Racismo à brasileira – Por: Zulu Araujo

Foto: Margarida Neide/ A Tarde

O técnico da seleção brasileira de futebol, Luiz Felipe Scollari, mais conhecido por Felipão, por conta de suas caneladas tanto nos campos de futebol quanto nas suas entrevistas, revelou para milhões de brasileiros, em mais uma entrevista, o seu entendimento de como devemos enfrentar o racismo no futebol: “Isso é uma bobagem. Estão dando ênfase a uma bobagem. Não deveríamos nem debater isso. Não adianta punir, a solução é ignorar”. Ao ser questionado, pelos repórteres sobre a importância de se discutir o racismo no futebol, ele foi mais enfático ainda “Deixem esse assunto para lá, daqui a pouco todos esquecem e estas pessoas voltam para o cantinho delas”. É duro, não, ver e ouvir uma pessoa pública, com a importância que possui para o esporte mais popular do país, referir-se a atos criminosos da maior gravidade de forma tão irresponsável.

Por Zulu Araujo, no Terra Magazine

Foto: Margarida Neide/ A Tarde

Se fossemos seguir à risca a orientação do Felipão deveríamos agir do mesmo modo com os assaltantes, estupradores, traficantes e deixá-los em paz nos seus cantinhos, pois para ele cometer crimes é algo de somenos importância e que só ganham dimensão pública por conta da imprensa divulgá-los. A não ser, que sua opinião refira-se apenas a casos de racismo. Se assim o for, temos mais um caso explícito de estímulo a praticas racistas no país e como tal o senhor Felipão deveria ser punido. Mas, por mais incrível que possa parecer o técnico da seleção brasileira possui muitos adeptos no país, explícitos ou não. É como se diz no ditado popular “pimenta no… dos outros é refresco”. Gostaria de ver o Felipão ou qualquer outro, ter a pachorra de fazer esta afirmação se o caso de racismo tivesse ocorrido com um judeu. Tenho certeza, que seguramente, estariam pedindo o seu afastamento da seleção, bem como ele já teria ido a público desculpar-se por ter proferido tamanha asneira. Mas, são os neguinhos da vida, que importância isso tem… Ora, ora. Vamos esquecer e empurrar essa história para debaixo do tapete, pois é assim que sempre fizemos ao longo da história do Brasil.

Enquanto isso aflora de maneira vertiginosa, no país e mundo afora, os casos de racismo no futebol, seja no campo ou nas arquibancadas. É o racismo fazendo parte do cotidiano dos jogadores e juízes negros. Tinga, Arouca, Roberto Carlos, Juan, Grafitte e o juiz de futebol Márcio Chagas, são apenas algumas das vítimas desse crime vergonhoso. Embora boa parte do mundo desportivo e fora dele, se manifeste de forma contundente no combate a esta manifestação criminosa, e em algumas partes do mundo, medidas rigorosas estejam sendo adotadas para combatê-la, no Brasil, parece que teremos a complacência “pueril” do técnico da seleção brasileira e dos nossos dirigentes esportivos. Prova disto, é que apesar desses casos escandalosos, até o momento, não ouvimos uma única palavra do Presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Sr. José Maria Marin.

Para Felipão e muitos membros da sociedade brasileira, essa história de racismo ser crime inafiançável está apenas no papel, é lei para inglês ver. Pois não é assim que têm agido os delegados de polícias e os juízes desqualificando, seja nas delegacias ou na corte, o crime de racismo para injúria racial? Recentemente, o assinte foi maior ainda: uma australiana, presa em flagrante em Brasília, Capital da República, após proferir insultos racistas tanto a manicure que a atendia, num salão de beleza, como aos policiais que a prenderam em flagrante delito, na própria delegacia, foi solta por um “habeas corpus” relâmpago, (menos de duas horas após ser presa), por um juiz ciente do seu poder para proteger os seus iguais.

Volto a afirmar, é duro viver num país com esse grau de promiscuidade e desrespeito à cidadania. É duro viver num país, onde a hipocrisia e o cinismo permeiam as relações raciais, desde a nossa tenra infância. E mais duro ainda, é ter que ouvir que no Brasil não há racismo, pois somos todos misturados. Mas, longe de esmorecermos, diante desse quadro cruel que temos em nosso dia a dia, devemos sim, é transformá-lo em combustível e radicalizarmos o combate ao racismo de um lado e intensificarmos a promoção da igualdade racial de outro. E neste sentido, há um caminho inexorável a ser percorrido, que é a educação. Ocupar os espaços educacionais com políticas públicas eficazes, exigir dos poderes públicos (legislativo, executivo e judiciário) que cumpram a Constituição e que os criminosos racistas sejam rigorosamente punidos e implementar políticas de ações afirmativas no enfrentamento cotidiano dessa chaga é nossa tarefa maior. Como diria Milton Nascimento: “Mas, é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre …”.

Axé !

Toca a zabumba que a terra é nossa!

Fonte: Terra Magazine

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