Professores levam debate racial para área de exatas

Ações de cientistas buscam aplicar leis de ensino afro-brasileiro e indígena

A química Viviane Prates, professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro, leva o debate racial para a pesquisa científica (Foto: Lucas Seixas/Folhapress)

Professora de ciências e tecnologias do Instituto Federal do Rio de Janeiro, Viviane Prates dá aulas no campus Duque de Caxias para alunos do ensino médio técnico. Neste ano, impôs a si mesma um desafio: unir o ensino de disciplinas de exatas à temática racial. Para isso, vai explorar leis da física nos trabalhos feitos por escravizados do Brasil Colônia.

O projeto, em fase de aprovação, é feito com Anderson Vieira, professor de física. A equipe investiga a obra histórica do artista francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848).

O objetivo é explicar como era aplicada, pelos escravizados, a pressão nas moendas, que extraíam matéria-prima da cana para a produção de açúcar. Ou mostrar, na escravização, conceitos de peso, massa, força e equilíbrio em atividades como carregamento de carga sobre a cabeça.

Prates quer criar uma apostila a ser usada por professores de exatas, como forma de estimular colegas a incluir a história afro-brasileira nas ementas escolares.

“Pessoas ligadas às ciências exatas não experimentaram um ensino que discutisse o passado escravocrata no Brasil. A física quer contribuir com essa discussão”, diz.

O projeto é parte do Neabi (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas), grupo presente em universidades e escolas de todo o país, que leva questões étnico-raciais aos campos de ensino, extensão e pesquisa.

Com Adriana Mesquita, professora de língua inglesa do instituto, Prates participa de outro projeto, que estimula alunos a pesquisar personalidades negras. Após reunir informações, eles gravam vídeos, apresentando as personalidades de um jeito descontraído. É uma forma de tentar despertar o interesse de estudantes acostumados às aulas de laboratório.

O grupo já pesquisou a líder dos escravizados Dandara dos Palmares, e Machado de Assis (1839-1908), um dos maiores nomes da literatura nacional. Agora, estuda Djamila Ribeiro, filósofa contemporânea e colunista da Folha.

Natural de São Lourenço do Sul (RS), Viviane, 48, pergunta: “Como a gente pode ter tido tantas mãos negras na construção da história do país e, hoje, o Brasil não fazer referência a esse passado?”.

O astrofísico Alan Brito, 43, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também relaciona ciência e debate racial. Com o projeto Akotirene – Kilombo Ciência, ele investe no potencial de meninas e meninos do território quilombola Morada da Paz, em Triunfo (RS), por meio do diálogo entre física, astronomia e a realidade da comunidade.

Já o projeto OruMbya reúne pesquisadores brasileiros e da África lusófona para debater elos entre astronomia e cultura afro-indígena.

Brito também coordena o Neabi da UFRGS, difundindo o pensamento negro em cursos, projetos de extensão e mesas redondas.

No Instituto de Física, o professor criou uma disciplina da graduação que aborda educação e pesquisa sobre questões étnico-raciais e de gênero. Segundo ele, foi bem difícil, porque debates sociais não são comuns na área de exatas. A matéria permite que alunos se aproximem de questões sociais, sempre dialogando com ciências exatas.

Adriana Alves, 40, professora de geologia da USP, é outra que mistura questões raciais e científicas. “O problema é o modo como a excelência é pensada e a ciência é feita. A gente faz uma ciência racializada, isso causa dramas seríssimos, como ondas de suicídios de cotistas negros desesperançados.”

No esforço de combinar ensino de exatas e temas importantes à população negra, esses professores podem ganhar aliadas no futuro.

O projeto Meninas SuperCientistas, da Unicamp, busca familiarizar alunas da educação básica com carreiras científicas nas quais mulheres ainda são minoria.

O programa, criado em 2019, gerou quatro encontros ao longo do primeiro ano e atendeu 50 meninas. Em 2020, começou presencial, mas foi paralisado devido à pandemia e só voltou em 2021, em formato online.

De acordo com a profissional de pesquisa e organizadora Ana Augusta Xavier, 37, entre as 65 jovens inscritas, 47,6% são negras. Por isso o foco na representatividade. Uma convidada foi Nina da Hora, cientista da computação negra, engajada na luta contra o racismo e o sexismo.

A estudante negra Mariana Camargos, 15, participou da última edição. Para ela, foi uma chance de aprender sobre temas não aprofundados na escola, como astronomia e robótica.

Mariana se inspira em outras cientistas negras, como Mae Jemison, engenheira americana e primeira astronauta negra a ir ao espaço, ou Sonia Guimarães, primeira mulher negra a se tornar doutora em física no Brasil. A jovem sonha em trabalhar na Nasa. “Quero fazer a seleção para ser astronauta, e poder sair da órbita da Terra.”

-+=
Sair da versão mobile
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.

Strictly Necessary Cookies

Strictly Necessary Cookie should be enabled at all times so that we can save your preferences for cookie settings.

If you disable this cookie, we will not be able to save your preferences. This means that every time you visit this website you will need to enable or disable cookies again.