Previdência: marcos éticos para a inclusão social

A realização da Reforma da Previdência Social é um compromisso assumido pelo presidente Lula durante a campanha eleitoral e, atualmente, um dos maiores desafios do seu governo. A questão está sendo discutida por várias lideranças políticas, sindicais e empresariais, assim como por diversos movimentos sociais. O movimento feminista e de mulheres articula-se para que as futuras mudanças no sistema previdenciário sejam capazes de promover justiça social, eliminar os privilégios e contribuir para a redução das desigualdades.

Por Sueli Carneiro

O sistema de previdência social, lá nos seus primórdios, concebeu um beneficiário do sexo masculino, trabalhador engajado no mercado formal, chefe de família com vários dependentes, aos quais transmitia seus direitos previdenciários.

Do início do século passado para cá, a vida das trabalhadoras mudou muito. Elas deixaram de ser ‘‘dependentes do trabalhador”, ingressaram no mercado de trabalho, compartilhando com seus companheiros ou assumindo sozinhas o sustento de suas famílias, realidade vivida de maneira diferenciada por grande parte das mulheres negras. Esse esforço das mulheres, entretanto, não obteve a justa contrapartida de seus companheiros, da sociedade e do Estado. As tarefas domésticas, os cuidados com as crianças e os idosos continuam recaindo quase que exclusivamente sobre elas.

Estudos realizados tanto pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) quanto pela Cepal sobre as reformas previdenciárias ocorridas em diferentes países da América Latina concluíram que as trabalhadoras são mais vulneráveis a reformas que fortalecem os vínculos entre contribuição previdenciária e direito a benefícios futuros.

A reforma brasileira tem de criar condições mais justas e igualitárias para a participação das mulheres no sistema previdenciário. Grande parte das trabalhadoras está excluídas do sistema. E a pequena parcela incluída está em desvantagem em relação aos trabalhadores do sexo masculino.

Os ônus da dupla jornada são altos. No mercado de trabalho, a discriminação contra a mulher tem custos elevados, que se reproduzem e se potencializam no sistema de previdência social. Senão, vejamos:

  • As mulheres têm uma remuneração menor do que os homens pelo mesmo trabalho, do que decorre o recolhimento de uma contribuição também menor para a previdência social, fator que repercute diretamente sobre o valor da aposentadoria;
  • A maior parte da mão-de-obra feminina está ocupada no mercado informal ou em empregos precários;
  • A participação da mulher no mercado de trabalho é intermitente, em razão de suas atividades na esfera da reprodução social;
  • A taxa de desemprego feminino é cinco pontos percentuais mais elevada que a encontrada entre os homens.

O enfoque de gênero revela a exclusão das mulheres. De uma perspectiva étnico-racial, revelam-se outros filtros. Basta dizer que, segundo a Pnad/1999, dos 24,6 milhões de contribuintes selecionados para análise, apenas pouco mais de 1/3 dos contribuintes (8,6 milhões ou 34%) era formado por negros, pardos ou indígenas.

A aposentadoria diferenciada em cinco anos entre mulheres e homens, longe de ser um privilégio, é uma medida compensatória. Aliás, a única que o sistema apresenta, entre tantas necessárias.

As injustiças estão postas. Para enfrentá-las, a reforma da Previdência tem que ter por marco ético orientador: a retomada e ampliação do conceito de previdência social inserido no marco da seguridade social, nos termos da Constituição de 1988; o reconhecimento e enfrentamento das diferenças entre homens e mulheres, negros e brancos, urbanos e rurais, ou seja, das desigualdades sociais originárias do mercado de trabalho e reproduzidas pelo sistema de previdência social; a manutenção do caráter público do sistema de seguridade social e a ampliação da cobertura do sistema beneficiando cidadãos e cidadãs que atualmente estão excluídos da Previdência (cerca de 57% da população) como é o caso dos/as trabalhadores/as do setor informal criando mecanismos de proteção social e redistribuição de renda. E, rompendo com os privilégios que o sistema sustenta, a corrupção e a sonegação que consomem seus recursos.

É preciso avançar na construção de um modelo de Estado e de Previdência Social adequado ao Brasil que desejamos no presente e no futuro: solidário, justo, igualitário e em paz.

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