Criada em 2012 pelo ator Lucas Weglinski, a Cía dos Prazeres, sediada no Morro dos Prazeres, em Santa Tereza, apresentará o espetáculo “Salve os Prazeres” no Morro do Pereirão, em Laranjeiras, dia 24; e na Lona Cultural Herbert Viana, na Maré, no dia 30. “A Cía dos Prazeres já nasceu na favela, ela é orgulhosamente favelada, de dentro da comunidade e vive todas as questões pertinentes a quem pertence a comunidades, favelas e periferias. Toda essa riqueza e violência, onde o teatro e todas as artes deveriam ter a obrigação de trabalhar”, diz Weglinski
A Cía dos Prazeres, companhia de teatro criada em 2012 pelo ator Lucas Weglinski e sediada na favela Morro dos Prazeres, em Santa Tereza, apresentará o espetáculo “Salve os Prazeres” no Morro do Pereirão, em Laranjeiras, dia 24; e na Lona Cultural Herbert Viana, na Maré, no dia 30.
“A Cía dos Prazeres já nasceu na favela, ela é orgulhosamente favelada, de dentro da comunidade e vive todas as questões pertinentes a quem pertence a comunidades, favelas e periferias. Toda essa riqueza e violência, onde o teatro e todas as artes deveriam ter a obrigação de trabalhar”, diz Weglinski.
Nascida numa oficina para 60 moradores do Morro dos Prazeres, apenas seis continuam trabalhando regularmente com a companhia: “Por falta de verba a companhia foi se esvaziando, pois no morro todo mundo tem de trabalhar desde cedo. Perdemos grandes atores para subempregos e bicos. Mas os que permaneceram conosco puderam aprofundar e participar de todos nossos laboratórios, pesquisas e espetáculos. Existem muitas resistências, a primeira de todas é a religiosa, a maior parte dos moradores do Morro dos Prazeres é evangélica e considera o teatro como “macumba” e, logo, vedado para eles”.
Leia abaixo à reportagem completa.
Por cultura.rj
Dionísio no Morro dos Prazeres
Companhia fundada pelo ator Lucas Weglinski se destaca como espaço de pesquisa e criação artística na favela de Santa Teresa, no Rio
Formado em Direito, Lucas Weglinski trabalhava com vídeo e estava filmando um espetáculo no Teatro Oficina quando algumas atrizes que interpretavam as bacantes tiraram suas roupas e o puxaram para a cena. Não conseguiu mais sair: em um “processo visceral e incrível”, atuou em mais de 15 peças do grupo, produziu filmes de todas elas e foi diretor executivo da companhia, onde permaneceu por sete anos.
Depois de trabalhar em oficinas de teatro para Canudos, Quixeramobim, Inhotim, e também para a Croácia, Alemanha e Portugal, Lucas trouxe sua pulsão teatral para o Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, onde criou uma companhia “orgulhosamente favelada” que transforma os moradores em atores e as ruas em palcos. Um pouco dessa história está em Salve os Prazeres, terceira peça da Cía dos Prazeres, que será apresentada ao longo do mês de maio – dias 17 e 18 no Morro dos Prazeres, dia 24 no Morro do Pereirão e dia 30 na Maré.
O ator falou ao cultura.rj sobre a Cía dos Prazeres, seus frutos e parcerias, e destacou a efervescência criativa das favelas cariocas: “Hoje aqui na cidade do Rio de Janeiro, os trabalhos de teatro mais originais e instigantes vêm justamente das companhias e coletivos das favelas e da periferia, que são quem faz mais pesquisa, laboratório, quem mais pensa a cidade”, conta Lucas, que defende a conexão desses grupos.
Como surgiu a Cía dos Prazeres?
A Cía dos Prazeres nasceu em 2012, na ocasião do também nascimento da FLUPP, cuja sede foi o Morro dos Prazeres. A convite de Heloísa Buarque de Hollanda busquei criar um acontecimento teatral que celebrasse o autor homenageado, Lima Barreto. De início chamei a atriz Luciana Fróes, o cantor Negro Léo e o cineasta Joaquim Castro para criarmos uma performance que misturasse jogos de teatro, música ao vivo e videoinstalações e, como prato principal, Lima Barreto. Resolvemos oferecer oficinas de teatro, música e vídeo e logo tínhamos um time de 60 adolescentes que durante dois meses frequentaram nossas oficinas transmídias. Juntos criamos o espetáculo Lima Barreto dos Prazeres – Do Subterrâneo do Morro ao Cemitério dos Vivos: Rasga Coração!, um espetáculo de coro grego negro que cantava a vida de Lima, percorria suas obras e relatos sobre a cidade do Rio de Janeiro até a sua internação no hospício, o cemitério dos vivos. Na nossa peça, Lima encontrava-se num hospício imaginário que ocupava um casarão secular que foi de Vital Brazil logo na entrada do Morro dos Prazeres. Lá, ele encontrava outros loucos geniais como Estela do Patrocínio, Bispo do Rosário, Hilda Hilst, Ernesto Nazaré, a própria Nise da Silveira e também Antonin Artaud (ou Rubem Correa) acompanhado de Joana D’Arc, o jovem Rimbaud, Amy Winehouse e até o suicidado da sociedade Vincent Van Gogh, interpretado magistralmente por Igor Santos, jovem morador do morro.
Qual foi o seu objetivo ao criar a Cía dos Prazeres, e qual é a proposta da companhia?
Ao criar a Cía dos Prazeres desejava poder participar de uma companhia que adorasse longos e profundos processos, onde pudéssemos estudar bastante e mergulhar em laboratórios e pesquisas tanto de formas novas como também novos conteúdos, que fossem genuinamente brasileiros mas ao mesmo tempo fossem também universais, cósmicos! Eu vinha de uma experiência fantástica de sete anos trabalhados intensamente no Teatro Oficina em São Paulo, dirigido pelo Zé Celso Martinez Corrêa. Depois de viver obras como Os Sertões, de Euclides da Cunha, As Bacantes de Eurípedes e Vento Forte e Cacilda, ambas de autoria do próprio Zé Celso, eu queria poder ter trabalhos que tivessem essa mesma pesquisa e entrega e que fosse um enorme laboratório das artes e ciências humanas que é o teatro e que ainda passasse pelo vídeo e o cinema (outra raiz minha como artista) e que fosse um grupo de trabalho com todo tipo de gente, de todas as idades, cores, classe sociais e regiões geográficas. Que tivesse uma interpretação inteligente da cidade em que vivemos e que pudesse atuar ativamente na transformação desta cidade e que o grupo pudesse subir o morro e adentrar as favelas, pois esse público é o que sempre me interessou tanto para trabalhar junto como para apresentar os trabalhos.
A Cía dos Prazeres já nasceu na favela, ela é orgulhosamente favelada, de dentro da comunidade e vive todas as questões pertinentes a quem pertence a comunidades, favelas e periferias. Toda essa riqueza e violência, onde o teatro e todas as artes deveriam ter a obrigação de trabalhar. Hoje, além de levantar as questões relativas à nossa realidade enquanto grupo e enquanto artistas, temos também um superobjetivo de nos conectar e criar formas de colaboração entre as companhias e coletivos que atuam nas favelas, comunidades e periferias. Este ano de 2014, em que completaremos 3 anos de existência ininterrupta, resolvemos dedicar à criação destas conexões e já estamos colhendo os frutos.
Como têm sido essas conexões e com quais grupos?
Iniciamos o ano com um espetáculo em conjunto com a Cia de Mystérios e Novidades celebrando o centenário do incrível Abdias do Nascimento em pleno Cais do Valongo – depois ainda apresentamos na Praça da Harmonia, na Gamboa, e agora vamos oferecer esse rito ao Morro dos Prazeres encerrando nossa temporada de Salve os Prazeres, trabalho no qual aliás pudemos fortalecer nossos vínculos de colaboração com aCia Marginal, através do ator e músico Rodrigo de Souza e com oColetivo Morrinho – através de seu corifeu Cirlan Oliveira, nosso Oráculo de Delphos. Durante o processo de nossa próxima peça, vamos dar oficinas em três Arenas Culturais da Prefeitura, para os grupos locais do entorno de cada Arena e inseri-los nos nossos espetáculos, pois não há nada melhor que possamos dar do que nosso trabalho apaixonado!
“Salve os Prazeres” é o terceiro espetáculo da companhia, é um circuito teatral pelo morro. Como ele acontece e como foram os anteriores?
Depois do nosso primeiro espetáculo, Lima Barreto dos Prazeres, nos juntamos ao Coletivo Cine Fantasma, que trata de urbanismo e memória da cidade, para nossos primeiros laboratórios de rua paraHéLioGaBaaLo, a pesquisa sobre Artaud da Cía dos Prazeres que resultou numa trilogia de peças e se encontra em pleno processo de criação da segunda parte, chamada Origem dos Mitos Solares: Ás JúLiaS. Durante dois anos mergulhamos numa pesquisa sobre Artaud e HéLioGaBaaLo que resultou no espetáculo HéLioGaBaaLo: A Guerra Primal dos IníCíos. Antes da estreia na Arena do Sesc Copacabana, fizemos laboratório em parceria com o Coletivo Bota na Roda e apresentamos uma prévia da peça em plena encruzilhada no Beco do Rato para duas mil pessoas numa noite memorável e indescritível.
Em 2014 já viramos o ano criando nossa parceria com a nossa cia de teatro irmã, que é a Cia de Mystérios e Novidades. Agora em maio estreamos Salve os Prazeres, uma meditação peripatética pelo Morro dos Prazeres, um labirinto afetivo pelo lugar onde nascemos e que agora cantamos sua histórias, sob as bênçãos de Mnemosine, a deusa Memória, resultado de dois meses de trabalho árduo e diário com os moradores da comunidade do Morro dos Prazeres. Provocamos nossos jovens atores e buscar a memória de sua comunidade, qual seu trajeto afetivo pelo morro, quem são as pessoas que todos conhecem pelos feitos, como os antigos heróis gregos eram lembrados pelas suas ações pelo coletivo, pela comunidade. Assim fomos percorrendo caminhos, visitando casas, conhecendo avós, tias e velhos moradores que ainda mantinham viva a memória da comunidade. Dessa forma nos deixamos afetar pelo Morro dos Prazeres para construir toda narrativa de nossa pesquisa e ao mesmo tempo afetando diretamente não apenas os moradores que trabalham dentro da Cia, mas toda essa rede afetiva que foi se criando conforme a pesquisa ia se desdobrando e afetando mais pessoas que afetavam a rede com novas histórias e novos afetos que se somavam e expandiam nosso círculo de atuação.
A Cía dos Prazeres conta com quantos integrantes?
A cada peça o número de integrantes varia de acordo com as necessidades do processo e também pelos imprevisíveis encontros que o próprio processo proporciona. Hoje em Salve os Prazeres somos vinte e três atores, sete músicos, cinco cineastas, uma fotógrafa, um figurinista, um aderecista, um designer, uma assessora de imprensa, uma diretora de comunicação, três produtoras, uma diretora de cena, um técnico de som, um contrarregra e um gaffer e mais alguém que devo ter esquecido… Sei que totalizamos 45 pessoas entre profissionais e aprendizes que trabalham e criam juntos. Usamos sistematicamente o método de oficinas em todas as criações sempre abrindo espaço para aprendizes e oficineiros que, na prática, não só criam vínculos profissionais reais como vínculos afetivos fundamentais dentro de um projeto coletivo. Hoje metade do nosso elenco é do Morro dos Prazeres (12 atores e um cineasta aprendiz). Mas na outra metade temos atores de todo o Brasil, de origens e histórias diversas.
Qual é a importância da sua passagem pelo Teatro Oficina na sua arte e na concepção da Cía dos Prazeres?
O Teatro Oficina é o terreiro onde fiz minha cabeça de ator. Tudo de teatro que aprendi vem de lá, mas o teatro não é nada senão a própria vida, então claro tudo que vivi até hoje influencia todo meu trabalho numa concepção de espetáculo. Acredito no Teatro de Coro, na sua dificuldade e o raro prazer de sua concretização, acredito na Ópera de Carnaval e no Teatro de Estádio, conceitos que vivi na prática durante minha passagem pelo Oficina. Mas cada integrante que entra na Cia dos Prazeres me ensina uma nova valiosa lição. Nunca aprendi tanto quanto trabalhando nas oficinas, a gente aprende tanto quanto ensina, é uma maravilha! E tenho atestado como hoje aqui na cidade do Rio de Janeiro, os trabalhos de teatro mais originais e instigantes vêm justamente dessas companhias e coletivos das favelas e da periferia, que são hoje quem faz mais pesquisa, laboratório, que mais pensa a cidade, e acabam por criar os trabalhos mais originais, mais emocionantes e vivos porque não tentam copiar nada, pelo contrário: querem abrir suas feridas em praça pública, deixar jorrar tudo que acumularam e que agora pela arte podem transbordar. Então, realmente, hoje esses grupos como a Cia de Mystérios de Novidades, a Cia Marginal, Teatro da Laje são minhas maiores fontes de inspiração e criação. Sinto que as Musas, as Antigas Proporcionadoras dos Poetas e Cientistas se cansaram da mesmice e da falta de pulsão criadora da zona sul e foram atrás de seus musos inspiradores nas favelas e na periferia.
Qual é a relação da Cía dos Prazeres com o Morro dos Prazeres, e como vocês afetam esse espaço?
A Cia dos Prazeres nasceu de uma oficina para 60 moradores do Morro dos Prazeres que virou um espetáculo realizado com todos eles. Nasceu de um trabalho difícil de pesquisar um escritor de outra época, ao mesmo tempo tão atual, mas numa linguagem rebuscada que a principio parecia indecifrável, mas logo virou rap, virou cena, virou emoção e sensação, virou teatro e o teatro é acessível a todos da forma que for. O povo é inteligentíssimo e entende tudo, o povo merece trabalhos refinados, que nada tem a ver com intelectualizado…. O povo é refinado! Desses 60 jovens, apenas seis continuaram trabalhando com a gente regularmente. Por falta de verba a companhia foi se esvaziando, pois no morro todo mundo tem de trabalhar desde cedo. Perdemos grandes atores para subempregos e bicos. Mas os que permaneceram conosco puderam aprofundar e participar de todos nossos laboratórios, pesquisas e espetáculos. Existem muitas resistências, a primeira de todas é a religiosa, a maior parte dos moradores do Morro dos Prazeres é evangélica e considera o teatro como “macumba” e, logo, vedado para eles. Outra questão que pesa é o nível do trabalho: trabalhamos de segunda a sexta, seis horas por dia, com meditação, trabalho de corpo, trabalho de voz, treinamento de canto, composição musical e muito jogo de teatro.
Delírio Ambulatório – Salve os Prazeres from cía dos prazeres on Vimeo.