#SalaSocial: No Facebook, campanha do governo é acusada de ser machista

Uma campanha bem intencionada do Ministério da Justiça (MJ) com objetivo de desestimular o consumo de álcool entre os jovens foi criticada por muitos usuários do Facebook, que consideraram as peças publicitárias “machistas”, “moralistas” e “hipócritas”.

Por Mariana Schreiber no BBC

Na tarde desta quinta-feira, a página do ministério publicou uma imagem de uma mulher com expressão apreensiva enquanto outras duas riem ao fundo. Sobre a imagem, a mensagem: “Bebeu demais e esqueceu do que fez? Seus amigos irão lembrar por muito tempo”. Em seguida, o slogan reforça: “Bebeu, perdeu. Curta a vida sem beber”.

Para muitos usuários do Facebook, o post do Ministério da Justiça reforça o discurso de que a mulher é culpada das violências que sofre. Após três horas da publicação, o post havia gerado mais de 1.300 comentários, majoritariamente negativos. Diante da avalanche de reclamações, o órgão acabou deletando a publicação e pedindo desculpas.

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“Por que o alvo da campanha é uma mulher? Vocês querem dar a entender que se a mulher beber demais e for humilhada e violentada de alguma forma, a culpa é dela, e não de quem violentou e de quem expôs? Com que direito vocês naturalizam a violência contra a mulher? PERDEU o quê? Que tipo de conselho é esse? Mulher que bebe perde a dignidade, o direito ao respeito, ao próprio corpo, à privacidade, à intimidade, à vida?”, questiona Vanessa Fogaça Prateano, menstranda em Estudos de Gênero na Universidade Federal do Paraná.

Seu comentário tinha quase 200 curtidas por voltas das 15h.

“Feio, muito feio. Campanha machista, que reforça e associa o bullying entre as mulheres. Como se só as mulheres bebessem e devessem ‘se dar o respeito’. Ninguém tem que se dar o respeito, as pessoas devem ser respeitadas independente do fato de fumar, beber, praticar determinada religião, usar determinada roupa. Campanha ofensiva e degradante”, reclamou também Bruna Belatriz Brasil.

A maioria dos comentários críticos partiram de mulheres, mas vários homens também reagiram à campanha.

“Errar é humano. Beber é lícito. Quem erra é quem humilha e despreza quem bebeu e ‘pagou mico’. Há uma confusão aqui entre vítima e agressor”, observou João Paulo Ruben.

Post deletado

Ao deletar o post, o Ministério da Justiça pediu desculpas, mas defendeu a campanha.

“A campanha#‎BebeuPerdeué muito mais do que isso. Nós nos equivocamos com a peça. Ela tem o objetivo de conscientizar jovens até 24 anos sobre os malefícios do álcool. Atuamos em políticas públicas em conjunto com a Secretaria de Políticas para a Mulher (SPM) contra a violência doméstica, o feminicídio e outras formas de violência contra a mulher. Pedimos desculpas pelo mal entendido e ao mesmo tempo contamos com a colaboração de todos na campanha. Abraços”.

No entanto, a reação negativa não se resumiu apenas a peça que abordava o consumo de álcool por mulheres. As críticas continuaram mesmo após a eliminação da publicação de hoje. A campanha #bebeuperdeu foi realizada no carnaval de 2014 e retomada agora. O MJ informou que ela será mantida ao longo do ano, em grandes shows, feriados e festas populares tradicionais.

“A campanha inteira é ruim, não só pelo machismo, mas pelo proibicionismo moralista e ineficaz”, escreveu Daniela Fernandes Alarcon, em resposta ao pedido de desculpas do Ministério.

Uma publicação voltada para o público masculino, compartilhada pelo Ministério da Justiça na quarta-feira, também gerou polêmica. Ela mostra um homem bêbado sem camisa sentado no chão e diz: “Algumas cervejas, horas jogado no chão, vários whatsapps para a ex”.

Nesse caso, houve comentários críticos e elogiosos. Alguns usuários também viram nela um conteúdo machista e moralista.

“Quer dizer que o homem se beber corre o risco de ficar no chão e mandar mensagem pra ex… A mulher corre o risco de ficar mal falada… Entendi. O nome disso é machismo”, disse Nina Rodrigues.

“Ah! Acabei de ver a campanha voltada para o público masculino. O que só reforça o sexismo da campanha. Para as mulheres, a bebida destruiria a reputação. Para nós homens, traria só o arrependimento de tentar contato com uma ex… Reforço a impressão que tive. Que campanha ABSURDA!”, criticou também Teofilo Tostes Daniel.

Numa das poucas mensagens de apoios, Marcos Marques elogiou: “Ótima abordagem, cenas constrangedoras do cotidiano que podem ser evitadas com o consumo consciente de álcool. Mas ainda sou a favor de apelos mais enérgicos como acidentes de transito e morte de inocentes causadas por imprudência e embriaguez”.

O Ministério da Justiça informou à BBC que dará continuidade à campanha com outras peças publicitárias e vídeos a partir de amanhã. O objetivo, explicou, é “instruir contra o consumo de álcool”, por meio de uma “linha criativa, da brincadeira, do lúdico”.

O órgão avaliou que o equívoco está restrito à peça que foi deletada nesta tarde, mostrando uma mulher sofrendo críticas após o consumo de álcool.

A campanha, que foi realizada inicialmente no carnaval de 2014, foi retomada agora e será mantida ao longo de todo o ano.

Em resposta a um dos comentários críticos à campanha, o Ministério da Justiça informou que “cinco vídeos publicitários serão exibidos em salas de cinema de cinco cidades com forte tradição de carnaval de rua – Ouro Preto (MG), Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo – onde também serão divulgados outdoors e painéis alusivos à campanha em aeroportos, rodoviárias, hotéis e transporte urbano”.

“Trazendo situações do cotidiano dos jovens, a campanha mostra como o abuso do álcool pode estragar momentos de diversão, atrapalhar relacionamentos e provocar situações de vergonha que trazem arrependimento mais tarde”, explicou o órgão.

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