Samira Carvalho tornou-se tornar uma modelo reconhecida internacionalmente mas questiona o rótulo “étnico” que insistem em colocar nas negras
Texto: Samira Carvalho, em depoimento a Nina Lemos – Foto: Marcelo Soubhia / Ag. Fotosite
“É engraçado, quando chego em um casting, todo mundo acha o meu cabelo afro lindo, mas é só eu chegar no desfile que alisam. É um problema para a autoestima, uma coisa difícil de enfrentar, pois desde sempre a negra foi criada para ficar quieta no canto, invisível, se possível de cabeça baixa. Para combater isso e ajudar outras meninas que sofrem com o preconceito, eu e algumas amigas criamos um coletivo, o Clã das Amoras.
A ideia surgiu num dia em que estávamos na minha casa, eu e outras amigas que são modelos negras, nos lamuriando o tempo todo. Passamos o dia conversando sobre essas situações chatas que passamos no dia a dia, de olhares estranhos quando a gente entra no elevador, coisas pequenas, mas que machucam. Mas estávamos ficando muito lamuriosas e deprimidas, e não queríamos manter esse tom de vítimas. O nosso é mais: ‘estamos aqui e vamos em frente’.
“Quando chego em um casting, todo mundo acha o meu cabelo afro lindo, mas é só eu chegar no desfile que alisam”
Sempre fui uma das únicas negras no meu cotidiano. No meu colégio, era eu e duas outras meninas. Eu sofria muito bullying lá. Muito mesmo. Era chamada de todos aqueles piores xingamentos que usam para negros, era considerada horrorosa. Como poderia me achar bonita? Naquela época, a profissão de modelo era uma coisa que não existia na minha vida. Todas as vezes em que via um desfile ou lia uma revista, só tinha mulheres brancas e loiras. Não era para o meu bico. Mas como sempre fui muito alta e magra, minha mãe me incentivou a participar de concursos, até que me descobriram. Ela sempre acreditou em mim e fez sacrifícios para me manter em São Paulo no começo de carreira.
“Todas as vezes em que via um desfile, só tinha mulheres brancas e loiras. Como poderia me achar bonita?”
Quando entrei na minha agência, ela era uma das únicas que tinha modelos negras – eu e a Carmelita Mendes. A maioria não tinha nenhuma. É engraçado, porque eu e a Carmelita imediatamente ficamos amigas. Isso acontece sempre, quando uma nova modelo negra entra na agência eu logo começo a dar dicas. E entre nós não existe rivalidade, somos um grupo unido, que conversa e se ajuda. Hoje a situação está melhor, vejo algumas meninas novas. Não adianta cobrar só as grifes para colocarem essas meninas para desfilar, as agências têm que ir atrás de modelos negras.
É engraçado conseguir muitos trabalhos com o perfil ‘étnico’. No Brasil é difícil desfilar como uma mulher normal, em geral é essa coisa caricata, em cima de um tema como África, por exemplo. Nos Estados Unidos e na Europa é completamente diferente: você desfila como uma mulher normal, com roupa normal, porque a população negra quer se ver representada em um desfile ou em uma campanha, senão simplesmente não compra. Aqui, a gente está tão acostumada a não se ver que compra de qualquer jeito.”
Fonte: TPM