Racismo ou crítica aos racistas? O polêmico zoológico humano que está chegando ao Brasil.

O artista sul-africano Brett Bailey é pouco famoso no Brasil, mas inspirou a criação de uma petição que em menos de 12 horas coletou mais de 1.200 assinaturas. Ele é o idealizador de Exhibit B, misto de peça tetral, exposição de arte e performance, banida em Londres e prevista para vir a São Paulo no ano que vem, caso não esbarre nos protestos para impedir que seja exibida por aqui.

Por Marcos Sacramento, do DCM

A raiz da polêmica está no formato da obra, onde artistas negros aparecem como se fossem objetos de exposição, nos moldes dos zoológicos humanos em voga na Europa nas primeiras décadas do século XX.
“A peça (…) cria “quadros vivos” de seres humanos negros em posição de inferioridade, sem voz, na posição de objetos.Esses “quadros vivos” recriam cenas extremamente dolorosas da história da diáspora africana, e exibem o negro como coisa, da mesma velha maneira que nossos antepassados sofreram durante todo o período colonial: coisas em um zoológico humano, coisas de um show de horrores”, disse ao site Mamapress a brasileira Fabiana Bruna de Souza, que participou de protestos contra Exhibit B em Paris.

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A princípio, o trabalho tem a intenção de discutir as relações racistas atuais e não alimentar mais preconceito e opressão, como explicou Bailey em um artigo publicado no The Guardian na época do cancelamento da peça em Londres. “A intenção de Exhibit B nunca foi incentivar ódio, medo ou preconceito. É sobre amor, respeito e indignação. Aqueles que fizeram Exhibit B ser cancelada rotulam o trabalho de racista. Eles questionam meu direito, como branco sul-africano, de falar de racismo da maneira que eu falo” escreveu.

Por viver 27 anos sob o regime do apartheid, Bailey certamente conhece histórias macabras do período da colonização africana, como as exibições de nativos africanos em espetáculos circences, como a “Vênus Hotentote”, e os zoológicos humanos onde nativos das terras colonizadas eram confinados igual a animais.

Muitas dessas histórias estão quase esquecidas, como o genocídio que matou 10 milhões de africanos no Congo, então propriedade particular do rei Leopoldo II, da Bélgica. As provocações da arte podem e devem ser usadas para provocar reflexão e evitar que tragédias como essa se repitam.

Isso não dá carta branca para o artista deixar fluir as suas idiossincrasias sob o argumento de que a arte permite múltiplas interpretações. Bailay afirmou, no artigo, que não retrata o mundo de forma binária, em preto e branco, errado e certo, bom e mau e sim com cores e meio-tons. Por mais que Bailey e outros tantos artistas gostem de perceber a nuances da realidade, há casos que são preto no branco, sem tons de cinza. O trabalho proposto pelo artista sul-africano é um deles.

Uma exposição onde artistas negros retomam o papel de seus antepassados de entreter uma maioria branca e curiosa não tem outra cor senão a do mau gosto. Na melhor das avaliações é uma piada de sem graça; na pior, é ofensiva, da mesma forma que seria uma exposição sobre o Holocausto com artistas judeus espremidos numa câmara de gás ou em um vagão de trem.

Não dá, não há liberdade artística que salve uma coisa dessas. Por que, então, seria diferente com as tragédias sofridas pelos negros durante os séculos de escravidão e o período colonial?

Sobre o Autor

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

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