Rede HistoriadorXs NegrXs ocupa a imprensa brasileira no 20 de Novembro

“Antes tudo acontecesse como antes aconteceu / Não vindo como algo novo / Seduzindo o que não estava atento”

FONTEPor Ana Flávia Magalhães Pinto, Benedito Emílio da Silva Ribeiro, Mariléa de Almeida, Patricia Alves-Melo

Neste novembro, decidimos fazer diferente. 

Não ficamos à espera de convites de veículos de comunicação para falarmos sobre o povo negro nos termos há muito tempo definidos. Aprendizados formulados coletivamente nos asseguravam que pouco valeria dar declarações que reforçassem um lugar de existência inviável para homens e mulheres negras em qualquer contexto, ou responder a provocações que nada favorecem o entendimento das histórias com as quais tanto temos nos ocupado em nosso fazer diário, como historiadoras e historiadores.

Decidimos que encontraríamos uma maneira de estar nesses lugares nos nossos próprios termos. 

A Ocupação HN na Imprensa é o resultado da decisão da Rede de HistoriadorXs NegrXs (RHN) de promover uma ação política coletiva, intencional, planejada e de alcance nacional, com o fim de orientar a reflexão histórica de qualidade na imprensa e assegurar a ampliação da presença da intelectualidade negra em espaços consolidados de debate público.

Trata-se ainda de uma maneira de celebrar a força que emana das lutas que deram dimensão aos 50 anos do Dia Nacional da Consciência Negra e honrar o legado de gerações que nos antecederam, demandando por narrativas históricas que fizessem justiça à humanidade de pessoas negras de diferentes tempos e lugares. 

Era exatamente isso o que o Grupo Palmares de Porto Alegre expressava nos documentos que impulsionaram a construção desta data cívica desde 1971. As imagens do 13 de Maio e da liberdade concedida pela Princesa Isabel jamais dariam conta de uma agenda historiográfica voltada ao reconhecimento da condição de sujeitos históricos de homens e mulheres negras de muitos tempos, lugares e sonhos de justiça e liberdade!

“Antes tudo acontecesse como o aviso do sinal / Atenção! “Está prestes a se concretizar” / E não como serpente silenciosa / Em seu silvar”

Estávamos diante da possibilidade de fazer algo radicalmente novo para nós e para o restante da sociedade brasileira. Como categoria profissional, não tínhamos notícia de que historiadoras/es tivessem, coletivamente, planejado a publicação simultânea e concentrada de artigos de opinião e contribuído para reportagens, a fim de posicionarem suas pesquisas em prol do fortalecimento de uma agenda política formulada por movimentos sociais. E foi justamente isso que planejamos para marcar o cinquentenário do 20 de novembro. 

É preciso reconhecer também que promover a presença volumosa de nossa produção historiográfica em veículos de comunicação, nos quais a maioria nunca tinha tido a oportunidade de publicar, foi algo que não figurava no nosso horizonte até recentemente. Isso começou a ser alterado por meio da coluna NOSSAS HISTÓRIAS, na qual semanalmente publicamos artigos e vídeos com os resultados de nossas pesquisas, a fim de dialogar com os públicos do Portal Geledés e do Acervo Cultne, bem como do canal Pensar Africanamente, que nos recebe mensalmente para um diálogo sobre os nossos conteúdos. Essa é a base do levante concentrado no último sábado (20/11/2021)! 

A novidade dessa vez foi tramar a expansão de nosso alcance em lugares que não estavam de imediato preparados para receber nossa proposta. Queríamos, sobretudo, sair da condição de objeto ou fonte para o de quem enquadra a informação. Esse normalmente não é o lugar de historiadoras/es negras/os nem mesmo na imprensa negra.

Foi, então, que, no final de setembro, algumas integrantes tiveram a ideia de consultar, entre seus contatos, jornalistas negras/os e mais alguns brancos/as com compromisso antirracista. Para nossa surpresa, nossa proposta de ocupação ecoava no anseio de muitas/os que têm combatido o racismo nas redações de jornal, mas sem as conexões suficientes para dar conta de uma ação com essa.

A sinalização positiva vinda de nove veículos no início de outubro entusiasmou mais um tanto de integrantes da RHN a buscar mais espaços. A despeito de seus inúmeros afazeres agravados na pandemia, o empenho das/os historiadoras/es que assumiram essa tarefa fez com que, ao final, ultrapassássemos a marca de trinta veículos ocupados por meio de artigos inéditos e intervenções em textos de jornalistas com interesse em ouvir o que tínhamos a dizer. 

Entre essas/es, destacamos a valiosa contribuição de: André Ricardo (Cojira-DF); André Santana (Instituto Mídia Étnica e UOL); Aruana Brianezi (A Crítica); Carmen Kemoly (Cidade Verde); Cibele Moreira (Correio Braziliense); Clarissa Pacheco (Correio da Bahia); Fernanda Bastos (TVE-RS); Flávia Barbosa (O Globo); Flávia Lima (Folha de S. Paulo); Flávia Oliveira (O Globo); Francis França (Deutsche Welle); Fredy Alexandrakis (Nexo); Helton Simões Gomes (UOL); Igor Carvalho (Brasil de Fato / TVT); Juremir Machado (Correio do Povo); Kátia Brasil (Amazônia Real-AM); Katia Marko (Brasil de Fato); Leo Valente (Blog do Valente); Linda Bezerra (Correio da Bahia); Luiz Maurício Azevedo (Correio do Povo); Luiz Soares (Coalizão Negra por Direitos); Márcia Maria Cruz (Estado de Minas); Midiã Noelle (Correio da Bahia); Natália Carneiro (Geledés); Pedro Borges (Alma Preta); Rafael Ayala (Ceará Criolo); Raio Gomes (Mundo Negro); Raíssa Ávila (Zero Hora); Rodrigo Resende (Rádio Senado); Valéria Ochoa (Extra Classe); Vera Daisy Barcellos (Sindjors), entre outras/os.

Vocês foram e são essenciais! Recebam nossos sinceros agradecimentos!

“Antes tudo acontecesse quando te sentisses forte / Capaz de reagir, que pudesses sangrar”

Nesses seis anos de existência da RHN, temos nos empenhado para superar o individualismo, as disputas e hierarquias que caracterizam o mundo acadêmico. A Rede é uma construção coletiva, horizontalizada, descentralizada e permanentemente aberta para novas adesões. O princípio do “Uma sobe e puxa a outra” nos orienta. Isso norteou o planejamento da Ocupação HN na Imprensa. 

Criamos um grupo dedicado exclusivamente à definição dos procedimentos da Ocupação. 

Em termos operacionais, foi o grupo que propôs parâmetros que permitissem a sintonia entre os artigos e as declarações. Após debate ampliado, consensuamos quatro pilares: 

  1. Historiadorxs Negrxs como sujeitos fundamentais e renovadores do debate público sobre a sociedade brasileira;
  2. O ineditismo e o efeito político e historiográfico dessa ação coletiva de impacto nacional; 
  3. A marca dos 50 anos do 20 de novembro como símbolo da luta negra contra o apagamento de sua agência histórica;
  4. História que a Nossa História já conta: múltiplas histórias da gente negra em níveis local, nacional e transnacional, considerando diversidades de gênero.

Além disso, optamos por evitar a rígida subdivisão por estado. Valorizamos a escrita em dupla, articulando pessoas de lugares diferentes e com afinidade temática. A distribuição final de autorias entre os veículos de comunicação foi feita pela Equipe de Editoria HN, criada com a responsabilidade de editar os textos, de modo a não reproduzir vícios da linguagem acadêmica e atender aos limites de caracteres e outros elementos técnicos estabelecidos pelas editorias dos periódicos. 

Tratando-se da construção de um fato político, deliberamos que o 20 de Novembro seria o momento para marcar a ação em sua intensidade. Embora textos pudessem ser publicados antes e depois, o anúncio da Ocupação HN teria de ser feito de modo a surpreender.

A repercussão do ato dependeria do trabalho articulado com a Equipe de Redes Sociais, do engajamento coletivo e do apoio de parceiros, o que foi feito considerando, por exemplo, as orientações de Natália Neris, do Twitter. 

“Antes tudo acontecesse como se fosse o previsto / Visto de trás ou de longe / Antes que te atingisses de frente”

Aprendemos a escrever como um ato individual. Escrever em estreito diálogo com o coletivo vai na contramão do que fomos ensinadas/os a fazer durante a maior parte da vida, sobretudo na universidade. 

Nesta Ocupação, a Equipe de Editoria pode acompanhar de perto os ganhos e desafios dessa estratégia de produção intelectual que nos provoca a exercitar a escuta, a solidariedade e a sintonia. Foi um volume de trabalho que superou as expectativas iniciais, mas o resultado fez tudo valer a pena!

Sabemos que o ato de escrever para pessoas negras é um ato de insurgência, de marcação de nosso lugar no mundo. Enquanto editávamos os textos, deparamos com marcas de constrangimentos subjetivos provocados pela naturalização do racismo no cotidiano escolar. Às vezes, percebíamos um certo medo em falar o que precisava ser falado e gritar o que precisava ser gritado. 

Sem sombra de dúvidas, aprendemos muito tecnicamente, mas a melhor parte desse trabalho foi contribuir para que as vozes de nossas/os malungas/os pudessem ecoar com a maior força e nitidez possível entre leitoras/es habituados ou não a aprender com historiadoras/es negras/os. 

“Antes tudo acontecesse como acontecem as histórias / De encontros e rompimentos, num mergulho sem demora” 

Em resumo: historiadoras negras e historiadores negros ocuparam, pela primeira vez na história deste país, dezenas de veículos de comunicação, com artigos de opinião e contribuindo para matérias textuais, em áudio e vídeo no ponto alto da celebração dos 50 anos do Dia Nacional da Consciência Negra.

Nossa felicidade guerreira foi além de nós e ocupou páginas inteiras, capas e páginas de jornais e sites nos quais não havíamos estado, sobretudo de forma coletiva e intencional.

São as lições do Movimento Negro Educador que orientam nossa prática de História Pública!

Como disse Oliveira Silveira, o poeta da Consciência Negra, “Palmares não é só um, são milhares”!

A ocupação se fez em periódicos e sites de imprensa negra, corporativa, sindical e independente; e alcançou as cinco regiões brasileiras, totalizando até o momento 45 títulos inéditos:

Mulheres negras e a ocupação do poder numa boa! – por Alba Cristina Couto dos Santos Salatino | Brasil de Fato – Rio Grande do Sul

O Almirante Negro e os Heróis Nacionais – por Álvaro Pereira do Nascimento | DW – Deutsche Welle

História do Brasil ensinada pelo Movimento Negro – por Amilcar Pereira e Stephane Ramos | O Globo

O movimento negro brasileiro e a circulação de referenciais para a luta antirracista – por Amilcar A. Pereira | Portal Geledés (Coluna Nossas Histórias)

4 eixos para reflexão no Dia da Consciência Negra de 2021 – com contribuição de Ana Flávia Magalhães Pinto | Nexo

Outras Vozes da Consciência Negra: a potência que vem do afro-indígena – por Benedito Emílio da Silva Ribeiro e Maria Roseane Corrêa Pinto Lima | Brasil de Fato

Provocações, notícias falsas e a importância da história – por Carlos da Silva Jr. | Correio Braziliense

“Só estou pegando de volta!” – o antirracismo vai ao museu – por Carolina Cabral e Marcus Oliveira | Alma Preta

O Aeroporto Pinto Martins e a consciência negra no Ceará – por Cícera Barbosa e Leandro Bulhões | Portal Geledés

E depois do 13 de maio? Lutas negras mineiras em um contexto de liberdade – por Cleudiza Fernandes de Souza | EM – Estado de Minas

50 anos do Dia da Consciência Negra: o Brasil sonhado com igualdade racial – por Cleudiza Fernandes de Souza, Wlamyra Albuquerque e Renata Melo Barbosa do Nascimento | EM – Estado de Minas

Quilombo dos Palmares: antigo refúgio de negros escravizados é patrimônio cultural internacional – com contribuição de Danilo Luiz Marques | G1 – Alagoas

Vamos todos pra Palmares! – por Danilo Luiz Marques | Correio da Bahia

Novembro de Zumbi, Prata Preta e João Cândido – por Diego Rogério | Ceará Criolo

Dia da Consciência Negra, 50 anos: liberdade conquistada, não concedida – com contribuição de Diego Rogério | Agência Senado

Nossas cores negras na História: as lições de Maria Firmina e Carolina de Jesus – por Edinelia Maria Oliveira Souza e Raiza Cristina Canuta da Hora | Correio da Bahia (Coluna Midiã Noelle)

Histórias de luta pela causa negra ao longe – por Fernanda Oliveira e Jonatas Ribeiro | Correio do Povo (Caderno de Sábado)

Conexões Negras – por Flávio Gomes | A Crítica

Nossas heranças: os patrimônios negros no Brasil – por Francisco Phelipe Cunha Paz e Mônica Lima | O Globo

Chegamos! Histórias de mulheres negras na política brasileira – por Gabrielle de Abreu e Valdenia Menegon | Amazônia Real

ESPERANÇA: um grito que ecoa do sertão do Piauí para o mundo – por Iraneide Soares da Silva, Juliana Alves de Sousa e Cláudio Rodrigues de Melo | Portal Club News-PI

Por que a história do Brasil ‘escolheu’ esquecer trajetórias negras?… – por Itan Cruz e Ana Flávia Magalhães | UOL

Lutas negras no Recôncavo da Bahia – por Jacó dos Santos Souza e Yuri Oliveira da Silva | Blog do Valente

Dandaliara, a mulher de dois mundos que se encontra com a Potência Z – por Janete Santos Ribeiro | Extra Classe

A sombra do quilombo: 50 anos do Dia Nacional da Consciência Negra – por Janira Sodré | O Popular

Pardos de ontem e de hoje – por Jerônimo Aguiar Duarte da Cruz | DW – Deutsche Welle 

Conheça as associações negras em Minas e a gênese da luta antirracista – por Jonatas Ribeiro | EM – Estado de Minas

A eloquência dos silêncios: memória das experiências negras na história – por Josemeire Alves Pereira | EM – Estado de Minas

Nascer e morrer no navio negreiro – por Juliana Barreto de Farias | Correio da Bahia

A presença feminina negra no teatro – um palco para a consciência – por Juliana Pereira e Lissa dos Passos | Mundo Negro

Professora do DF cria projeto para debater negritude e ancestralidade nas escolas – com Keilla Vila Flor Santos | G1 – Distrito Federal

O reposicionamento da experiência histórica negra nos currículos escolares – por Luciano M. Roza | EM – Estado de Minas

Carregar pedras, cantar e dançar a seu modo: irmandades negras ontem e hoje – por Lucilene Reginaldo e Mariana Regis | Correio da Bahia

O legado político das mulheres negras – por Mariléa de Almeida e Taina Silva Santos | O Globo

História de Zumbi foi contada em grupo no primeiro ato do Dia da Consciência Negra – com contribuições de Martha Rosa Queiroz e Maria Cláudia Cardoso | Correio da Bahia

Educação: direito negado, razão de lutas negras no século XIX – por Noemi Santos da Silva | Portal Geledés (Coluna Nossas Histórias)

Racismo: a sociedade está mais consciente e vigilante? (Cartas sobre as articulações da política antirracista) – por Rede de HistoriadorXs NegrXs | Correio da Bahia

Virando a página: pesquisadores revisitam dez mitos da História do Brasil que reforçam racismo (Lista de verbetes) – por Rede de HistoriadorXs NegrXs | Correio da Bahia

Tição – imprensa negra e consciência em Porto Alegre nos anos de chumbo – por Roberto dos Santos | Portal Geledés (Coluna Nossas Histórias)

Cidadania negra e indígena no Brasil: um sonho impossível? – por Samuel Rocha Ferreira e Patrícia Alves-Melo | Folha de S. Paulo

Sem território não tem quilombola – por Silvane Silva | Correio da Bahia

Memória da escravidão e poder: montando o quebra-cabeças – por Vitor Hugo Monteiro Franco e Felipe de Melo Alvarenga | DW – Deutsche Welle

Ferida que ainda sangra: a escravidão africana no Brasil – com Wlamyra Albuquerque e Ana Flávia Magalhães Pinto | Podcast Rádio Senado

A Consciência Negra é nossa! – por Ynaê Lopes dos Santos | DW – Deutsche Welle

Pesquisador quilombola defende contraponto à história do Brasil: ‘Além do ponto de vista colonial’ – por Zezito Araújo | G1 – Alagoas

Atualizações desta lista poderão ser feitas e acompanhadas no link: https://docs.google.com/document/d/16KZWUFxTfdnZ9PFz3fr-HuR-1Hmax-BFk5r1S2Kp6Es/edit

“Antes tudo se passasse como passa o Arco-íris / Num momento luz, noutro bruma e crepúsculo”

O poema “Inusitado”, da historiadora negra Beatriz Nascimento, cujos versos nos acompanharam em cada momento dessa crônica, fala de desafios caros à vida. 

Se a Ocupação HN na Imprensa foi arco-íris, luz, bruma ou crepúsculo, saberemos quando chegarmos ao futuro!

Por ora, seguiremos ocupando e resistindo, reverberando os legados de Palmares e de todos os momentos que nos inspiram a lutar por liberdade e cidadania, escrevendo histórias no plural! 

Ana Flávia Magalhães Pinto – professora do Departamento de História (UnB) e coordenadora da regional Centro-Oeste do GT Emancipações e Pós-Abolição da Anpuh; Benedito Emílio da Silva Ribeiro – mestrando em Diversidade Sociocultural (PPGDS/MPEG) e pesquisador do GEIPAM/UFPA;

Mariléa de Almeida – doutora em História (Unicamp); pesquisadora e psicanalista;

Patricia Alves-Melo – doutora em História (UFF) e professora titular da UFAM;

Todas são integrantes da Rede de HistoriadorXs NegrXs e formaram a Equipe de Editoria da Ocupação HN na Imprensa

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