Quem define a agressividade negra militante? Medidas e euforias dos grupos opressores.

FONTEPor Luádia Mabel de Lima Cesário, enviado para o Portal Geledés 
Fotografia por Will Counts, Arquivos da Universidade de Indiana, Setembro de 1957

Em 1962, Malcom X nos disse que diante das ofensivas racistas utilizaria qualquer meio necessário para a libertação de seu povo. Hoje, em 2018, ainda nos perguntamos que ferramentas são essas que precisamos e o que nos falta para chegar até seu exercício já que qualquer meio necessário são milhares de alternativas e decisões a respeito delas.

Qualquer meio necessário são muitas compreensões, desentendimentos e dores acumuladas. Qualquer meio necessário é a escolha de quem possui urgência declarada e é justamente aqui reside o nosso o problema: nós a possuímos.

Com frequência nos percebemos na necessidade de discutir a importância de não personalizar críticas e direcionamentos feitos para uma classe específica. Essa personalização, fruto de uma construção que gira em torno de egos, angústias e a frustração de não ser o centro do mundo para quem cresce ouvindo que tudo lhe contempla, representa e pertence, acontece de maneira deliberada e com frequência entre as pessoas brancas. Nesse sentido, é importante fazermos o exercício de coletivizar os discursos e pautas que fazem parte de nosso cotidiano, já que tais vivências são muito além delas mesmas. O que evidenciamos é parte de questões estruturantes, históricas e determinadoras das nossas visões de mundo, de futuro e do discurso das outras pessoas.

Assim, reitero: assumir as posições sociais que lhe dizem respeito é parte de uma honestidade necessária para quem busca a transformação social. Quem conhece a si e ao local que ocupa em sociedade consegue saber por quem é oprimido mas principalmente, e com muito mais dedicação, consegue perceber as categorias a que oprime macroestruturalmente todos os dias.

Saber quem oprimimos é passo fundamental para evitar a hipocrisia característica dos que dizem perceber os problemas na vivência dos outros, mas não conseguem assumir sua parcela de responsabilidade direta e indireta nos acontecidos micro e macroestruturais que lhes cercam. Assim, contribuir para a mudança é muito mais do que chorar conosco e verbalizar empatia, mas modificar o que há em você contribuindo para o nossos choros diários.

Fica aqui registrada a importância de começarmos a nos questionar os motivos de classificarmos militantes negrxs que não vacilam em seus posicionamentos como pessoas agressivas. Além disso, é importante começarmos a nos questionar a respeito de nossa romantização sobre como deve ser a categoria militante, colocando-a como feita de pessoas que se emocionam e são sensíveis a determinadas questões, mas não podem fazer os seus opressores chorarem. Aquela que é ofendida mas não pode ofender de volta.

Rever o local em que estão nossos discursos nos ajuda a parar de defender a ideia de que não existem lados e estamos, todas e todos, de mãos dadas em um meio só. A necessidade de nos colocarmos suficientemente humildes para compreender as outras pessoas está em linha tênue e qualquer vacilo pode nos empurrar para uma romantização desnecessária, ou para um alarme necessário pra quem quer esconder-se em seu local de privilégio.

Enquanto existirem classes que se sobressaem em privilégios a outras ainda estarão faltando reivindicações, diálogos e grandes e pequenas discussões para acontecer. Até o momento em que nos negarmos a compreender essa questão também estaremos negando ficar frente a frente com nossos próprios privilégios, e perder algo enquanto parte do lado opressor. Da mesma forma, enquanto não soubermos, do lado de cá, imprimir uma discussão argumentativa e suficientemente forte, estaremos perdendo oportunidades de compreensão enquanto lado oprimido.

É quando estamos prestes a perder um privilégio – sempre político, seja ele de fala, de compreensão ou posicionamentos – que colocamos a prova a nossa real empatia com os grupos sociais que alertam mudanças. É nesse ponto que mora o divisor de águas: ou aceitamos a dor de nos modificar, ou caímos no desespero de apontar e culpar quem nos fez chegar nessa linha de frente.

Nesse sentido, o campo político é sempre uma linha de disputas, e vence quem consegue levar mais gente consigo e colocar mais armaduras em volta das próprias concepções pra evitar que as impactem. Assim, a política nem sempre é sobre quem grita mais alto, mas sobre quem grita com mais verdade e convicção.

Encontrar a si e ao seu coletivo sempre foi um dos maiores perigos que uma classe historicamente oprimida pode oferecer, e o ponto-chave é que existem cada vez menos lugares pra se correr. É aqui que mora o receio dos grupos opressores: nós falamos por nós mesmos e estamos descobrindo quem somos. Nós sabemos a verdade sobre as posições a que somos empurrados e empurradas para ocupar, e temos convicção de que a solução está bem depois da empatia chorosa e romântica a qual os grupos opressores vez ou outra se colocam.

Sabemos que a questão é de outra ordem, e o que é preciso abdicar para que ela seja contemplada. Nesse ponto, o necessário diz respeito ao reconhecimento individual das partes racistas que cada pessoa alimenta dentro de si, sem cair na armadilha de culpar quem a apontou por ter descoberto que ela existe. E esse talvez seja um pedido para que ouçam com mais disponibilidade para o diálogo as pessoas que apontam e discutem o racismo que há em você. Compreender-se opressor ou opressora é o primeiro passo para deixar de acrescentar desserviços à comunidade negra.

Queremos gente consciente dos próprios discursos, já que só assim será possível um diálogo direto e eficaz entre as duas partes implicadas. Portanto, o pedido é simples: conheça os seus racismos, desesperos e tentativas de escondê-los embaixo do tapete antes de se perder na tentativa de manter intacta a sua posição em sociedade.

Estamos de olho, estamos chegando até vocês e principalmente, sabemos identificar as ofensivas de quem finge que está se importando pra não sair lesado da discussão. Seja feitor, sinhô ou sinhá, a única coisa certa a ser repassada é mais simples do que parece: nenhuma dessas posições, enquanto estivermos caminhando, terá o direito de ficar em pé.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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