Representatividade, antirracismo e a Folha

Silêncio institucional do jornal é posicionamento e produz efeitos

FONTEPor Andre Degenszajn, da Folha de S. Paulo
Andre Degenszajn (Foto: Reprodução/ LinkedIn)

Sobram razões para questionar a ideia de que o Brasil vive uma “primavera antirracista”. Sob qualquer indicador, os efeitos do racismo são evidentes. Apesar disso, o espaço da questão racial no debate público se expandiu, fruto da atuação dos movimentos negros. E esse processo tem produzido, ao mesmo tempo, avanços e resistências.

A ausência de pessoas negras em espaços de poder é há muito tempo denunciada por intelectuais e ativistas negros, com pouco eco nas pessoas brancas que sempre os ocuparam com naturalidade. Neste contexto, muitas instituições começaram a reconhecer o quanto são brancas. Em algumas delas, esse processo produziu deslocamentos.

Para que seja sustentado, esse movimento de ampliação da representatividade, no entanto, precisa ser acompanhado de mudanças mais profundas. A falta de coerência pode ser a diferença entre um esforço de voo curto —um espasmo antirracista— e o início de um processo de transformação mais efetiva.

A iniciativa da Folha de rever seu conselho editorial, incorporando pela primeira vez pessoas negras, foi um movimento contundente no sentido de uma afirmação antirracista. O anúncio na Primeira Página do jornal do novo conselho reforçava iniciativas igualmente notáveis, tais como a ampliação do número de colunistas negros e a criação de uma editoria de Diversidade, agora sob responsabilidade de Flavia Lima, que foi também a primeira pessoa negra a ocupar a posição de ombudsman do jornal. Seria cínico não reconhecer o significado dessas mudanças neste que é o maior jornal do país.

No entanto, os desdobramentos da publicação de um artigo que relativiza a escravidão, por um de seus colunistas, explicitaram a falta de coerência na postura da Folha. Um jornal que busca trilhar um caminho de enfrentamento ao racismo não deve promover negacionismos sob o manto do pluralismo.

Uma frase curta, no pé da notícia que tratava da primeira reunião do novo colegiado, informa o leitor de que “a escritora, filósofa e ativista Sueli Carneiro” deixara o conselho “a pedido”. A entrada de alguém como Sueli Carneiro no conselho editorial da Folha diz muito. A sua saída, antes mesmo da realização da primeira reunião, possivelmente diz ainda mais. Trata-se de um fato grave que não foi acompanhado de qualquer explicação ou reflexão pública por parte da Folha. Como resultado, nessa tenda do pluralismo que acomoda racismos há espaço para Leandro Narloch, mas não cabe Sueli Carneiro. O silêncio institucional da Folha é posicionamento e produz efeitos.

Em 2014, na campanha “O que a Folha pensa”, o jornal se manifestou explicitamente contra as cotas raciais, reafirmando visão já elaborada em seus editoriais. Em 2022, a sociedade deverá avaliar os resultados e conquistas dessa política, abrindo nova oportunidade para posicionamento sobre o tema.

Folha, que deu passos importantes no sentido de ampliar a sua representatividade racial, tem a chance de afirmar uma trajetória antirracista e servir de referência a muitas outras instituições —ou se diluir no oceano de ambiguidades que atravessam o combate ao racismo.

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