A Revolta dos Malês

O conhecido sociólogo e escritor Clóvis Moura em entrevista concedida à Secretaria de Cultura da UNE – reproduzida pelo Centro de Cultura Operária da Bahia (CCO), cujo tema abordado era a “Cultura Afro-Brasileira” – afirmou que em nosso país “existe uma história que não é contada, e nela estão os heróis que temos de mostrar que existem”. Acrescentou: “tínhamos necessidade de rever essa história e recolocar no seu devido lugar os heróis da plebe”.

Em 24 de janeiro de 1835 irrompia em Salvador, uma insurreição armada, que passaria à história como Revolta dos Malês ou a Grande Insurreição. Esta revolta faz parte de um grande ciclo de rebeliões ocorridas na Bahia desde o início do século XIX, e que se estenderia até o ano de 1844. Estas insurreições, todas levadas a efeito por negros inconformados com o cativeiro, estão povoadas desses “heróis da plebe” e fazem parte de nossa história que precisa ser revista, ou mesmo resgatada do proposital e determinado obscurantismo a que foi relegada.

Considerada a última grande revolta de escravos da capital baiana, a Revolta dos Malês, que ora completa 150 anos, merece ser relembrada e contada a todos aqueles que se interessam pela verdadeira face da história do Brasil.
A Bahia do século XIX era, por um lado, uma província que tinha sua economia baseada na exportação de produtos agrícolas, especialmente o açúcar. Por outro, a carestia de vida era assustadora, havendo a falta de víveres no mercado, tendo os mesmos, em conseqüência, preços elevadíssimos. A produção voltada essencialmente para o mercado exterior, era diretamente responsável por tal estado de coisas. Um economista da época, citado por Clóvis Moura em Rebeliões de Senzala, , diria: “os donos da terra não queriam perder os preciosos torrões de massapé com a mesquinha plantação de mandioca”.

Em que pese a triste e penosa situação dos pequenos e médios produtores e da população em geral, o açúcar – gênero que ocupava a primeira colocação no conjunto da economia, atingiu, em 1817, 1.200 arrobas na produção de 511 engenhos. Vale ressaltar que toda essa produção era baseada no trabalho escravo. Era forte a presença deles no conjunto da população; de 858 mil habitantes, havia 524 mil escravos, excluídos índios e negros forros, que viviam como se fossem cativos.

Diante de tal quadro de miséria e opressão, não se podia estranhar que as autoridades do regime concentrassem na Bahia forte contingente policial-militar, contando com um total de 23.070 homens, dos quais 2.169 pertenciam à infantaria, 747 à artilharia, 222 à cavalaria e 19.932 compunham a milícia (tropa auxiliar). Toda essa força estava agudamente voltada contra “os escravos dos engenhos, das plantações e das cidades”.

 O PAPEL DA IMPRENSA

A influência desta sufocante realidade transportou-se para a vida política da Bahia, surgindo, então, “clubes secretos, lojas maçônicas, grupos intelectuais que, na Faculdade de Medicina, no Liceu Provincial e em outros locais, discutiam as idéias avançadas da época e pregavam a República, o Federalismo, e algumas vezes o separatismo, como no episódio da Sabinada em 1837″. No seio desta crescente agitação político-social, a imprensa baiana do período reclamava e denunciava a situação, exigindo providências do governo. De 1831 a 1837, circulavam na Bahia, nada menos de sessenta jornais. Alguns jornalistas de talento e coragem se destacavam, como Cipriano Barata, Antônio Pereira Rebouças, Inácio Acioly e outros que, em seus jornais, “agitavam os problemas de seu tempo com destemor”. Marcam posições nessa época o Sentinela da Liberdade, de Cipriano Barata, o Diário da Bahia, de Gonçalves Martins e a Marmota, de Próspero Diniz, cujo lema era “sou pequenininha, porém sou forte, digo a verdade e não temo a morte”.

O desassombro e a intrepidez dos jornalistas baianos vão custar-lhes bastante caro. Assim, Guedes Cabral cumpriu sentença na Fortaleza do Barbalho, por seus artigos contra os senhores de escravos. Fortunato Freitas, outro combativo jornalista, foi demitido de seu emprego e posteriormente sofreu agressão, e Domingos de Faria Machado apareceu morto, súbita e misteriosamente. Paralelamente a esse jornalismo participante e destemido, surge também uma literatura popular e combativa, , “até hoje pouco estudada”, mas que influi nos acontecimentos. Neste particular, sobressai-se a poesia, satírica e “conscientemente política”. Dentre os poetas que utilizam esses gêneros, emerge a figura de João Nepomuceno da Silva, popularmente conhecido como o “Poeta Graxeiro”.

O povo padecia enormemente. No entanto, a província exportaria 17.142.260 k de açúcar e 26.400.880 k de fumo. Mas a riqueza continuaria ilhada na mão da maioria detentora dos setores básicos da economia, enquanto o povo continuaria sofrendo e vivendo em precária e calamitosa situação.

Perdurava na Bahia esse quadro e também agravava-se a crise geral do país, criando-se dessa maneira uma conjuntura desfavorável ao governo imperial. Os farrapos levantam-se no Rio Grande do Sul; em Pernambuco, os escravos insubordinam-se nas fazendas, justiçando feitores. No Pará, em 1883, os cabanos revoltam-se contra a prepotência dos governantes. Tais lutas ganhariam tamanha força e ascensão que o governo imperial, avaliando o risco do “aumento ininterrupto do número de escravos”, proibiu em 1850, definitivamente, a entrada de africanos no país, extinguindo o tráfico.

 SUCESSIVAS REVOLTAS

Dentro desse perturbador quadro político, social e econômico “o capítulo das revoltas de escravos da capital baiana abrange quase toda a primeira metade do século XIX e marca de maneira funda esse período da história da província”. Essa rica cronologia de lutas dos cativos baianos teve início em 1807 e se estende por vários anos. Antes de descrevermos os acontecimentos de janeiro de 1835, mostraremos sucintamente e por ordem cronológica algumas das insurreições negras ocorridas na Bahia.

1) 1807-1813 – Esse primeiro ciclo inicia-se com a revolta dos Aussás que terá a direção de escravos maometanos. Sofrendo um revés inicial, os rebeldes “recomeçaram a organização de outro movimento, que ainda será dirigido pelos escravos Aussás”, agora já associados aos Nagôs. Prosseguem a luta e, em 1808, voltam a levantar-se. A 4 de janeiro de 1809, “iniciam juntos a ação com grande violência, atacando indistintamente a todos”. Nesse período da luta contra o cativeiro os negros estruturam uma associação secreta – Ogboni – que tem como finalidade aliciar escravos para a luta.

Na madrugada de 28 de fevereiro de 1813, cerca de 600 escravos de algumas armações levantaram-se e marcharam para ocupar a capital. Promoveram ataques contra senzalas, liquidaram a família de um feitor e mataram-no, seguindo para Itapoã, onde obtiveram outras adesões.

2) Revolta de Cachoeira – 1814 – Rebelião eclode na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano.

3) Revolta a Bordo – 1823 – Durante a viagem para o Brasil, ocorriam amotinações de escravos inconformados com as precárias condições de sobrevivência a bordo. Em 1823 “os escravos de um tumbeiro que se dirigia provavelmente à Bahia, amotinaram-se e mataram inúmeros tripulantes do barco”.

4) Insurreição de 1830 – Esta insurreição iniciou-se a 10 de abril de 1830, tendo sido o primeiro ataque, desferido contra uma loja localizada na ladeira da Fonte das Pedras. Esse motim ganharia proporções consideráveis e merece um estudo mais apurado. Em 10 de abril deste ano completa 155 anos.

 OS MALÊS SE LEVANTAM

Completando esse ciclo de lutas, chegamos à revolta de janeiro de 1835, a tão discutida e comentada Revolta dos Malês, movimento de considerável força organizativa e exemplo vivo de inconformismo e da coragem dos negros cativos que, submetidos a um regime de refinada crueldade e altamente repressivo, souberam buscar tenazmente o caminho da liberdade.

A revolta de 1835, a última grande revolta de escravos da capital baiana, “foi a que teve maior ressonância histórica”. Esta afirmação de Clóvis Moura, talvez possa estabelecer uma clareza maior para o variado acervo de interpretações que, partindo de Nina Rodrigues em sua obra Os Africanos no Brasil, procura atribuir à grande insurreição uma feição apenas religiosa, despojando-a de seu caráter revolucionário. É inegável que os escravos já demonstravam possuir “um certo nível organizativo”.

Comprova esta capacidade organizativa, a afirmação de Manoel Alves Branco, ministro da Justiça da época, que em seu relatório afirma ter sido esta rebelião “a dirigida com mais habilidade e plano regular”.

Os negros Malês eram seguidores da religião islâmica. Segundo Waldemar Valente em Sincretismo Religioso Afro-Brasileiro, “costumavam os malês pendurar ao pescoço um pequeno saco contendo pedaços de papel nos quais se encontravam trechos do Corão. Tinha força de proteger contra as más influências”.

No período organizativo da insurreição as lideranças rebeldes procuraram estabelecer contatos e aliciamentos, ligando-se às diversas “nações” como Iabus, Beninis, Minas, Geges, Mundubis, Tapas, Bomus, Baribas, Grumas, Calabares, Camarões, Congos e Cabinadas. As reuniões se realizavam em diversos locais de Salvador. “Além das organizações existentes, constituídas de grupos de escravos que se reuniam regular e secretamente em vários pontos da cidade de Salvador, os escravos criaram um clube que funcionava na Barra (Vitória). Localizava-se o Clube nos fundos da casa de um inglês chamado Abraão, tendo considerável importância para as medidas organizacionais do movimento. Era uma casa de palha construída pelos próprios escravos. Neste local havia reuniões, onde tomavam parte como principais dirigentes os pretos Nagôs, Diogo, Ramil, James, Comélio e Tomás”. Este último “ensinava os demais a escrever (corretamente em caracteres arábicos).

O PROCESSO CONSPIRATIVO

Sabe-se que esse clube era apenas um dos diversos lugares onde se realizavam reuniões conspirativas. Outro local importante de reunião era a casa do preto liberto Belchior da Silva Cunha, onde se encontravam os elementos mais importantes para discutir os detalhes mais essenciais do Plano.

Segundo depoimento da escrava Tereza, “os escravos que se reuniam nesse local, recebiam a visita amiúde de um mestre que é escravo de um homem que faz fumo”. Os encontros na casa de Belchior ocorriam “umas vezes de dia e outras à noite”. Sabe-se que aí reuniam-se os principais líderes do levante, traçando planos e discutindo com elementos do Recôncavo, de outras partes da cidade e possivelmente com quilombolas. No depoimento da preta Tereza às autoridades, ela revela os nomes de alguns desses líderes: Ivã, Mamolin, Ojou e outros.

Ainda como centro de preparação conspirativa, serviu a casa de Pacífico Licutan “que, no cruzeiro de São Francisco pregava abertamente aos demais escravos a necessidade da insurreição”. Esse negro – um dos mais influentes dentre os líderes da revolta – sabia ler e escrever, ensinando aos demais os mistérios e rezas malês. Pacífico Licutan, embora tenha desempenhado papel relevante na preparação da revolta, dela não participou, por estar preso sob penhora, por dívida do seu senhor com os frades carmelitas. Durante a rebelião, os escravos sublevados tentaram libertá-lo, sem o conseguir.

Outra destacada figura do movimento foi o negro Manuel Calafate. Na loja porão do segundo prédio da ladeira da praça, onde morava, reuniam-se conspirando. De lá partiram os primeiros tiros da insurreição, depois do movimento ter sido delatado.

Aparecem ainda as figuras dos escravos Camada, Aprígio e Elesbão Dandara, que morava no Gravatá. Mas, para melhor desenvolver o seu trabalho conspirativo, alugou uma tenda no Beco dos Tanoeiros, onde difundia rezas muçulmanas.

Os insurretos reuniam-se ainda na Porta do Convento das Mercês, sob a direção de Agostinho e Francisco (escravos do convento). Atrás da rua do Juliano, na casa de um preto chamado Luís; na casa do preto Ambrósio, de Nação Nagô, residente no Taboão, onde a polícia, depois do movimento, encontrou papéis com escritos em caracteres arábicos. Também a casa do crioulo José Saraiva e da Preta Engracia servia como local de ajuntamento dos revoltosos. Na residência de um inglês chamado Malror Russel “foram apreendidos vários objetos”. Aliás, a participação de vários escravos de ingleses no levante, despertou na polícia a suspeita de cumplicidade dos mesmos na revolta.

Vale ressaltar, ainda, dentro do Plano Organizativo do Levante um dado de grande importância: “os escravos não desprezaram o problema financeiro e criaram um fundo para as despesas do movimento”. A idéia foi de Luís Sanim, e ao que tudo indica executada por Belchior e Gaspar. Do ponto de vista organizativo podemos chegar à seguinte conclusão: “dois grupos principais orientavam e dirigiam o movimento: o primeiro era o que se reunia na cidade, com ramificações em diversos lugares, Ladeira da Praça, Guadalupe, Convento das Mercês, Largo da Vitória, Cruzeiro de São Francisco, Beco do Grelo, Beco dos Tanoeiros etc., dirigidos por Dandara, Licutan, Sanim, Belchior, Calafate e outros, e o fundo formado por escravos pertencentes ao Clube da Barra, sob a direção de Jamil, Diogo. James, Tomás etc., certamente com ligações com outros grupos”.

Esses dois grupos principais mantinham-se em constante contato, sendo que o escravo João, em depoimento aos policiais, “afirma que o negro de nome Sule (amásio de Guilhermina, delatora da revolta e que pertencia ao Grupo de Belchior) reunia-se também no Clube da Barra”. Por outro lado, esta rede organizativa estendia seus contatos aos escravos do Recôncavo Baiano, sendo que negros de Santo Amaro e Itaparica iam reunir-se aos da cidade de Salvador, para discutirem detalhes do movimento. Inclusive destas conversas e através de saveiros é que a preta escrava Guilhermina “conseguirá a pista e denunciará a insurreição”.

AS TÁTICAS MILITARES

O plano militar elaborado com detalhes e com antecedência e tendo suas conclusões “distribuídas entre os principais responsáveis”, seria resumidamente este: “partiria o grupo da Vitória comandado pelos chefes daquele clube, tomando a terra e matando toda a gente da terra de branco, rumando para a Água de Meninos e, em seguida, marchariam para o Cabrito atrás de Itapagipe, onde se reuniriam aos escravos de engenhos e quilombolas”. Essas instruções foram transmitidas aos líderes negros “com a assinatura de um que se intitulava Mala Abubaker”.

Destituídos do fator surpresa em virtude da delação cometida pela negra Guilhermina que, “inteirada através de conversa de conspiradores, entre os quais o próprio amásio, apressou-se em denunciar o plano às autoridades”. Segundo Clóvis Moura, “a cidade ficou em pé de guerra. O chefe de polícia partiu imediatamente para o Bonfim, a fim de evitar a junção dos insurretos com os dos engenhos próximos e os quilombolas”. A unidade dos escravos urbanos com os dos engenhos e quilombolas sempre apavorou as autoridades da época.

Impelidos pelas circunstâncias, os revoltosos “lançaram-se à carga de qualquer maneira: as batidas já haviam começado em suas casas. No dia 24 de janeiro estourou o movimento armado”.

Os primeiros tiros partiram da casa de Manuel Calafate, onde os revoltosos atacados, revidaram e passaram à ofensiva dirigindo-se então para a Rua da Ajuda “onde tentaram arrombar a cadeia a fim de libertar Pacífico Licutan”, não conseguindo lograr êxito. O grupo marcha para o Largo do Teatro, onde trava combate com a polícia derrotando-a pela segunda vez. Essa vitória tinha aberto “caminho para atingirem o Forte de São Pedro. No entanto, com as forças que dispunham era impossível tomar o Forte de artilharia”. Buscam, então, outras alternativas. “Os escravos vindos do Largo do Teatro tentaram estabelecer junção com outra coluna que vinha da Vitória, sob o comando dos dirigentes do Clube da Barra. Esses, por sua vez, já haviam conseguido unir-se ao grupo do Convento das Mercês. Os escravos da Vitória operaram a junção planejada, abriram caminho para a Mouraria onde travaram combate com a polícia, sendo que neste combate perderam dois homens. Rumam, então, para a Ajuda; daí estabelecem uma mudança de rumo na sua marcha: desceram para a Baixa dos Sapateiros, seguindo pelos Coqueiros.

Saíram na Água de Meninos, na Cidade Baixa, onde travaram o combate definitivo com a polícia, de grandes proporções”.

 A BRUTAL REPRESSÃO

Esse combate, a 25 de janeiro de 1835, revestiu-se de uma violência brutal. Os escravos se dirigem em grande número para o ataque durante a madrugada. “Investiram sobre o Forte (de cavalaria) com um heroísmo reconhecido pelos próprios adversários. A cavalaria carrega contra os escravos que caem, varados também por uma força de infantaria postada nas ameias do Forte. Verdadeira carnificina. Perderam a vida cerca de quarenta escravos. Inúmeros foram feridos e outros morreram afogados ao tentarem a fuga lançando-se ao mar próximo. Estava praticamente sufocada a Grande Revolta de escravos da capital baiana”.

Depois da derrota inicia-se feroz e brutal repressão. O chefe de polícia, Francisco Gonçalves Martins, “ordenara uma devassa completa em todas as casas e lojas pertencentes a pretos africanos, dando rigorosa busca para a descoberta de homens. A cidade ficou sendo patrulhada dia e noite. Os escravos só podiam sair à rua com ordem escrita de seus senhores, dizendo para onde iam. Diz ainda a portaria do chefe de polícia: “nas noites de hoje em diante deverão haver patrulhas de cidadãos e grande vigilância das autoridades policiais”.

Esmagada a revolta, os seus líderes se portaram dignamente. “Pacífico Licutan já se encontrava preso. Houve aqueles que se destacaram nas lutas de rua: Higino, Cornélio, Tomás e muitos outros. Os principais dirigentes do Clube da Barra foram quase todos detidos”. Luísa Main, negra livre, mãe de Luís Gama, participou do movimento. Foram indiciados como cabeças dos escravos revoltosos do Clube da Barra, os escravos: Diogo, Ramil, João e Carlos. Também Luís Gama foi preso. Foram quase todos julgados e condenados.

Dos principais líderes, Elesbão Dandara, segundo Nina Rodrigues, endossado por Edson Carneiro, teria morrido em combate. “Manuel Calafate, ao que parece, nada sofreu. O mestre Luís Gama foi condenado à morte, mas teve a pena atenuada para seiscentos açoites. Pacífico Licutan, apesar de preso no transcorrer da revolta, foi condenado a seiscentos açoites também. Os líderes do Clube da Barra foram rigorosamente punidos:
Antônio, escravo aussá, foi condenado a quinhentos açoites; Higino a quatrocentos; Tomé a quinhentos; Luís foi castigado com duzentos açoites e Tomás, o mestre que ensinava a ler, a trezentos açoites em praça pública”.

Houve ainda os que foram penalizados com a morte: “Cinco foram os que pagaram com a vida, por não querer viver no cativeiro. No dia 14 de maio de 1835 eram fuzilados. Foram eles: os libertos Jorge da Cunha Barbosa e José Francisco Gonçalves e os escravos Gonçalo, Joaquim e Pedro. Condenados à forca, não encontrou o governo carrascos que os executassem. Tiveram de ser fuzilados com honras de soldados”.

LIÇÃO DE CORAGEM

É verdadeiramente magnífico o comportamento dos escravos diante de seus acusadores. “Quase ninguém se acovarda, delata, acusa. Negam conhecer seus companheiros de insurreição. O nagô Joaquim diz desconhecer até seu companheiro de residência. O nagô Henrique, gravemente ferido e já sentindo os sintomas do tétano que o mataria horas depois, impossibilitado de sentar-se, já preso às convulsões, declarou que não conhecia os negros que o convidaram a tomar parte na insurreição e que mais não dizia por não ser gente de dizer duas coisas. O que disse está dito até morrer”.

Do lado repressor as baixas foram consideravelmente menores. Registra-se a morte de um soldado de artilharia e de um sargento chamado Tito Joaquim da Silva Machado. Alguns civis foram também feridos.

Da gloriosa insurreição de 1835 todos os patriotas verdadeiramente comprometidos com a luta do povo brasileiro rumo à sua libertação podem tirar lições várias e valiosas. É verdade que os revoltosos não possuíam um programa político, o que é perfeitamente compreensível, dadas as condições em que se encontravam. Mas possuíam uma força poderosa capaz de uni-los e mobilizá-los. Esta força era o desejo unificador pela conquista da liberdade.

Tiraram de todas as lutas passadas na província (1807, 1813, 1830) o máximo de ensinamentos.

Em seu recente estudo Brasil: as raízes do protesto negro, o já citado sociólogo Clóvis Moura afirma sobre o negro: “a sua reumatização só era encontrada e conseguida pela rebeldia, na sua negação como escravo”.

Espelhados nesta colocação do estudioso, podemos chegar à conclusão de que não só o negro brasileiro de hoje, mas o conjunto das forças democráticas e populares, só reencontrarão sua identidade cultural e só resgatarão sua independência na derrocada das forças reacionárias e na caminhada firme em busca de uma vida digna e respeitável.

 

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