Projeto com psicólogos pretos oferece ‘empatia’ e preços acessíveis à população negra, que sofre com racismo e falta de representatividade

Enviado por / FonteO Globo, por Thayssa Rios

Plataforma Psico Afro já atende em vários estados brasileiros e oferece consultas por valores entre R$ 30 e R$ 50

Em março deste ano, Rene Farias decidiu criar uma iniciativa inovadora e sensível para a falta de espaço para psicólogos negros no mercado e para pacientes não brancos que queriam um atendimento mais empático. Gestor de tecnologia de informação (TI), ele criou o projeto Social Psico Afro — uma plataforma digital que oferece um catálogo de profissionais pretos da área que fazem consultas online por valores mais acessíveis, entre R$ 35 e R$ 50. Um outro objetivo era garantir acesso a cuidados mentais a uma população que muitas vezes não tem dinheiro para pagar pelo serviço.

Ele sentiu o problema na pele ao não conseguir um psicólogo negro para atendê-lo pelo plano de saúde e resolver fazer alguma coisa após conversar com a mãe e o irmão. Ao mesmo tempo, Rene observava que a própria mulher, Rafaella Escouto, que é psicóloga, estava há dois anos sem conseguir pacientes ou vagas para trabalhar em clínicas especializadas. Com o banco de dados criado por ele, o Psico Afro, em apenas três meses, já chegou a pacientes e a psicólogos de diferentes estados do Brasil. O desempenho da plataforma, por ordem de busca, inclui estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraná, Distrito Federal, Santa Catarina, Ceará e Acre.

— Quando comecei a procurar terapia com pessoas negras vi que tinha bastante dificuldade de encontrar, foi aí que comecei a pensar o que eu poderia fazer. A solução que encontrei foi criar uma plataforma de busca de psicólogos negros com duas finalidades: a de dar oportunidade para os profissionais pretos da área e proporcionar o acesso da população negra a consultas porque eu tinha consciência de que um dos problemas de as pessoas não fazerem terapia é a questão financeira — contou Rene Farias.

Na plataforma, há o espaço de inscrição dos psicólogos e o de marcação de consulta. Os profissionais podem se cadastrar gratuitamente preenchendo um formulário. O idealizador do projeto faz a curadoria para garantir que as informações sejam checadas e que os psicólogos tenham situação profissional regularizada. Depois, o agendamento para as primeiras consultas também é feito com ele e direcionado para o psicólogo escolhido. Os tratamentos podem ser feitos semanalmente ou quinzenalmente, de acordo com a necessidade de cada paciente.

Formada pela UniRitter, em Porto Alegre, a psicóloga Rafaella Escouto saiu de uma agenda sem pacientes para horários esgotados em atendimento online e até presencial desde que conseguiu alugar uma sala para consultas.

— À minha volta, havia colegas brancas que estavam cobrando valores muito maiores pelas consultas e eu, mesmo cobrando um valor baixo para o mercado, não conseguia pacientes. Ficava pensando se o meu trabalho era ruim, se eu não era uma boa profissional — disse Rafaella, acrescentando ainda que durante a graduação não teve contato com professores, palestrantes ou autores negros.

A “falta de representatividade” motivou a psicóloga, que também se questionava pela falta de procura e atendimento de seus pares:

— Fazer trabalho para a população negra sempre foi uma vontade minha, antes do projeto todos os meus pacientes eram brancos. Eu me perguntava: por que só pacientes brancos podem pagar minha consulta? Por que pacientes negros não chegam a mim? — enfatizou Rafaella, que hoje se sente realizada com a mudança do cenário e a agenda cheia, contribuindo também para amenizar a frustração de outros colegas de profissão negros que se sentiam desprestigiados.

Qual a cor da psicologia no Brasil?

O Conselho Federal de Psicologia assinou, em 2020, um manifesto da ANPSINEP em defesa de uma Psicologia comprometida com a saúde mental da população negra. Nos dados apresentados, entre os psicólogos e psicólogas, a estimativa de ocupados no Brasil, em 2014, equivalia a 146.721, sendo mais de 90 mil na região Sudeste. E apenas 16,5% eram negros ou negras, o que corresponde a 24.162 pessoas. O manifesto também destacou as crises econômicas, sociais, políticas e democráticas que atingem de maneira mais severa a população negra, “agravando a desigualdade, o racismo estruturante e suas múltiplas formas de violência” impactando a saúde mental:

“A Psicologia está sendo convocada a fazer uma escolha neste momento histórico e, para tanto, precisa estar atenta às demandas da realidade brasileira que passa mais uma vez por um momento de ataque a democracia e o corrente genocídio da população negra”, ressalta o texto. “Saúde mental é direito à vida com dignidade e respeito às singularidades, com acesso a bens e serviços, à segurança alimentar, sanitária e física”, completa o manifesto.

O Sistema Único de Saúde (SUS) conta com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, mas o atendimento às vítimas de racismo “nem sempre é feito da maneira adequada” conforme enfatizaram a psicólogo Tainara Cardoso (mestre em Subjetividade, Política e Exclusão Social pela Universidade Federal Fluminense) e a professora de história Janete Santos Ribeiro (membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros – Sankofa e idealizadora do Saravá CBNB) na Sala de Convidados da Fiocruz (Canal Saúde). Elas chamaram a atenção para o crescimento no Brasil de um ramo da Psicologia criado nos Estados Unidos, em 1960, a Psicologia Preta.

Busca por representatividade

A identificação pelo profissional da terapia, para poder “se conectar e se abrir”, também foi uma questão para o paciente Gustavo Martins que já se consultou com psicólogos em que “não se sentiu representado”, o que teve impacto sobre o resultado terapêutico.

— Para mim foi importante ser com um par porque tem questões que só ele vai entender. Por mais empática que seja um psicólogo branco, ele não vai entender o que eu estou passando quando eu levar questões raciais e as violências vividas. É uma visão completamente diferente — afirmou o jovem, que já deixou de tratar sua saúde mental também pelos valores das consultas.

A estudante Maria Eduarda da Silva também buscou por profissionais com os quais ela se identificasse mais e, apesar de não ter sido fácil a busca, “é legal a experiência de ver que pretos e pretas se amando e se cuidando”.

— Mesmo em São Paulo, que é uma cidade grande, eu tive muito problema para achar psicólogas pretas. E pode parecer bobagem, mas só de você estar se consultando com alguém do cabelo igual ao seu já faz diferença. E terapia é elitizada, é cara, e a maioria da população negra é pobre então a gente às vezes abre mão de se cuidar porque precisa escolher entre saúde mental ou a comida, o aluguel ou a conta de luz — lamentou a estudante.

O projeto fundado por Rene Farias traz em sua descrição a preocupação de um assunto que “não é surpresa, mas não tem visibilidade” buscando alternativas “para que a população negra também possa ter direito a se cuidar e se sentir representada”: “O acesso à saúde mental para pacientes negros e a dor de psicólogos negros terem dificuldade de conseguirem pacientes é um problema que envolve o preconceito estrutural e a questão financeira”, conclui a apresentação da plataforma digital.

+ sobre o tema

Reforma trabalhista de Temer, tira a obrigatoriedade do 13° salário e FGTS

Quando direitos garantidos em leis, vem a ser negociados...

“Quando eu morrer, vou contar tudo a Deus”, afirma criança vítima da guerra na Síria

Por:Dan MartinsNo último mês a agência EFE informou que...

para lembrar

Reforma trabalhista de Temer, tira a obrigatoriedade do 13° salário e FGTS

Quando direitos garantidos em leis, vem a ser negociados...

“Quando eu morrer, vou contar tudo a Deus”, afirma criança vítima da guerra na Síria

Por:Dan MartinsNo último mês a agência EFE informou que...
spot_imgspot_img

Financiamento climático: Geledés reúne especialistas para debater o tema

Com enfoque em Financiamento Climático, o Geledés – Instituto da Mulher Negra realizou no dia 4 de junho a quarta e última rodada do...

Recomendações de Geledés para a Conferência Climática de Bonn (UNFCCC SB62) de 2025

Geledés – Instituto da Mulher Negra produziu recomendações para contribuir com o conteúdo das negociações no âmbito da Conferência Climática de Bonn (UNFCCC SB62)...

Adaptação precisa estar no centro da agenda climática

A terceira rodada do Ciclo de Debates Rumo à COP30, promovida por Geledés – Instituto da Mulher Negra, em 22 de maio, teve como...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.