Quando viu as paredes da casa do menino João Pedro, cravadas de balas, você pensou na sua casa?

FONTEPor Aline Midlej, do G1
Parede da casa da tia de João Pedro. Foto: RJTV/Globo/Reprodução

Na sexta-feira (22), o presidente da Cufa, Celso Athayde, contava ao vivo na Globo News, sobre os movimentos solidários em favelas pobres do país, durante a pandemia. Mal sabíamos que, durante aquela nossa conversa, mais um garoto era morto em meio a operações policiais no Rio de Janeiro. Rodrigo Cerqueira trabalhava de ambulante numa barraca, no Morro da Previdência, quando foi baleado. Foi a terceira vítima dessas ações em quatro dias. Ao mesmo tempo, naquela região, estudantes voluntários entregavam cestas básicas para moradores da comunidade. Tiveram que parar e várias famílias atingidas pela crise financeira originada na pandemia não receberam os alimentos.

Dois dias antes, o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) lembrava das queimadas recordes que consomem nosso maior patrimônio ambiental. Em abril, o desmatamento da Amazônia foi o maior dos últimos 10 anos, com 529 quilômetros quadrados de verde destruído. O Pará registrou a maior perda florestal no período, enquanto o novo coronavírus se espalhava e levava o estado a adotar o lockdown. Ali estão o maior estrago: mais de 30% das queimadas se concentraram ali no Pará. Os paraenses sentem o cheiro de queimado, enquanto aprendem que ficar em casa salva vidas? Nesta semana, um estudo da Universidade de Columbia mostrou que mais de 80% das mortes nos EUA poderiam ter sido evitadas se o isolamento social tivesse começado duas semanas antes.

Quando você olhou para as paredes da casa do João Pedro, cravadas de balas, pensou na sua casa? E quando aquele pai devastado sobre o caixão do filho assassinado, aos 14 anos, pedia justiça, você também a desejou? A cura para a doença crônica mais letal neste país passa por sentir, não aceitar, gritar pra todo mundo ouvir e ninguém esquecer. João não será mais advogado porque foi atingido por uma bala no estômago quando brincava com amigos na sala. A família gritou por 17 horas até ser avisada que o corpo estava no IML. A responsabilidade é nossa, João era nosso filho.

“Se hoje estamos todos com o dever de ficarmos em casa, essas crianças estavam em casa, protegidas. Eu acho que é isso que todas famílias desejam, que seus filhos estejam protegidos. Que tipo de proteção é essa que, de uma hora pra outra, um adolescente pode ser assassinado dentro de sua casa? Não é por que uma pessoa é pobre que deve estar ameaçada dentro da própria casa. Eu duvido que se fosse num bairro nobre, uma situação como essa teria acontecido, essas vidas importam”, me disse Nadine Borges, advogada da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, que vai acompanhar a investigação.

A pandemia deixa o Brasil real ainda mais trágico e nos lembra, mais uma vez, que todas as vidas importam. Não deveria ser uma lição, mas será que vamos aprender?

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