Saudade da direita letrada…

Saudade da direita letrada…

Dennis de Oliveira

Quando eu atuava no movimento estudantil, conhecia  vários colegas de uma corrente trotskista chamada “Liberdade e Luta” (Libelu), hoje conhecida como O Trabalho (por conta do nome do jornal desta corrente). Hoje, boa parte desta turma virou conservador, um deles é o conhecido Demétrio Magnoli. Mas tem vários outros espalhados por aí, muitos na direção do jornal Folha de S. Paulo. O que chamava a atenção nesta corrente é que nos idos anos 1980, quem nela ingressava era obrigado a fazer um curso de formação. Os “libelus” que eu conhecia diziam que aquilo era necessário para poder enfrentar a direita com argumentos sólidos. É a tal batalha de idéias.

Lembrei-me deste episódio quando estava lendo o belíssimo texto de Ericka Beckman, na edição deste mês da revista Le Monde Diplomatique quando ela fala como os homens “letrados” no século XIX ocupavam os principais cargos de comando na América Latina e, por meio das letras, expressavam pensamentos conservadores. Caso do poeta venezuelano Andrés Bello, também homem de Estado, que faz um ode à agricultura para promover a exportação dos produtos primários latino-americanos, consolidando a velha “divisão internacional do trabalho” na qual  nós, aqui abaixo da linha do Equador, ficamos responsáveis pelo fornecimento de matérias primas, e o pessoal lá de cima da linha (de acordo com o mapa que eles desenharam) fica com a produção de alto valor agregado.

Tempos atrás, enfrentávamos uma direita que citava Adam Smith, David Ricardo, Hayek, Durkheim, entre outros, nas suas argumentações. Sem contar com vários conservadores que também conheciam bem Marx, Gramsci, Althusser a ponto de confrontar conosco em nosso próprio campo. O debate era duro. Um pessoal de direita que lia os editoriais do jornal O Estado de S. Paulo e gastava seu dinheiro com compra de livros, ida a museus, cinema, cursos no exterior e por aí afora.

Beckman, no seu artigo, fala que a direita perdeu a sua dimensão poética. Pois, no lugar dos poetas para a defender, entraram os “economistas financistas” e “comentaristas da mídia”. Das argumentações para a ofensa. Semana passada, na sala de espera do consultório médico, uma mulher dizia que não tomava mais iogurte Vigor porque ele pertencia ao Lula (!). Diante da incredulidade da sua interlocutora, ela disse que “é verdade sim porque eu recebi pelo Whatsapp“.

Dois posts antes deste, quando eu comentei que as elites brasileiras são escravocratas, uma pessoa inseriu um comentário me ameaçando “quebrar os dentes”. Uma outra disse que eu chamei todos os eleitores de Aécio de escravocratas quando eu não disse em nenhum momento isto no meu texto. Apenas disse que as elites são escravocratas e que houve uma narrativa preconceituosa e xenófoba na campanha do candidato da oposição, expressa, inclusive por uma liderança importante do PSDB, implícita também na mensagem repisada pela mídia querendo fazer uma comparação da votação da presidenta reeleita com o Bolsa Família (por que não fazem, então, um mapa da votação comparando os votos dos candidatos em locais onde a renda está mais concentrada?) e que ficou demonstrado com os atos golpistas e racistas que ocorreram em São Paulo na última semana.

Em suma, é a direita  que gasta dinheiro comprando carrões do último tipo e que se sente informada lendo a revista Veja. Ou que uma informação do Whatsapp é o supra-sumo da argumentação.

Rosseau, quando propôs a ideia do contrato social, pensou em uma sociedade em que haja uma esfera pública em que todos os cidadãos possam livremente expressar racionalmente as suas posições. A razão é a essência do debate democrático. A liberdade é justamente para que esta razão possa se expressar cada vez mais. Esta é a essência da democracia.

Não sou de direita. Mas que, diante de uma direita que tem como argumento quebrar a cara, separar o país e defender a volta da ditadura militar, dá uma saudade desta direita das letras de que fala Beckman. Pelo menos nos estimulava a aprofundar o debate e os argumentos como fazíamos no movimento estudantil.

 

Fonte: Revista Fórum

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