Resistências!

FONTEPor Brígida Rocha dos Santos, Emília Carla Costa, Lorena Borges, Lucimar Sousa Silva Pinto e Tânia Heloísa de Moraes, enviado ao Portal Geledés
Fotos: Arquivo Pessoal/ Enviado ao Portal Geledés

A Coletiva Negras que Movem reafirma-se no Julho das Pretas, celebrando em seu primeiro um ano de existência, as resistências das mulheres! 

Entre os desafios frequentes das mulheres, pense em ti agora no espaço de trabalho.  E aí, já usaram além da informação e ação, até as suas palavras escritas ou faladas? 

Nós buscamos romper a crença limitante de que a vida é relativamente sem esperança, nós acreditamos no presente e futuro melhor, incluindo-se nas relações de trabalho e nas relações de gênero. Então resistimos, nos expressando e reconhecendo a importância do que construímos e do que somos. Precisamos superar traumas diversos entre eles, os financeiros e sociais que nos impactam tanto, e que vem se ampliado nessa pandemia, pois em período de escassez, privações, incertezas, muita insegurança alimentar, desempregos e ataques aos direitos, sabemos que em razão da nossa cor, gênero e classe, e por estarmos no campo ou nas periferias, muitas das mulheres pretas são as mais violentadas. 

A Emília Carla Costa, do Quilombo Santo Antônio dos Pretos, município de São Luis Gonzaga/MA, nos lembra que no cenário atual do enfretamento a Covid 19, as mulheres quilombolas buscam força para permanecerem de pé diante de mais descaso governamental com a negligência no processo de vacinação. As mulheres quilombolas usam seus saberes tradicionais e espirituais para o enfrentamento a Covid com chás, cascas, ervas medicinais, raízes e lambedores. Durante mais de um ano de pandemia a luta pelo território se agravou com os retrocessos no processo de titulação dos territórios quilombolas, o aumento dos preços dos produtos alimentícios, gás, energia elétrica e combustível tem pesado bastante para as mulheres quilombolas que grande parte são chefe de famílias, criam seus filhos e filhas sem nenhuma ajuda paterna, juntando isso ao conflito territorial e vulnerabilidade agrava-se à violência doméstica. A vida da mulher quilombola tem sido fruto de muitas resistências. A coletividade das mulheres quilombolas das Mulheres Guerreiras da Resistência ao enfreamento as violências a partir do Chão Sagrado tem tecido o fortalecimento da luta pelo território e emancipação das mulheres. 

Nossos corpos sofrem as violências, muitas mulheres são reprimidas pelas opressões para não revelarem suas forças e energias vitais de transformações. Porém nos refazemos, acreditando que existirá ainda respeito e equilíbrio entre seres humanos, seres vivos, a natureza, as águas, terra e o território, entre o feminino e o masculino. 

Como cita a senhora Lucimar Sousa Silva Pinto, quebradeira de coco babaçu, lá do sitio Raízes em Pirapemas/MA: “A natureza é e sempre será parte mais importante para todos nós. Por isso precisamos cuidar da saúde dela. A partir do momento que cuidamos dela encontramos força e equilíbrio. Nós produzimos nossos alimentos saudáveis e cura para o corpo e a alma. A mãe terra chegou a ponto de sentir dores rasgando suas partes mais sagradas de sua vida. Dores de partos. Nós mulheres, todas as mulheres, somos terra água e luz. No passado as mulheres buscavam suas curas na mãe natureza. Hoje quase foi esquecida. Agora acordamos, vamos prosseguir”. 

A Lorena Borges, de Minas Gerais nos lembra que segundo dados do PNUD  o território brasileiro é composto por 25% de Comunidades Tradicionais, esses povos têm formas próprias de organização social, ocupam e usam os territórios e recursos naturais para manutenção de sua cultura, ancestralidade e religiosidade e apesar da participação dos povos tradicionais na construção desse país somos sistematicamente violados, e neste momento em que o país vivência os graves efeitos da pandemia do covid 19 seguimos desassistidos pelo poder público que ignora a falta de acesso a saúde, educação e a assistência social, sendo necessário a essas comunidades mais uma vez ser resilientes e buscar estratégias próprias para garantir alimentação e outros recursos essenciais a vida.

Pertencemos e nos interligamos onde novas possibilidades e realidades se constroem constantemente e assim resistimos, com legitimação da importância de cada uma, buscando alternativas e incentivando o autocuidado. 

Conhecimentos nos pertencem, por isso vamos ousar das nossas oralidades e escritas, vamos continuar com nossas principais formas de nos mantermos vivas. Escutando, falando, expressando e reafirmando nossa ancestralidade e a nós mesmas, futuras ancestrais. 

Como escreveu Tânia Heloísa de Moraes, do Quilombo Ostra, município de Eldorado no Vale do Ribeira/SP sobre a sua vozinha, e representa a história de muitas de nós, seguem trechos de sua carta para a avó Zinzina: 

“Vozinha, me orgulho a cada dia da minha mudança, vivência e meu aprendizado e a valorização de liderar como mulher negra e quilombola. Nunca pensei que todos os sofrimentos que a senhora viveu, hoje estou aqui lutando pra ver mais resultados positivos. Nossa como é difícil lutar e defender até o direito de falar e ser ouvida. Mas sabe vó, desde quando você partiu, bem no momento de pandemia pela covid 19, que não teve nossa tradição de velório que a comunidade a família faz, de fazer um belo almoço e janta e café, as piadas e conversa na madrugada para passar a noite… Doe em dobro a sua despedida, mas sei que me deixou coisa super importante, o respeito de ouvir os mais velhos e os irmãos, a cultura, o chá alimentos, as tradicionais falas e sotaque, histórias da vivência e a sua simpatia. Então minha veia, sei que ainda tenho muito pra aprender, mas vamos vivendo cada momento né… Só posso dizer que desde quando entrei no movimento junto com meus irmãos e irmãs quilombolas, na defesa do território, que é nosso por direito como diz a  Constituição Federal em seu artigo 68, juntos  lutando contra a falta da regularização fundiária, contra barragens, central elétrica, mineração, plantação de pinus e eucaliptos, ocupação de parques em cima de territórios, contra agronegócio etc…Isso me deixou mais resistente ainda, poder lutar por uma terra que foi da senhora e do meus pais e de seus avós é uma força enorme de continuar resistindo defender ainda mais o território pra ter  a nossa identidade e autonomia, principalmente na luta por direito básico como : saúde, educação, a segurança e a igualdade. Ah, vozinha talvez ai no céu a senhora não esteja entendendo nada o que estou dizendo, mas sou desafiada a cada momento, como o racismo estrutural, machismo e ameaça ao nosso território, principalmente este governo genocida, pelo feminicídio, por falta de políticas públicas, e isso tudo pra nos calar, mas ao contrário, vem é me deixando mais preparada, e confiante da grande mudança na minha vida, por me envolver na luta e na valorização da minha cultura e no símbolo de mulher negra, mãe, filha, neta e esposa. Pois além deste cuidado e dessas lutas enfrentado aqui no Vale do Ribeira, que também possamos ser acolhidas e lembradas em todos os momentos por nós mesma e pela nossa comunidade, seja no território ou fora dele, e que a nossa voz seja ouvida”. 

Nossas ancestrais e antepassadas estão sempre presentes no cotidiano, sim nós sentimos nessa pandemia a dor de não podermos ver e ouvir as mesmas, mas lhes sentimos e reconhecemos a importância de tudo que construíram e lutaram para aqui estarmos. 

Diante das inúmeras práticas genocidas recorrentes no Brasil, nós mulheres pretas construímos nossa permanência nos diversos espaços e modos para nos manter vivas, acreditando sempre que resistimos com as nossas ancestrais, novas sementes germinam e bons frutos colhemos. Em cada canto, plantas, saberes e a cada passo elas se interligam, se conectam com a natureza e suas múltiplas fé para conseguirem liberdades, respeito e justiça social. Combinamos de nos manter unidas contra os preconceitos, patriarcados, machismos e contra todas as formas de violências. Decidimos seguir em frente, conectadas de distintas formas e partilhas de saberes nos territórios físicos, espirituais, intelectuais, sociais, entre outros as pretas que já integram a Coletiva Negras que Movem seguirão juntas ecoando e registrando nossas vozes.

Autoras: Brígida Rocha dos Santos, Emília Carla Costa, Lorena Borges, Lucimar Sousa Silva Pinto e Tânia Heloísa de Moraes

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

-+=
Sair da versão mobile