O crime impera no país como algo normal. Essa frase poderia estar sociologicamente incorreta, mas o racismo que se realiza todos os dias no cotidiano nacional, foi nesta última semana direcionada a Maria Julia Coutinho, jornalista da Rede Globo de Televisão, primeira mulher negra a apresentar a previsão do tempo, que sofreu nas redes sociais e sites, foram vários os ataques racistas!
por Maria Lidiane – Militante do Movimento Negro do RN no Carta Potiguar
Antes de qualquer coisa gostaria de me posicionar, ou seja, informar de onde eu falo, eu sou quilombola, sou mulher, sou negra e sou estudante de direito.
Evidenciar as diferentes formas de desigualdades é urgente no Brasil, mas me coloco entre aqueles que têm nas desigualdades de gênero e de raça seus eixos de luta. Mas existem outras formas que não podemos deixar de citar (a geracional, a educacional, a política e a econômica).
Fala-se muito no problema da corrupção, mas sem dúvida o maior problema do nosso país é a desigualdade.
Dentre as diversas formas de desigualdade já citadas, a racial é a que deve ser enfrentada com maior perseverança, pois antes mesmo do negro ou da negra ter que superar as desigualdades de classe (econômica) tem que se afirmar como ser humano.
É evidente que muitos saíram da miséria nos últimos vinte anos, no entanto a distância entre riscos e pobres ainda é imensa, sobretudo se compararmos as condições sociais da população negra e branca.
No Brasil a marca da raça faz com que a superação das desigualdades seja um enorme desafio, pois o ódio racial dificulta a emancipação, por exemplo, o acesso à universidade pela população negra, ou mesmo a própria permanência nestas instituições. Um exemplo disso é o discurso de ódio contra as cotas, ora! a legislação brasileira impõe cotas femininas aos partidos que concorrem as cadeiras parlamentares (vereadoras, deputadas estaduais, federais e senadoras) e não há uma grande aclamação contra essas cotas, que inclusive são espaços de poder e tomada de decisão, mas quando se fala em cotas para universidade então os proclamadores da “meritocracia” entre muitas aspas, dizem que é errado, que não pode, que não é certo…
Estar em uma universidade no Brasil é muito mais do que ter acesso à educação superior é afirmar-se como cidadão, pois se uma negra me vê na universidade ela pode se reconhecer em mim, e, sonhar com um futuro melhor para ela e para sua família, até mesmo para sua comunidade, mas se só há brancos nas faculdades então não há com o que sonhar…
Mas como enfrentar as dificuldades que a desigualdade racial impõe? Entrar na universidade é o suficiente? Sem dúvida é um grande desafio, mas permanecer e concluir um curso superior com qualidade é um desafio maior ainda, para aquelas que saem muitas vezes da casa dos seus pais como é o meu caso (vindo de um quilombo) e fazer um curso historicamente destinado aos brancos das elites. Não, não é uma tarefa nada fácil, pois se enfrenta vários obstáculos, racismo institucional, dificuldades econômicas, saudade de casa… são vários os elementos que concorrem contra aqueles que querem romper limites e sonhar…
O que devemos fazer? Sem dúvidas não existem formulas prontas e acabadas, mas podemos encarar os nossos maiores obstáculos como o combustível para superar nossas dificuldades, pois sendo o Brasil historicamente racista, economicamente racista, esteticamente racista, culturalmente racista, ai é que temos cada vez mais que fortalecer as nossas lutas e organizações políticas, tentar ao máximo superar nossas diferenças e interesses internos no movimento negro, para que no futuro próximo não seja mais uma realidade que a elite branca predomine nos cargos públicos de alto escalão, nas chefias empresariais e na direção da grande imprensa.
A militância dos movimentos negros (juventude, mulher, urbanos e rurais) é a melhor maneira de fazer frente à opressão racial. Pois é através da resistência, que manifestamos nosso projeto de justiça e nos definimos como sujeitos políticos, seja ocupando espaços antes destinados exclusivamente aos brancos, seja cobrando e pressionando aqueles que ocupam os cargos de poder e tomada de decisão.
Por fim, gostaria de destacar enfaticamente que no Brasil há distorções em sua estrutura social e racial que não favorecem ao debate público e o aprofundamento dos argumentos em prol da equidade racial e das importantes mudanças necessárias na esfera pública. Resta-nos, portanto impor o tema, desigualdade racial, como uma das principais ordens do dia!
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