“raça é um marcador da vida no Brasil”

FONTEPor David Covin, enviado para o Portal Geledés

Na minha primeira viagem ao Brasil, em 1986, participei de uma conferência que acredito ter sido organizada pela Association for Caribbean Studies. A Conferência foi realizada em Salvador, Bahia, no Hotel da Bahia. Lá fiz amizades que tenho até hoje, as quais só acabaram com a morte de meus amigos. K.C. Morrison também participou dessa conferência. K.C. e eu havíamos nos conhecido alguns meses antes em uma reunião do National Conference of Black Political Scientists (NCOBPS). Ele e sua esposa, Johnnetta, foram juntos para Salvador, mas Johnnetta ficou doente e teve que ficar em repouso absoluto. KC me convidou para encontrar com alguns brasileiros que ele e Johnnetta conheceram, assim poderia obter alguns insights sobre a vida dos negros no país. Também fiz contato com uma pessoa apresentada por um amigo dos EUA. Esse conjunto de contatos nos possibilitaram acesso a novos mundos, mundos que a maioria dos visitantes de primeira viagem ao Brasil nunca vêem.

Dois desses contatos eram jovens intelectuais negros. Um deles, Antônio Rosário de Lima, era engenheiro, e o outro, Júlio Romário da Silva, havia sido aceito recentemente em um programa de pós-graduação da Universidade de São Paulo. Antônio aprendeu sozinho a entender, ler e falar inglês ouvindo os discos de Sam Cook nas rádios brasileiras. Os disc-jóqueis pronunciavam o sobrenome de Cook como “Cookie”, e Antônio também. Antônio e Júlio nos levaram a passear por toda a cidade de Salvador. Mas, antes disso, eles nos disseram que se a Association for Caribbean Studies não tivesse sediado a conferência, nenhum dos negros brasileiros teriam permissão para entrar no hotel. Os únicos lugares reservados a eles neste tipo de hotel eram como cozinheiros, empregadas domésticas, zeladores, porteiros e garçons. Pessoas como eles não estavam em nenhum restaurante do hotel como patronos ou em qualquer um dos quartos como hóspedes.

Nossa presença, quebrando todos esses precedentes, encantou os empregados negros do hotel, os quais nos brindaram com todo tipo de informações valiosas, contatos e mimos especiais.

A totalidade da língua portuguesa que K.C. e eu compartilhamos consistia em duas palavras: “tudo bem”.

Os funcionários brancos, para alegria dos funcionários negros, não sabiam o que fazer conosco. Além disso, os negros brasileiros que falavam inglês eram privilegiados porque o conhecimento dessa língua era um sinal de educação e posição privilegiada. Em muitos anos de pesquisas e viagens pelo Brasil, essas condições não mudaram muito. Além disso, como viemos dos EUA, boa parte das pessoas presumia que éramos ricos. A maioria dos brasileiros acreditava que qualquer americano era rico, e a prova disso era que as pessoas tinham que ser ricas para pagar uma viagem para o Brasil e se hospedar em hotéis onde apenas brancos ricos poderiam se hospedar.

Eu poderia escrever muito sobre experiências de raça, racismo, privilégio racial e assim por diante. Por enquanto, basta dizer que a raça é um marcador da vida no Brasil, e em muitos lugares, e muitas vezes naquele país maravilhoso, pode ser causa de morte.

A campanha “13 de Maio: Comemorar o quê?” é uma iniciativa de colaboração entre US Network for Democracy in Brazil, Geledés Instituto da Mulher Negra e Afro-Brazilian Alliance (ABA) e tem como objetivo reafirmar a data da abolição da escravatura no Brasil como Dia Nacional de Luta contra o Racismo, como demarcado pelo movimento negro, já que a Lei Áurea não garantiu o pleno acesso aos direitos e à igualdade para a população negra – a qual vem enfrentando profundas desigualdades desde então.

David Covin é PhD em Ciências Políticas pela Washington State University e Professor Emérito de Estudos Governamentais e Étnicos no Programa de Estudos Pan-Africanos da California State University, Sacramento. Seus interesses de pesquisa incluem política negra nos EUA e Brasil e movimentos sociais. Covin era ativo no movimento pelos direitos civis, participando de campanhas de registro de eleitores no Mississippi e no Alabama e na Marcha em Montgomery

 

 

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