“Refúgio” – A história sentida de um aluno de 15 anos, vítima de bullying e do preconceito.

O texto que se segue foi o motivo pelo qual esta semana o ComRegras dá destaque ao Preconceito. A história da autoria de Domingos Ferreira, entrou-me email a dentro e quando mais a lia mais me lembrava da intensidade de sentimentos por que um adolescente passa. Lembram-se da vossa?

Por Alexandre Henriques Do ComRegras

A personagem criada não é mais do que a viagem do Domingos pelo seu passado, presente e futuro. Um texto que podia ser de muitos, mas poucos são os que têm a coragem de o assumir em pela adolescência.

Hoje o palco é teu Domingos, hoje todos vamos sentir um pouco do que tu sentiste, sentes e queres sentir, sem pudores, nem filtros. Hoje é o dia em que és a voz de muitos e gritas bem alto a tua identidade e a tua escolha. Basta de vergonhas! Basta de receios! Basta de preconceitos!

A ti meu caro e a todos os que vivem presos nesse colete de forças social, ignorante e insensível, não é um abraço que vos mando, é um beijo do tamanho do mundo.

Todos diferentes… todos iguais… ?

Capitulo 1

Não sei como expressar todo o sentimento presente no meu coração. Foram dias de assédio, meses de marcas negras, e anos de desprezo. Mil e uma coisas já me passaram pela cabeça. De todas as tentativas de morte, alguma delas resultou? Não! As grandes hemorragias provocadas por mim, não me levaram a conhecer a morte.

Querem conhecer a causa de todas estas tentativas?

No presente, a minha pessoa não é muito elegante. Tenho 26 anos, meço 170cm, peso 100Kg, e o meu vestuário é pobre. Sou Homossexual. Vivo num pequeno celeiro com os meus pais, e com as minhas quatro irmãs. No passado, a minha pessoa era um pouco sofisticada. Sempre fui uma pessoa com excesso de peso. Desde criança que adorava andar com meninas. Foi a partir dos meus 13 anos, que senti uma forte ligação por alguns rapazes da minha escola, mais concretamente, da minha turma. Sentia a necessidade de os ‘explorar’.

Como, infelizmente, ainda tinha de andar na escola, o meu desejo de ‘exploração’ prolongava-se por cinco dias por semana. Tinha amigos? Não! Quando mais precisava de ajuda, alguém vinha até mim? Não! O que tinha? Tinha-me a mim! Era forte o suficiente para aguentar todos aqueles sentimentos? Tinha sido, mas quem sabia se no dia seguinte não seria liberdade. Quem sabia, se não seria naquele dia que o meu maior desejo se iria concretizar! Seria naquele momento a minha viagem para conhecer a morte? Esperava que sim!

Gostaria de saber porquê a mim? Sim, gostava!

Qual a sensação de ser Gay?

Se me fosse pedido escolher entre ser Homossexual ou Heterossexual, escolheria Heterossexual. Ser Homossexual, não é fácil. Temos um mundo inteiro rodeado à nossa volta que nos critica por tudo o que fazemos. Há até mesmo pessoas, que não conseguem compreender que ser Gay não é uma obrigação, mas sim uma escolha. Escolha, que é feita pela própria pessoa, não pela influência de qualquer outra pessoa. Talvez, um dia o mundo dê uma volta de pernas para o ar, e todas as escolhas em relação à Orientação Sexual, estejam corretas.

De todos os episódios ocorridos na minha vida, o que mais me afetou foi quando tentei aproximar-me de todos os meus colegas, e as suas reações foram de rejeição. As primeiras palavras que me disseram, foram refletidas em mim como se de uma avalanche se tratasse. ‘Paneleiro, gordo, rotundinha, anormal, feio, imbecil, redondinho’. Mas querem saber o que realmente me magoou? Foi o sentimento de abandono! E porquê? Se o Ser Humano fosse feito para estar sozinho, Deus só tinha criado Adão. Mas de facto, criou não só Adão mas também Eva, para que ela pudesse ser o seu refúgio. E é isso de que eu necessito.

Conhecem aquele sentimento de necessidade de desabafo? Eu conheço. Não é muito agradável de se sentir. Infelizmente, são várias as vezes que o sinto, e pensando bem, o que me dói não é o corpo, mas sim a alma. Sinto que para mim o tempo parou, mas para o resto do mundo acelerou.

Tenho medo de toda a gente me ver com os olhos dos insultos, e que aquela pessoa que para mim é especial, me veja da mesma forma de que todos os outros me categorizaram. Talvez, devesse desistir dele, talvez devesse desistir de mim, porque nem eu mesmo consigo identificar o meu Eu interior.

Porque é que não tomo uma atitude?

Há 10 anos atrás, o apoio dos meus pais era nulo. Quando eles descobriram a minha orientação sexual, ficaram revoltados, dizendo que não criaram um filho para ser Gay, pois, tinham neles todos os sonhos que os Pais têm para os filhos.

Mais uma vez, precisava daquele refúgio! E onde ele estava? Não sei.

Como poderia eu contar-lhes a minha situação escolar, se eles próprios não falavam comigo? Como poderia eu ter a certeza  de que eles compreenderiam? Porque não tentei falar com um professor? E se tentasse conversar com os meus padrinhos? Porque é que não tentei compreender o que as minhas irmãs sentiam em relação a mim?

Ao pensar em desabafar com um adulto com uma experiência de vida mais organizada do que a minha, sentia um aperto no coração. ‘Como será que ele vai reagir? Será que me vai ver com os mesmos olhos de como o mundo me vê?’. Quando pensava que era capaz, o sentimento chamado MEDO aparecia.

Em relação às minhas quatro irmãs, o sentimento de refúgio nunca foi apagado. Conversamos, rimos, discutimos, batemo-nos, fazemos coisas de irmãos. Mas, nunca me atrevi a falar com elas sobre a minha orientação sexual. Há momentos vividos entre mim e elas, em que a minha posição é de desconforto. Quando as ouço fazer uma piada sobre Homossexuais, fico desiludido. Apesar de saber que elas não sentem o que eu sinto, penso que se elas o fazem pelo que sou, julgam-me por ser diferente.

No meu bairro, a minha família era caracterizada a mais unida de todas. No exterior, todos nos damos bem, mas em casa, apenas existia a felicidade de seis pessoas, e a tristeza de uma, que era eu!

Querem saber qual foi o momento mais ‘feliz’ da minha vida?

Foi quando descobri a sensação de companhia dos meus colegas de turma, ao tentarem fazer-me esquecer o sentimento de desilusão e de desconforto. A minha amizade foi dispersa por todos eles. Falava com alguns deles todas as vezes que podia.

Cometi, durante vários dias seguidos, o mesmo erro. Apercebi-me, que a sensação de ‘exploração’, estava a ser satisfeita.

Querem saber qual foi o meu erro?

Existia um rapaz, pelo qual sentia uma pequena atração. Como tinha, aquela sensação de exploração pelo mesmo, tentei conversar com ele. As nossas conversas, foram prolongadas durante anos e anos. Quando ganhei finalmente coragem, pedi-lhe, indiretamente, se ele queria ter uma relação sexual comigo. Ao inicio, ele estava um pouco receoso, mas acabou por aceitar. Quando nos era possível, marcávamos uma hora para eu ir a casa dele. Foi uma esplêndida sensação, mas não foi sentida! Existiu, mais tarde, uma zanga entre mim e ele. Palavras que magoam foram refletidas em ambos de uma maneira forte. Corações foram feridos. Algumas lágrimas abriram as portas dos olhos. Tentei resolver as coisas mas não foi possível. Foi nessa altura, que me apercebi de que não podemos esperar ver uma borboleta no inverno, quando a sua estação é a primavera.

‘Como é que eu consegui fazer aquilo? Como será a minha reação quando estiver perto dele? Será que alguém vai perceber o que aconteceu? E se for ele a minha cara metade?’

Nesse mesmo dia, deparei-me com outro rapaz. Era alto, moreno, tinha olhos azuis e vestia-se de uma forma Casual Chique. Varias perguntas surgiram: ‘Será que ele vai gostar de mim? Será desta vez que serei feliz?’ Os meus sonhos estavam à porta de acontecer!

Dirigi-me até ele, para tentar ouvir a sua voz, esta era suave como o azul dos seus olhos. Após muitas horas de conversa, reparo numa Mulher a aproximar-se de nós. Questionava-me quem ela era. Na verdade, era a esposa do meu ‘sonho’. A sensibilidade da tristeza e do desprezo mostraram-se dentro de mim.

Após toda a minha turma ter conhecido o ocorrido, revoltaram-se contra mim, mostrando o receio de motivação para o mesmo.

Querem saber como é viver num mundo em que sou julgado pela minha diferença?

Como passava maioritariamente os meus dias sozinho, tentava divertir-me ao máximo com o meu Eu interior. Era nestas alturas, em que me descobria. A minha presença no exterior da escola, não era muito agradável perante os outros. Todos me viam com os olhos dos insultos.

A minha pessoa, passava 24 horas por dia, sete dias por semana, 30 dias por mês, 12 meses e 365 dias por ano, solitário.

Porque é que tomei uma atitude tão tarde?

O tempo para mim estava parado, afinal estava a tentar ajudar-me a não chegar a este ponto. Mas, eu cego aos olhos dos insultos, com a alma presa ao mundo exterior, esqueci-me do que realmente era importante para mim: ‘Descobrir quem sou Eu’.

Agora, sei quem sou?

Na verdade não! Tenho sonhos, e um deles era poder viver num mundo sem ter de ouvir criticas pesadas da minha maneira de ser!

Gostaria de construir uma família?

Sim! É um dos meus sonhos! São várias as vezes, em que me imagino com a minha cara metade sentados num jardim, rodeados de pessoas que aceitam a nossa decisão.

Uma despedida de solteiro! Um Casamento! Uma Lua de Mel! Uma viagem acompanhado por ele! A construção de uma casa! A construção da nossa família! A Celebração dos nossos aniversários! Tudo isso poderia e pode acontecer, mas primeiro, o ideal seria um mundo sem Insultos e sem Preconceito!

Foram mais de 17 anos de Bullying. Foram mais de 17 anos de Ciberbullying. Mas hoje, começa a minha eterna felicidade. Hoje, deixarei a procura para trás, e encontrarei finalmente a sensação de Paz!

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