Protesto encontra shopping fechado; movimento negro vai à polícia e acusa JK de racismo

Movimento negro faz B.O. contra ‘racismo’ de Shopping JK

 

Por Igor Ojeda e Tatiana Merlino; fotos e vídeo, Padu Palmério, especial para o Viomundo*

“In the World Cup country, racist malls forbid entrance of black and poor people (No país da Copa do Mundo, shoppings racistas proíbem a entrada de pessoas negras e pobres)”, diz uma faixa aberta em uma das entradas fechadas do Shopping JK Iguatemi, um dos mais luxuosos de São Paulo, localizado na Zona Oeste da capital paulista.

Do lado esquerdo da faixa – direito para quem a olha – há um homem negro, musculoso, de cerca de trinta anos.

Na sua frente, outros muitos negros, homens e mulheres, manifestam-se durante o “Rolé contra o racismo JK Iguatemi”, organizado na tarde deste sábado, 18, por movimentos sociais, especialmente movimentos negros.

Em vez de camisetas de organizações ou contendo palavras de ordem, o homem negro ao lado da faixa vestia uma camisa branca com a inscrição Verzani & Sandrini, empresa responsável pela segurança do empreendimento comercial de luxo.

“Os moradores da periferia só entram nesses espaços como trabalhadores: seguranças, faxineiros…”, denuncia Joselício Júnior, o Juninho, do Círculo Palmarino.

O protesto em frente ao Shopping JK foi convocado em solidariedade aos rolezinhos de jovens da periferia em vários shoppings da cidade e contra a repressão cometida contra eles.

A escolha como alvo da manifestação do centro de compras situado no bairro do Itaim Bibi se deu por causa da liminar obtida pelo empreendimento para impedir a realização de um rolezinho no local, que ocorreria no dia 11.

Neste sábado, o shopping fechou as portas pouco antes da chegada dos cerca de 300 manifestantes, que haviam se concentrado no Parque do Povo, próximo dali, e saído em caminhada em sua direção por volta das 13h40.

Com a entrada vedada, o advogado Elizeu Soares Lopes, que costuma representar os movimentos que organizaram o ato, sugeriu que os manifestantes, a maioria negras e negros, abaixassem as bandeiras e pedissem para entrar no estabelecimento.

Diante da permanência das portas fechadas, o advogado e uma comissão de manifestantes foram ao 96º Distrito Policial e registraram um Boletim de Ocorrência (BO) contra o JK, por racismo e constrangimento ilegal cometidos contra dez pessoas do movimento negro.

A expectativa é que o BO e a investigação decorrente sirvam para cassar as liminares obtidas pelos shoppings para impedir a realização dos rolezinhos em seus interiores.

O Shopping JK afirmou, em nota à imprensa, que, para “garantir a segurança de seus clientes, lojistas e colaboradores, e de acordo com procedimento padrão utilizado em situações semelhantes, o empreendimento interrompeu temporariamente suas atividades neste sábado”.

Disse ainda que “respeita manifestações democráticas e pacíficas, mas o espaço físico e a operação de um shopping não são planejados para receber qualquer tipo de manifestação”.

Rolezinhos como política

Na opinião de Juninho, embora os rolezinhos não contenham reivindicações políticas, a própria ida dos jovens da periferia aos centros de compra é uma ação política, um ato de insurgência, pelo fato de os jovens estarem em locais em que sua presença é indesejada.

“Os rolês servem, entre outras coisas, para se discutir o direito à cidade e à ocupação dos espaços. E esses próprios jovens podem começar a refletir: ‘ué, se não estamos aqui fazendo nada, como isso provoca tanta repressão?’”, disse.

No caminho e na frente do shopping, os manifestantes gritavam palavras de ordem como “Chega de apartheid, é rolezinho nos shoppings da cidade!”, “Racistas, fascistas, não passarão!”, “Não te esqueço meu povo, se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo!”.

Douglas Belchior, da União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (UNEafro), disse, ao microfone: “Para eles, é melhor não ter ninguém no shopping do que ter gente preta que gosta de funk”.

Do lado de dentro do estabelecimento, frequentadores olhavam e filmavam por trás do portão cerrado que os separava dos manifestantes. “Exigimos a cassação das liminares, desculpas públicas dos governos em todas suas esferas e que se discuta o modelo de cidade”, seguiu Belchior.

Na calçada do lado de fora da porta de entrada do shopping, próximo à manifestação, um funcionário de uma loja de uma rede internacional de produtos de luxo observava tranquilamente a movimentação fumando um cigarro.

Havia ido almoçar e, com o fechamento do local, não pudera entrar. “Acho certo fazerem esta manifestação, eles têm o direito de entrar”, disse.

“Aqui tem discriminação mesmo, até com funcionário, até comigo mesmo: minha namorada também trabalha aí, e quando eu saio mais cedo e troco de roupa para ficar esperando, os seguranças ficam olhando, seguindo”, conta o jovem de pele levemente morena.

Segundo ele, no próprio dia em que foi fazer a entrevista de emprego ocorreu algo parecido. “Ficaram me seguindo, até que eu perguntei por que estavam fazendo isso. Responderam que era padrão do shopping, para garantir a segurança de todos.”

A uns cinquenta metros do local de concentração dos manifestantes, outras dezenas de funcionários de lojas do Shopping JK aguardavam a liberação da entrada.

“Eles têm direito, mas acho que há lugares melhores para fazer isso. Se convocassem todos para fazer doação de sangue eles não iriam, né?”, disse uma delas.

“O problema é a muvuca. Porque sempre tem uma meia dúzia com maldade.” Sua amiga, no entanto, reconheceu a ocorrência de discriminação no local. “Uma vez meu supervisor entrou aqui com um amigo, e os dois estavam com a roupa da Gaviões da Fiel. Os seguranças ficaram seguindo, olhando, passando rádio”, contou a moça.

“Acho que esse é o tipo certo de manifestação, o que mexe no dinheiro. Imagina quanto de prejuízo um shopping desse tem por ficar uma hora com as portas fechadas”, completou.

A manifestação havia se iniciado de fato por volta do meio-dia no Parque do Povo, localizado a alguns metros dali, quando, sob sol forte, os manifestantes começaram a se concentrar próximo a uma de suas entradas.

Pessoas do bairro que praticavam corrida, ciclismo e caminhada tinham de desviar o trajeto para não ocorrerem esbarrões, mas o faziam sem reclamar.

Uma caixa de som tocava rap e alguns minutos depois integrantes da UNEafro estenderam a faixa com os dizeres em inglês, despertando a curiosidade de alguns frequentadores, que paravam para lê-la.

Quando Juninho, do Círculo Palmarino, fazia sua fala, um pouco antes da saída em caminhada até o shopping, um casal com roupas esportivas parou para escutá-lo. “O que está acontecendo, vocês podem explicar para a gente?”, perguntou Camila Spuri, de 30 anos, veterinária e moradora do bairro de Higienópolis, bairro nobre da região central de São Paulo.

Ela acompanhava o namorado, morador do Itaim Bibi. “Ah, sim, a história do pessoal que está indo nos shoppings. É um absurdo mesmo os proibirem de entrar, isso é racismo. Sou contra a repressão. Eles não têm outras opções de lazer.”

Nesse momento, gritando palavras de ordem, os manifestantes começaram a se dirigir ao JK. Camila sugeriu: “vamos até o shopping?”. Proposta que não foi acatada pelo namorado.

*****

MANIFESTO DE APOIO À JUVENTUDE NEGRA, POBRE E DAS PERIFERIAS DA CIDADE DE SÃO PAULO!

PELO DIREITO À CIRCULAÇÃO E A EXPRESSÃO DE SUA ARTE E CULTURA.

São Paulo 18 de Janeiro de 2013

“É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo o cidadão brasileiro, independente da etnia ou cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiososo e culturais” (Art. 2o. do Estatuto da Igualdade Racial)

O Racismo brasileiro já foi amplamente denunciado por movimentos e intelectuais. Em dezembro de 2013 a ONU, através de uma comissão especial em visita ao Brasil, mais uma vez declarou: “Os afro-brasileiros não serão integralmente considerados cidadãos plenos sem uma justa distribuição do poder econômico, político e cultural”, reforçando a ideia do racismo como estruturante das desigualdades em nosso país.

A barbárie social expõe sua face racista em especial através dos números dos homicídios, em especial aquele promovido pelas forças de repressão do Estado. A realidade das prisões brasileiras, agora simbolizada pela revelação dos acontecimentos no presídio de Pedrinhas no Maranhão ou a carnificina promovida por policiais em Campinas reforça o que sempre denunciamos: o caráter racista do Estado e de seus dirigentes.

Esse racismo se traveste cotidianamente a medida da necessidade do opressor. Nesse momento vivemos em São Paulo e em outros grandes centros mais uma das faces do racismo estrutural brasileiro: A reação dos Shoppings, da Polícia e  da Justiça em relação a presença de “jovens funkeiros” nestes estabelecimentos.

Com a liminar que garantiu o direito ao JK Iguatemi e a outros diversos Shoppings de impedir a entrada de jovens negros, pobres e funkeiros, percebe-se a reafirmação da missão da policia, da justiça e do Estado: a proteção à iniciativa privada e aos seus valores civilizatórios tendo, como sempre, um alvo bem definido: negros e pobres. Trata-se, sobretudo de um precedente legal perigoso a medida que promove e formaliza uma prática análoga ao apartheid.

Cruzar os braços diante de fatos tão graves significaria reforçar a naturalização da violência contra negros e pobres no Brasil. Afinal, os barrados nas portas dos shoppings são os mesmos proibidos de frequentar universidades; são os mesmos que perfazem maioria entre analfabetos, miseráveis, desprovidos de serviços básicos como saúde, educação, moradia; são os mesmos ridicularizados e estigmatizados pela grande mídia e, sobretudo, são os mesmos que cotidianamente são parados, esculachados, presos, torturados e mortos pela polícia nas periferias do Brasil.

Os rolezinhos em shoppings que se espalham por todo país revela uma das faces da crise urbana, carente de espaços de convivência, acesso a arte, cultura e lazer, condições entregues pelo Estado aos cuidados e usufruto da iniciativa privada de cidades como São Paulo, estruturadas com base na concentração do solo e na especulação imobiliária, que provocam aexclusão, desterritorialização e expulsão da população negra e periférica, para regiões carentes de equipamentos e serviços sociais e culturais. Os Governos tem fundamental responsabilidade e devem responder a essa demanda de maneira imediata.

Criminalizado como um dia fora a capoeira, o samba e o RAP, o Funk moderno é tão contraditório em seu conteúdo quanto o é resistência em sua forma e estética. E se está servindo também para fazer aflorar o racismo enraizado na alma das elites hipócritas – muito mais vinculadas aos valores da luxúria e ostentação que o Funk, declaramos: somos todos funkeiros!

Exigimos:

* Anulação imediata das liminares que garantem o direito de segregação aos Shoppings;
* Pedidos públicos de desculpas pela ação racista por parte dos Shoppings e dos responsáveis pelas liminares no âmbito da Justiça;
* Imediato debate público com governos de todas as esferas sobre a pauta da ampliação dos espaços e condições de acesso a arte, cultura e lazer que possam contribuir para ainclusão, a emancipação e garantia de direitos das juventudes, principalmente da juventude negra, pobre e de periferia.
* Fim do Genocídio da Juventude Negra
* Desmilitarização das Polícias e amplo debate sobre um novo modelo de segurança Pública para o Brasil.

Assinam

1. CIRCULO PALMARINO
2. UNEAFRO BRASIL – União de Núcleos de Educação Popular para Negr@s e Classe Trabalhadora
3. MNU – Movimento Negro Unificado
4. CONEN – Coordenação Nacional De Entidades Negras
5. Núcleo De Consciência Negra Na USP
6. Instituto Luiz Gama
7. Quilombo Raça e Classe
8. UNEGRO – União de Negros Pela Igualdade
9. APN’s – Agentes de Pastoral Negros do Brasil
10. Coletivo Negro USP
11. Bocada Forte Hip Hop
12. Articulação Popular e Sindical de Mulheres Negras do Estado de São Paulo
13. Ceabra – SP
14. CENARAB – Centro Nacional de Religiosidade e Resistência Afro-Brasileiro
15. Coletivo Nacional de Juventude pela Igualdade Racial
16. Coletivo Quilombação
17. Coletivo Katu
18. Fórum de Mulheres Negras do Estado de São Paulo
19. Fórum Estadual de Juventude Negra do Espírito Santo – FEJUNES
20. INSPIR – Instituto Sindical Interamericano Pela Igualdade Racial
21. Instituto Búzios
22. IPEAFRO – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros
23. Jornal Negritude
24. Kwê Seja Dan – Sinha Mejito Kika De Gbessen
25. Oriashé  – Sociedade Brasileira De Cultura E Arte Negra
26. QUILOMBHOJE Literatura
27. Agência Popular de Fomento a Cultura Solano Trindade
28. AMPARAR – Associação de Amigos e Familiares de Presos(as)
29. ANEL
30. Associação De Favelas De São José Dos Campos
31. Banco Comunitário União Sampaios
32. Bloco Saci Do Bixiga
33. Centro Acadêmico Guimarães Rosa
34. Campanha “Eu Pareço Suspeito?”
35. Campanha “Por Que O Senhor Atirou Em Mim?”
36.  Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
37. CMP – Central dos Movimentos De Moradia
38. Coletivo Arrua
39. Coletivo de Poetas e Poetizas Marginais De Altamira (Xingu E Transamazônia)
40. Coletivo Quilombo – EPS
41. DCE-USP
42. ECLA – Espaço Cultural Latino Americano
43. Esquerda Popular Socialista – São Paulo
44. Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil – FEAB
45. FLACSO – Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais
46. Frente Perspectiva Mackenzie
47. Imagem da Vida
48. INESC – Instituto De Estudos Sócioeconomicos
49. Instituto Práxis
50. Rede 2 De Outubro
51. IPJ – Instituto Paulista De Juventude
52. JSOL
53. Juntos
54. Juventude do PT
55. Juventude LibRe – Liberdade e Revolução
56. Levante Popular da Juventude
57. Mães De Maio
58. Mandato Deputada Estadual Leci Brandão
59. Mandato Deputado Estadual Adriano Diogo
60. Mandato Deputado Federal Ivan Valente
61. Marcha Mundial De Mulheres
62. MLB –  Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas
63. MMM-RJ
64. Movimento Mulheres em Luta
65. Movimento Paratod@S<br< a=””>>66. Movimento Primavera
67. Centro Acadêmico de História –  USP
68. Movimento Unidade na Luta – JPT
69. MST
70. Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília
71. Plataforma dos Movimentos Sociais Pela Reforma Política
72. Rede Emancipa
73. Refundação Comunista
74. Secretaria Municipal De Juventude Do PT São Paulo
75. Secretaria Nacional De Juventude Do PT
76. Sindicato dos Advogados de São Paulo
77. SINTAEMA – Sindicato Dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo
78. UJS – União Da Juventude Socialista
79. União Popular de Mulheres de Campo Limpo e Adjacências
80. União Nacional dos Movimentos De Moradia
81. WAPI Brasil


 

 

 

Fonte: Viomundo 

 

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