoje. Em 2020, que foi um dos anos tão turbulentos pelo COVID-19, não bastaria apenas uma pandemia: era necessária a brutalidade policial assolando o nosso povo.

A nossa luta transcende o Black Lives Matter: ela transborda para a educação, para a música, para as artes, para o estilo de vida. A nossa luta é transmitida por meio das nossas posições, das nossas atitudes, do tornar-se negro como a Neusa de Souza já dizia. Faz parte dessa luta reverenciar quem veio em longos passos desbravando caminhos, muitas vezes solitários, para que outras pessoas também fossem incluídas no processo. É preciso fazer com que todo esses caminhos já desbravados continuem sendo abertos para que pessoas sejam incluídas, visibilizadas. E eis que, em um momento de profunda depressão, a ancestralidade faz toda a diferença na minha vida: eu tenho um propósito.

Olhar para a minha pequena todos os dias me faz perceber o quanto eu posso ser importante na vida de alguém somente acreditando no percurso da pessoa, como tiveram pessoas na minha vida que fizeram toda a diferença dessa forma. Que eu posso instrumentalizar tudo o que eu aprendi na academia de Relações Internacionais para a democratização do conhecimento. Mais ainda, democratizar o conhecimento por meio do estudo das relações internacionais africanas, de entender os processos históricos em África que vão mais além da colonização. De resgatar a minha conexão com o berço dos meus antepassados e de poder dizer para aquela pessoa que quer sonhar “em ser alguém na vida” que ela não está sozinha, eu estou aqui. Como AmarElo mostra, nós temos que termos nossas conexões entre o povo preto, somos um. E o resgate aos nossos ancestrais cura, nos deixa vivos. Obrigada, minha avó, por mais uma vez acreditar em mim, mesmo no período da depressão. Obrigada minhas gerações de mulheres que lutaram para eu ter um futuro.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 
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