Um aluno da escola em que o professor de história Pedro Castanheira dá aulas foi baleado, junto a quatro amigos, por uma rajada de 111 tiros disparados pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, no último sábado. Todos eram negros.
Por Ricardo Senra Do BBC
Não foi o primeiro caso – nem será o último, diz o professor. “É difícil dizer isso, mas nós sabemos que nossos alunos e ex-alunos irão morrer”, afirma. “Só não podemos ficar parados aguardando a próxima (morte).”
O aluno em questão era Roberto de Souza Penha, de 16 anos. Ele estava em um carro com Carlos Eduardo da Silva de Souza, de 16, Cleiton Correa de Souza, de 18, Wilton Esteves Domingos Junior, de 20, e Wesley Castro Rodrigues, de 25 anos, em Costa Barros, na zona norte Carioca, quando foi metralhado pela polícia.
Três PMs foram presos em flagrante e respondem por homicídio doloso (com intenção de matar) e fraude processual. Outro está detido por fraude processual.
É que, ao inquérito, somam-se indícios, investigados pela Polícia Civil, de fraude no registro de ocorrência feito pelos policiais após as mortes. Na tentativa de justificar os tiros como defesa pessoal, os PMs teriam tentado forjar um cenário de auto de resistência no local das mortes.
Os autos de resistência (confrontos entre policial e suspeito) são alvo de CPI na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – a investigação apura ilegalidades nas execuções policiais.
Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio, de janeiro de 2010 a agosto de 2015, 3.256 homicídios decorrentes de intervenção policial foram registrados. Nos primeiros oito meses de 2015, foram 459 mortes.
‘Parem de matar nossos alunos’
À reportagem, o professor Castanheira conta o caso de outro estudante negro morto recentemente, aluno de uma escola onde também dá aulas, em Duque de Caxias (RJ). Sua esposa, também professora de história, já perdeu dois estudantes, também negros, “para as armas da polícia carioca”.
Dias após o crime, Castanheira criou uma página no Facebook chamada “Parem de matar nossos alunos”. O espaço centraliza depoimentos, fotos e notícias sobre os jovens mortos pela PM.
Entre elas, um álbum de fotos com homenagens no quadro negro e em cartazes, todos feitos por colegas de classe do adolescente Roberto, no Colégio Estadual Professor Murilo Braga, em São João de Meriti (RJ).
“Não sei por que você se foi, vou sentir saudades”, “Nossos corações sofrem em silêncio”, “Descanse em paz”, dizem as mensagens.
“O clima na escola está tenso”, diz o professor. “Mas percebo, em muitos alunos e professores, uma passividade assustadora. Há uma tentativa de manter a rotina e seguir tudo como estava. Teve professor que tentou justificar as mortes, dizendo que dois jovens tiveram passagem pela polícia. Desde quando passagem é aval para ser assassinado?”.
‘Branco da paz não contempla o povo preto’
Um protesto chamado ‘Ato contra o genocídio da juventude negra’ foi marcado para a próxima quinta-feira, no Parque Madureira, onde os jovens haviam sido vistos pela última vez.
A BBC Brasil conversou com o escritor Bruno Rico, morador de Madureira e organizador do evento, que até o fechamento desta reportagens contava 3 mil adesões.
“Na internet todo mundo fica revoltado, mas falta um pouco de efetividade”, diz. “Decidi fazer um evento nesta semana, porque a questão é urgente. Criei o evento no parque, último lugar que as crianças visitaram, porque a área também tem o baile de charme, que é um evento que reúne a juventude negra.”
“Cinco jovens foram assassinados pelo Estado, sem direito algum de defesa. Cinco famílias dilaceradas. Cinco sonhos interrompidos”, diz a descrição do evento. “Todos vestindo preto para mostrar que estamos de luto e que o branco da paz nunca contemplou o povo preto (…) Levem cartazes. Vamos fazer barulho e mostrar que estamos longe de ser minoria.”
‘Policiais que mais atiraram nos últimos meses’
À reportagem, a Polícia Militar do Rio de Janeiro disse que “os policiais que mais atiraram nos últimos seis meses estão passando por um treinamento”. No total, 61 policiais estão na primeira turma.
“O curso visa reduzir o número de tiros e também diminuir os erros em ações e operações. Os agentes passam por avaliações psicológicas, clínica médica, física e técnica. O treinamento também utiliza um estande de tiro virtual que conta com telões para os policiais lidarem com situações críticas em que tenham que tomar decisões e responder às simulações com rapidez. Nas simulações, eles precisam identificar, por exemplo, se um suspeito está armado ou não”, diz a corporação.
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Estado enviou a transcrição de uma entrevista do secretário José Mariano Beltrame.
“O policial é fruto do meio, ele está aqui no Rio de Janeiro e se submete a uma prova e é aprovado. Agora, atuar dessa maneira é homicida. Então, o caráter que você adquiriu ao longo da sua vida, não há capacitação que resolva. A Polícia faz as aulas, a polícia capacita, eles fazem as preleções. No entanto, tem pessoas que agem dessa maneira absurda e totalmente indefensáveis”, diz Beltrame.