Cresci ouvindo aqui e ali que isso não é coisa pra preto não. Entre escolhas e desistências acabei por sufocar a negra que eu nasci. Me deixei direcionar, dizer como e porque era. Me descontrui toda.
Na escola os apelidos eram recebidos por mim com risos amarelos e respondidos com chacotas maiores.
O menino de olho azul não queria ser meu namorado, o pretinho corria atrás da pele clara. Compreensível até. Ele não queria desaparecer na névoa do não ser nada.
Queria tanto ser amada. Ouvi dizer que tinha que limpar a raça. Permiti o mal trato do branco, mas tinha algo.
Veio a idade da dúvida, e nos bailes da vida, nunca dancei Alisei cabelo, usei lentes verdes, dei suporte à amigas brancas. Queria tanto ser amada.
E chegou a idade da consciência, nela encontrei o amor. Na verdade veio o rebento, clarinho, como a lei. Fruto de um querer branco. Queria tanto ser amada.
Vinte e cinco anos depois o amor branco embranqueceu. Parti em busca da negra sufocada, presa na garganta e a encontrei nas terras de Jorge Amado. Ela deixou o cabelo aparecer, seus olhos castanhos brilharam, ela renasceu.
Reconstruindo permanece, feito colcha de retalhos, preta, preta, retinta…
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