Racismo para além das urnas: Precisamos enfrentar a violência política

FONTEECOA, por *Vanessa Nascimento e Sheila de Carvalho
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Chegamos em mais um período eleitoral e um obstáculo, muitas vezes não visto como parte da disputa, é a violência política a candidaturas negras que ditam os rumos antes, durante e depois da escolha nas urnas.

Pessoas negras, por vezes, são preteridas do processo de escolha partidária para concorrer aos cargos eletivos. É imposta uma série de dificuldades para ser a escolha do partido para disputa, para obter condições mínimas para estruturar uma campanha com chances de elegibilidade e para receber medidas protetivas institucionais para proteger essas candidaturas da violência física e digital alimentadas pelo racismo aos quais elas são alvos constantes.

Nesse cenário tão desfavorável, é louvável a iniciativa da deputada Benedita da Silva, que provocou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a determinar aos partidos a necessidade de estabelecer políticas de ações afirmativas para acesso ao fundo partidário e tempo de televisão. A decisão do TSE foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e tem a obrigatoriedade de ser adotada pelos partidos políticos. Essa será a primeira eleição ao qual os partidos tiveram tempo para estruturar essa política de ação afirmativa, e não haverá mais desculpas para o seu descumprimento.

A luta por representatividade paritária na política integra a agenda da Coalizão Negra Por Direitos, articulação de organizações do movimento negro que lutam por uma sociedade antirracista. A partir da incidência da Coalizão pela criação e efetividade de políticas visando o aumento de representatividade, foi lançada há exato um mês a iniciativa “Quilombo nos Parlamentos”, projeto que propõe fortalecer candidaturas de lideranças do movimento negro pra disputa do poder institucional. São mais de cem candidaturas apoiadas em todo o território nacional.

No entanto, para o aumento da representatividade negra na política se tornar realidade, precisamos avançar em medidas protetivas e de responsabilização para a violência política que dita os caminhos até a urna, e também depois que o resultado eleitoral está proclamado. Os mandatos negros também são alvos de uma violência constante que cerceia o exercício pleno dos direitos políticos das pessoas negras no Brasil.

Renato Freitas é um dos poucos vereadores negros que já chegaram a ocupar a câmara municipal da cidade de Curitiba, no Paraná. Em pouco tempo no exercício do mandato, ele vivenciou três tentativas de outros parlamentares em ter seu mandato cassado, todas sem nenhuma justificativa ou amparo legal. Duas delas relacionadas à participação do vereador em protestos legítimos de defesa de direitos da população negra.

Agora, em 2022, em um ato considerado ilegal pela Justiça essa semana, a câmara cassou o mandato de Renato Freitas. O objeto do processo em questão era a participação do vereador em um protesto pela vida de Moïse Kabagambe, homem negro assassinado barbaramente ao ir cobrar seu salário. Todo o procedimento que tramitou na comissão de ética da câmara foi sustentado por uma série de notícias falsas e posições discriminatórias em relação ao vereador.

Mesmo com provas, evidências e manifestações contrárias à cassação, os vereadores da câmara municipal seguiram o procedimento, violando regras do devido processo legal. Se não fosse a mobilização do movimento negro e da sociedade civil organizada, Renato teria perdido seu mandato legítimo em decorrência da violência racial que é vítima na câmara dos vereadores.

A luta de pessoas negras por representatividade e garantia dos direitos políticos à população negra aumenta os ataques e violências a quem está se colocando na centralidade dessa disputa. Em São Paulo, o pré-candidato a deputado federal e liderança do Movimento Negro Brasileiro, Douglas Belchior, foi alvo de uma série de ataques digitais violentos em decorrência de sua representação e protesto no caso Genivaldo de Jesus, homem negro assassinado pela polícia após tortura que vivenciou ao ser colocado em uma câmara de gás improvisada.

Não é por coincidência que a defesa de vidas negras tenha sido motor de violência racial contra Douglas Belchior e Renato Freitas. Observa-se, nesses casos, assim como tantos outros que acontecem diariamente, que o objeto da luta que move essas candidaturas e mandatos também é um fator que as tornam alvos do racismo da sociedade brasileira.

Na Bahia, a ativista, quilombola, líder comunitária e pré-candidata à deputada estadual Eliete Paraguassu tem sido alvo de difamações, tentativas de criminalizações e ataques motivados pelo racismo por sua luta contra interesses econômicos hegemônicos em defesa da proteção ambiental e da população da Ilha da Maré. Em Pernambuco, a co-deputada estadual do Juntas, Jô Cavalcanti, foi ameaçada com uma arma por um deputado bolsonarista durante sessão plenária.

No Rio de Janeiro, local no qual ainda se espera que a justiça responda devidamente “Quem mandou matar a vereadora Marielle Franco?”, observa-se inúmeras situações de violência e cenários de riscos a parlamentares que atuam na centralidade da luta antirracista. Talíria Petrone, deputada federal, vive com constantes ameaças contra a sua vida, sendo necessário monitoramento de todos os seus passos para garantia de sua segurança. A vereadora de Niterói, Benny Briolly, primeira mulher trans a ser eleita para a câmara, tem sido atacada constantemente por deputados bolsonaristas, havendo, inclusive, condenações de deputados por terem difamado a vereadora.

A iniciativa do Quilombo nos Parlamentos da Coalizão Negra Por Direitos é fundamental para o enfrentamento ao racismo e para a paridade de representatividade na política. Não só precisamos enegrecer a política, precisamos que as agendas de luta do movimento negro estejam representadas nas instituições, pessoas que entendam as necessidades das nossas bases e a importância de nossas vidas. Precisamos levar essa representatividade e manter essa representatividade. Enfrentar a violência política é essencial para que essa luta por direitos seja efetiva.

*Vanessa Nascimento e Sheila de Carvalho são, respectivamente, diretora-executiva e diretora de Incidência Política do Instituto de Referência Negra Peregum, organização finalista da Categoria Iniciativas que Inspiram do Prêmio ECOA 2021.

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