Passados mais de 500 anos o governo brasileiro reconhece ser este um país de maioria negra- africana e o “Dia Nacional da Consciência Negra”, como um dia de importância cívica nacional. Poderíamos dizer que por fim, vamos nos tornando negros e negras no esforço de sermos brasileiras de direitos.
Dra. Ângela Maria Da Silva Gomes via Guest Post para o Portal Geledés
Lembremos que o dia 20 de novembro foi transformado em “Dia Nacional da Consciência Negra, pelo Movimento negro Unificado, MNU, há 37 anos“. Entendemos que O MNU deve “agarrar a lança da matriz africana e lançá-la contra o racismo e o sexismo”.
Bradar que esta É A NOSSA DATA DE LUTA e CONQUISTA! Primeiro porque compreendemos que é o momento de mostrarmos que a memória do sonho de liberdade unificada de Zumbi e Dandara está vivo entre nós negr@s. Enquanto negras e negros militantes carregamos o legado africano que construiu este país, e nesta data rememoramos a necessidade e responsabilidade de seguirmos enfrentando a Guerra Racial e Patriarcal na diáspora.
A verdade mais cruel é que cotidianamente o racismo continua violando os direitos civis dos homens e mulheres negras na diáspora e isto vem sendo banalizado e naturalizado. O racismo e machismo não escolhe tempo ou lugar e muito menos dá tréguas. A discriminação racial e de gênero não para durante eleições, eventos cívicos, comemorações, nas ruas, em casa… Consiste em um projeto neoliberal que tece estratégias de extermínio do micro ao macro espaço capitalista, eurocêntrico e patriarcal. Basta ver o cenário de injustiça étnico racial em que as comunidades negras estão submetidas, em diferentes territórios do mundo.
Os últimos incidentes nos Estados Unidos da América exemplificam essa violência racial. O caso de Michel Brown, um jovem negro de 18 anos assassinado, em agosto pela polícia na cidade de Ferguson, nos Estados Unidos. Michael Brown tinha recém se formado no Ensino Médio e iria iniciar as aulas na universidade. Ele estava indo visitar sua avó quando foi abordado por um policial por estar caminhando sobre o asfalto. Michael Brown estava desarmado e foi assassinado e seus assassinos estão libertos, protegidos pelos “privilégios do racismo”.
O assassinato deste jovem negro pela polícia ocorreu nos Estados Unidos, mas poderia ter sido no Brasil. A vítima se chamava Michael Brown, mas poderia se chamar Cláudia Silva Ferreira ou DG. O extermínio da juventude pobre e negra não escolhe nacionalidade, fazem parte dos estarrecedores dados da guerra racial e sexista internacional, as quais não podemos e não vamos nos calar.
Os dados atualizados revelam que das pessoas que morrem de forma violenta no Brasil, 68% são negros. Dentre os presos, 61% têm a pele de cor preta ou parda. A maioria está encarcerada por pequenos crimes, em sua maioria sem julgamento
O feminicídio negro não escolhe tempo ou lugar
As mortes de mulheres decorrentes de conflitos de gênero, ou seja, pelo fato de serem mulheres, são denominados feminicídios ou femicídios. Há um avanço do feminicídio internacional, enquanto uma politica de extermínio, que tem garantido a hegemonia e avanço do capital internacional sem barreiras culturais, e vão das casas as ruas.
1. Estes crimes são geralmente perpetrados por homens, principalmente parceiros ou ex-parceiros, e decorrem de situações de abusos no domicílio, ameaças ou intimidação, violência sexual, ou situações nas quais a mulher tem menos poder ou menos recursos do que o homem.
2. Os parceiros íntimos são os principais assassinos de mulheres. Aproximadamente 40% de todos os homicídios de mulheres no mundo são cometidos por um parceiro íntimo.
3. No Brasil, 61% dos óbitos foram de mulheres negras (61%), que foram as principais vítimas. A taxa corrigida de feminicídios foi 5,82 óbitos por 100.000 mulheres, no período 2009-2011, no Brasil.(IPEA, 2013).
4. Estima-se que ocorreram, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia.
Essa violência sexista e racista se estende aos diferentes territórios negros do mundo:
- Mais de 200 meninas negras foram sequestradas na escola de Chibok, no nordeste da Nigéria, as crianças (dezenas das quais seguem em cativeiro) foram levadas a um campo da milícia fundamentalista na floresta de Sambisa, no estado de Borno, no norte do país e base espiritual e de operações do grupo. Até o momento essas meninas seguem em cativeiro e violentadas por milícias;
- Africanos que tentam emigrar para trabalhar na Europa são assassinados atirados ao mar, enquanto os governos europeus saqueiam os países africanos de recursos naturais;
- Ebola, uma doença facilmente controlável pela medicina preventiva moderna é tratada através de isolamento e abandono internacional das vitimas no continente africano;
- Os projetos de modernização da agricultura com produção de alimentos envenenados por agrotóxicos que são condenados no mundo são despejados no continente africano, como politica de desenvolvimento e ajuda internacional, inclusive pelo governo brasileiro.
- O tratamento da segurança publica e a politica de estabilidade econômica dada pelos governos dos países ricos, neoliberais racistas, na diáspora são sempre de apoio à indústria bélica, que exterminam negros e negras no mundo. O West (ocidente) e Rest (o resto), como dizia Stuart Hall.
Assim nossa luta é contra o projeto neoliberal de justiça, branca, masculina e eurocêntrica, onde african@s e seus descendentes no mundo estão cotidianamente expostos a morte, como moeda de desenvolvimento capitalista e de pseudoestabilidade econômica e ecológica.
As afirmações do Geledes ganham sentido, é preciso dizer NÃO. A exemplo da comunidade de Ferguson, que não aceitou calada mais este assassinato a sangue frio, sem a condenação dos culpados, saiu às ruas, contagiando o país
Um grupo de mães, das meninas negras sequestradas da Nigéria, protestou recentemente em frente à Assembleia Nacional da Nigéria para denunciar a falta de informação por parte do governo sobre o caso e exigir mais esforços para o resgate.
Marchar é preciso – contra o racismo, feminicídio e pelo bem viver
Mulheres negras do Brasil marcharão em 2015 contra a violência, o racismo e pelo bem viver. Uma marcha para além dos limites da nação, pois reconhece que em pautas desiguais a pseudogarantia neoliberal de direitos universais, não se sustenta e se torna uma ameaça silenciada.
Enquanto militantes de movimentos sociais e cidadãs devemos exigir o fim da guerra racial, a apuração transparente dos crimes de racismo, com a condenação dos culpados.
Se o racismo e o sexismo não escolhem tempo ou lugar, o seu combate também não, pois são crimes que lesam a humanidade.
As lágrimas da mãe de Michael, das mães das meninas nigerianas sequestradas valem muito! Mulheres negras que choram por suas filhas e filhos, maridos, e por elas mesmas, abrem a vala da indignação e da justiça, rompem rochas, que nem a geologia dura capitalista poderá estabiliza-las novamente. E revelam que a justiça germinará e brotara de onde menos se espera, e crescerá!
Essas mulheres valem quanto África: VIVAS, LIVRES e SOBERANAS!
Dra. Ângela Maria Da Silva Gomes
Doutorado em Etnobotânica negro africana/UFMG
Coordenação Nacional do Movimento Negro Unificado/ Relações Internacionais