Recifenses lançam websérie para discutir racismo, violência de estado e desigualdade

Em frente à câmera, artistas, políticos, líderes religiosos, comunicadores e ativistas sociais compartilham experiências como se conversassem com os telespectadores. Fazendo uso de uma linguagem direta, a websérie Novo mundo, no YouTube, discute sobre preconceito, violência de estado e desigualdade social. O projeto, composto por 16 depoimentos, foi desenvolvido pelos diretores e roteiristas recifenses Natara Ney e Gilvan Barreto e tem entre os personagens pessoas comuns com experiências marcantes, como a ativista Bruna da Silva, mãe de Marcos Vinícius, estudante morto aos 14 anos pela polícia na comunidade da Maré, no Rio de Janeiro, a atriz pernambucana Mohana Uchôa e o pastor Henrique Vieira. O primeiro episódio estreou nesta semana e, durante as próximas 15 terças-feiras, outros serão lançados. A página pode ser acessada pelo link (clique aqui).

Por Juliana Aguiar, Do Diário de Pernambuco

A arquiteta e urbanista Tainá de Paula- mulher negra de cabelo crespo, usando camisa azul claro- sentada em uma poltrona
A arquiteta e urbanista Tainá de Paula está entre as 16 pessoas entrevistadas para o projeto (Foto: Imagem retirada do site Diário de Pernambuco)

“Queremos levar questionamentos a partir de depoimentos de pessoas comuns, representantes de comunidades onde vivem e que estão enfrentando situações que estamos passando em todo país, como uma amostra. O importante é dar eco aos discursos dos entrevistados e disseminá-los, fazendo com que os espectadores vejam que não estão sós”, explica Natara Ney. As entrevistas, conduzidas a partir de eixos temáticos, foram gravadas em um estúdio alugado no Rio. “A ideia surgiu a partir de Gilvan, que já realizava estudos sobre o genocídio da população periférica no Brasil. Sentamos, estudamos e voltamos ao descobrimento do país, ref letindo sobre o descaso histórico com periféricos, desde a condição de índios e negros, que nos acompanha desde a colonização de forma violenta.”, conta.

A questão racial e a representatividade feminina serão discutidas na entrevista de MC Martina (Foto: Imagem retirada do site Diário de Pernambuco)

De acordo com Natara, a medida em que se aprofundavam no assunto, foram vendo o quão denso era. “Então, fomos em busca de pessoas que pudessem retratar e falar com mais propriedade sobre suas vivências. Encontramos lideranças comunitárias, rappers, mães que perderam os filhos… e eu passei a construir roteiros em cima das entrevistas que fizemos com elas, unindo todas as vozes em uma só voz”, lembra Natara, que precisou alinhar a linguagem e os estilos de abordagem com Gilvan. Ele coleciona trabalhos fotográficos de cunho social, enquanto ela desenvolve documentários mais pessoais e biográficos.

A cientista social e deputada estadual pelo Psol Mônica Francisco é a primeira entrevistada do Novo mundo, onde ref lete sobre a vulnerabilidade de ser mulher negra no Brasil e explica como o racismo no país é naturalizado. “Bastaver o que está acontecendo hoje. Um grupo de pessoas negras entra no supermercado e segurança chega junto, por exemplo. Temos um racismo muito silencioso em nossa sociedade. Ninguém reconhece o sucesso e as conquistas de nós, mulheres e homens negros. É um racismo velado e doloroso que nos atravessa diariamente”, avalia.

CORONAVÍRUS

A cineasta traça um paralelo com a pandemia do novo coronavírus que se alastra pelo Brasil, fazendo com que parte da população entre em um isolamento social. “Quem está na rua nesta pandemia? Quem tem que trabalhar? Quando essa epidemia se alastrar e chegar à comunidade pobre e negra, como vai ser? Tem gente que não tem água em casa. O racismo nunca ficou mais fácil, só temos mais mecanismos para lutar contra ele”, pontua. No episódio da próxima terça-feira, o pastor Henrique Vieira discute sobre espiritualidade, religião e fundamentalismo, fazendo um contraponto sobre quem seria Jesus Cristo nos dias atuais.

Ruth Mariana, a atriz refugiada da Angola, compartilhará a sua história de vida em um dos episódios (Foto: Imagem retirada do site Diário de Pernambuco)

Também estarão presentes na websérie os depoimentos de Mãe Meninazinha (ialorixá), Dofono de Omulu (babalorixá), Ruth Mariana (atriz refugiada), Eliana Souza (fundadora da ONG Redes da Maré), Tainá de Paula (arquiteta e urbanista), Ana Clara Telles (mestra em relações internacionais), Jacqueline Muniz (antropóloga e cientista política), além das jornalistas Aline Ribeiro e Gizele Martins, da rapper MC Martina, da compositora Jessica Souto e da atriz Sol Miranda. As entrevistas foram reunidas a partir do edital Rumos Itaú Cultural.

“Não são pessoas de notoriedade, famosas, mas são referências dentro dos temas que se propõem a falar. Foi um processo denso, de muito aprendizado. Todo mundo nos perpassou, deixou muita coisa em nós. Mais do que documentarista, saí como uma pessoa melhor”, conta Natara

Curta-metragem

Reunindo os 16 depoimentos coletados, Natara Ney e Gilvan Barreto criaram um curta-metragem ficcional encenado por Mohana Uchôa, com narração de Zezé Mota, que será lançado ainda neste ano. “Um paraíso para os olhos, esta frase gasta define o lugar onde a personagem chega: a Terra Sem Males”, explica Gilvan. “Depois de caminhar por ruínas e matas devastadas, ela percebe que aquele país foi erguido sobre o sangue de muitos povos. Esse conhecimento poderia deixá-la paralisada, criar medo, mas inspiram atos de coragem.”

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