Professor: “Juventude sempre foi ponta de lança pra derrubar autoritarismo”

FONTEPor Giacomo Vicenzo, de ECOA
O professor Wesley Teixeira, idealizador do Movimenta Caxias e integrante da coluna PerifaConnection (Foto: Arquivo pessoal)

Quem vê um grande baobá-africano, que pode atingir até 30 metros e tem o tronco maciço, talvez não lembre à primeira vista que a frondosa árvore um dia foi uma pequena semente que germinou no solo. Esse foi o estopim para uma reflexão sobre juventudes proposta por Aquataluxe Rodrigues, conselheira do Olodum, criadora do Negócios de Rainhas e do Trocando Ideias, no lançamento do relatório “Mapeamento sobre Juventudes, Democracia e Inovações Sociais na América” durante debate promovido por Ashoka e Ecoa na quinta (17).

“Sem a juventude, sem essa força motora, não é possível ter sociedade. Sou nordestina, sou uma mulher negra, venho dessa cultura do universo popular, de que não existe o futuro sem o mais novo e sem o mais velho estar ensinando. Acreditamos no baobá, nesse poder da semente que se tornará arvore”, disse Rodrigues.

Ela é uma de dez jovens Transformadores pela Democracia reconhecidos pela Ashoka, organização idealizadora do estudo, que fez parte da live, mediada por Leonardo Sakamoto. O mapeamento ouviu 123 empreendedores sociais e uma rede de 32 jovens da América Latina para identificar as principais barreiras e características das juventudes na inclusão dos espaços de tomada de decisão e abrir outros desdobramentos que têm como foco uma sociedade equitativa.

Para o jovem Bruno Souza, integrante do Núcleo de Jovens Políticos do Jardim Vera Cruz e do Coletivo Encrespados, que também fez parte do debate, há muitas barreiras que excluem jovens de um papel de decisão em espaços mais institucionalizados.

“Há locais e espaços que as pessoas só de olhar para a nossa cara questionam se temos a idade e o currículo suficientes para estarmos presentes. Precisamos pensar em outras ideias de intervir nesses espaços mais institucionais”, explicou.

Aquataluxe Rodrigues, conselheira do Olodum, criadora do Negócios de Rainhas e do Trocando Ideias (Foto: Arquivo Pessoal)

Respondendo a provocações de Sakamoto, Souza lembrou que uma das principais capacidades das juventudes é sonhar e o quanto isso é importante para mudar cenários. “Essa capacidade de sonhar e de criar metáforas não é só sobre nos distanciarmos da realidade dura, mas de repensarmos o mundo em que vivemos”, disse.

Juventude encabeçando mudanças para 2022

Ao redor de todo o mundo é comum encontrar sempre a imagem e a participação de jovens em movimentos que pedem mudanças sociais, ainda que estes, estejam afastados em número das esferas institucionais.

Esse pensamento foi um dos destaques das falas de Wesley Teixeira, professor, idealizador do Movimenta Caxias e integrante da coluna PerifaConnection, que a pedido de Sakamoto, explicou sobre a importância da juventude nas eleições de 2022 a partir de um olhar histórico do papel desse grupo no campo político e de como a presença dos jovens sempre esteve ligada a fortes movimentos de disrupção de sociedades e processos autoritários. E deu como exemplos os protestos Black Lives Matter nos EUA e os movimentos de ocupação estudantil nas escolas no Brasil.

“Estamos disputando uma geração, essas eleições serão sobre a constituição de 88, entre civilidade e barbárie. Tem uma juventude que ajudou isso que está no poder. Foi fundamental a participação da juventude negra no movimento Black Lives Matter para derrubar o Trump e no Brasil não será diferente. A juventude sempre foi ponta de lança para derrubar o autoritarismo no mundo”, avaliou.

Mariana Belmont, jornalista e colunista de Ecoa, que faz parte da Rede Jornalistas das Periferias e da Uneafro Brasil, enfatizou que para criar canais de comunicação é preciso fincar o pé e buscar ainda mais os lugares de direito da juventude, sobretudo, das parcelas sistematicamente excluídas.

“As instituições não estão preparadas para essa narrativa dos territórios. Há a desconfiança de que não vai dar certo, porque esse espaço é ocupado por homens brancos e quando veem um jovem com outro olhar, com um olhar popular, gera desconfiança e parece que estamos disputando com eles” disse Belmont.

“Ocupar esse espaço como ocupo, em organizações, só reforça o quanto precisamos pressionar e enfiar o pé na porta, o espaço da comunicação e do jornalismo precisa beber mais dos espaços periféricos e do que vem desses territórios”, completou.

Ivana Bentes, professora titular da Escola de Comunicação da UFRJ e Pró-Reitora de Extensão na mesma universidade, que participou da mesa como convidada, trouxe uma reflexão sobre a potência dos territórios e a necessidade de se repensar a ideia de construção e formação.

“É possível reconstruir o mundo a partir de qualquer lugar que se esteja, você acha que deve chegar em algum lugar no mundo [antes], mas se pode mudar de onde está”, avaliou.

“Vemos isso no Youtube, claro que precisamos de processos de formação longos, mas isso também é muito importante. Jovens aprendem e já repassam esse conhecimento adiante. Temos propostas de ações que são do território, que não vão esperar as grandes instituições, claro não queremos perder o espaço nelas, mas já tem algo saindo localmente. Falamos muito do ‘do it yourself’, mas hoje a onda é: faça junto, é mais prático e mais veloz”, completou.

Na prática, a jovem historiadora e bacharel em direito Isabela da Cruz, ativista pela promoção dos direitos das populações quilombolas, que participou da mesa e passava por dificuldades de conexão, exemplificou a necessidade de união e ação contínua para ocupar os espaços políticos.

“A participação política se dá em meio à luta. É assim que conquistamos direitos, uma empresta celular, outra cuida do bebê”, disse Cruz revelando as barreiras enfrentadas para se comunicar e participar do debate.

Também participaram da mesa como Jovens Transformadores pela Democracia: Ana Paula Freitas, coordenadora de programas da Rede Liberdade e co-Fundadora do Instituto de Defesa da População Negra, Juliana Marques, conselheira do Data_labe e idealizadora do Movimento Mulheres Negras Decidem, Iago Hairon, ativista climático, conselheiro do Engajamundo e vice-presidente da Plant-for-the-Planet Brasil, Ednei Arapiun, Coordenador do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns e Gelson Henrique, cientista social e idealizador do projeto CIJoga. E como convidados da mesa: Helena Singer, líder de estratégia e de juventude da Ashoka.

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