Prêmio Jabuti 2022: levantamento étnico-racial é tema de debate nas redes

Escritores lembram que medida pode levantar suspeitas de manipulação; cientista social defende utilidade de informações

FONTEdo O Globo
Prêmio Jabuti (Foto: CBL)

Perguntar a raça do autor de um livro no questionário de inscrição de um prêmio virou questão polêmica nas redes, e o Jabuti, mais importante premiação literária do Brasil, tem estado nas rodas de conversas do Twitter nos últimos dias. Tudo começou com uma postagem do escritor Sérgio Rodrigues, em que ele se disse espantado com a pergunta da ficha. Para o mineiro, ela pode levantar suspeitas sobre a isenção da premiação. Outros escritores, como Edney Silvestre, também reclamaram.

A validade do questionário, no entanto, foi defendida por cientistas sociais, formadores de opinião e pela própria Câmara Brasileiro do Livro, organizadora do prêmio e que, para a edição 2022, recebe inscrições até dia 26 de maio. Em nota, a CBL disse que tem feito perguntas sobre gênero e raça desde 2021, a partir da metodologia do IBGE. Respondê-las é uma opção do candidato. “O objetivo é mapear o perfil dos inscritos para implementar possíveis ações que promovam cada vez mais a diversidade do mais importante prêmio do livro brasileiro”, diz a organização.

A historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz foi uma das defensoras da medida da CBL. Para ela, isso pode ajudar “a empreender políticas no mercado editorial e livreiro e a incentivar a abertura para novos escritores e leitores”.

— Dizer que raça não existe é camuflar a evidência desse nosso país onde raça social não é apenas um legado da escravidão, mas a maior contradição e o maior trauma social. E trauma funciona assim: ou enfrentamos ou continuamos a fugir e a sofrer com ele. Estatísticas e a abertura delas são procedimentos democráticos — disse Lilia.

Colunista do GLOBO, a jornalista Flávia Oliveira diz ter ficado espantada com a polêmica sobre uma questão “que já é respondida há décadas no Censo Demográfico”.

— A crítica precipitada e a ameaça de boicote ao Jabuti são evidências do analfabetismo racial. O sentimento é de frustração com a falta de disposição para expor com dados concretos as desigualdades marcantes nos espaços de poder no Brasil. Mas, com ou sem números, é fácil apontar quem forma a maioria esmagadora dos vencedores do Jabuti— disse a jornalista.

‘Lamentei virar escada’

Diante do embate que tomou as redes sociais, Sérgio apagou a postagem original e fez outra “por discordar frontalmente dos rumos que a discussão tomou (boicote ao prêmio etc.)”. Ao GLOBO, explicou:

— Lamentei ver um tweet despretensioso meu viralizar e virar escada para propostas de achincalhe da luta antirracista, que tem todo o meu apoio, e até para manifestações abertamente racistas, bolsonaristas mesmo. Por isso apaguei.

Sérgio, no entanto, diz que ainda não se convenceu por completo de que o Jabuti seja o lugar para esse tipo de levantamento.

— Acredito que, como disse a CBL, o propósito seja apenas estatístico, mas não falta gente para levantar suspeitas em casos como esse — disse o escritor. —Num momento em que a própria política de cotas das universidades, que considero fundamental, está sob ataque de um governo reacionário, qualquer suspeita de manipulação de um prêmio pode virar arma. Como descobri nos últimos dias, pessoas que respeito e que entendem muito mais da luta antirracista do que eu não compartilham delas.

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