A negritude e o legado africano na cultura brasileira e baiana nortearão muitos debates e apresentações artísticas
Por Marília Moreira, do Correio 24 Horas
Largo do Pelourinho é um dos 13 espaços que concentram atividades da Flipelô; no local, acontecem show até domingo (Foto: Reprodução/ Instagram)
Um dos principais pontos turísticos de Salvador e patrimônio Histórico da Humanidade, o Pelourinho é destino certo para os amantes da literatura esta semana. Isso porque começa hoje a segunda edição da Festa Literária do Pelourinho, a Flipelô.
Até domingo, o Centro Histórico de Salvador será palco de diversos encontros literários, mesas de debate, shows, espetáculos teatrais e exposições (confira e baixe programação completa no fim desta matéria). Na abertura, que acontece logo mais, às 18h, os historiadores e escritores João José Reis, Wlamyra Albuquerque Lilia Schwarcz discutirão a escravidão e a liberdade.
A negritude e o legado africano na cultura brasileira e baiana nortearão muitos debates e apresentações artísticas da Flipelô esse ano. Ainda hoje, o músico Mateus Aleluia comanda, às 20h, o Concerto Afro Barroco Do Jeito que o Rei Mandou, com participações de Juliana Ribeiro, Lazzo e Duda de Candola.
O concerto foi criado especialmente para homenagear João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), grande parceiro de Jorge Amado (1912-2001), e cuja amizade é celebrada pela Flipelô com o tema “a amizade é o sal da vida” – a frase foi dita pelo escritor itaparicano quando Jorge Amado morreu.
História
Os famosos casarões coloridas e ladeiras de pedra poruguesa do Pelourinho fazem dele um cartão-postal da cidade hoje. Só que há menos de 130 anos, era no local que os negros escravizados eram castigados. Para o historiador João José Reis, o Pelourinho, apesar do nome, descolou sua identidade desse passado, sem que, por outro lado, esse passado esteja encoberto.
Referência para os estudos da história da escravidão no século XIX e vencedor do prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras (ABL) pelo conjunto da obra no ano passado, o historiador defende a criação de um museu da escravidão no Pelourinho. “Um museu que não represente o negro apenas como vítima, mas como pessoa inteira e complexa, que reage, luta, conquista espaços na sociedade”, argumentou em entrevista ao jornal O Globo, no ano passado.
Autor de livros como A Morte é uma Festa e Rebelião Escrava no Brasil: a História do Levante dos Malês em 1835 (ambos pela Companhia das Letras), João José Reis diz que o racismo precisa ser atacado também na mentalidade das pessoas.
A defesa é a mesma da historiadora Lilia Schwarcz, para quem a ideologia da democracia racial atrasou as reflexões sobre racismo. “Contemporaneamente, temos não poucos que chamam esse aspecto como a ideologia do mimimi. É impressionante, porque isso é uma das fases da recessão da democracia que vivemos atualmente, da impossibilidade de reconhecer o quão nosso presente está cheio do passado, embora a gente não deva nunca só culpar o passado”, disse em entrevista recente ao CORREIO, ao enfatizar que a luta pelos direitos civis no Brasil começou tarde, no final da década de 1970.
“Pensando como historiadora, foi só recentemente que a lógica das cotas e das ações afirmativas entraram em pauta para ficar, espero”, finaliza a autora de Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos, que será lançado na Flipelô.
Discussões urgentes
A discussão sobre a negritude, com muitos negros protagonizando o debate, acontece a partir de um vínculo entre passado e presente, Bahia, Brasil e mundo.
Um dos três destaques internacionais da edição, a escritora zimbabuense Rutendo Tavengerwei, lança na Flipelô o livro Esperança para Voar, no qual ela conta a história de amizade de duas adolescentes em meio à grave crise política de 2008 no Zimbábue. Delicada e emocionante, a obra é uma espécie de fábula universal, cujos fatos poderiam ter ocorrido em qualquer país em qualquer tempo.
Dentre os autores brasileiros, destaque para Djamila Ribeiro (SP), Geovani Martins (RJ), Jarid Arraes (CE), Cidinha da Silva (BA), Ana Paula Maia (PR).
Rutendo Tavengerwei (Zimbábue), Djamila Ribeiro (SP), Geovani Martins (RJ), Ana Paula Maia (PR) (Foto retirada do site Correio 24 horas)
E não é só na literatura que a negritude e o legado africano se fazem presentes. A culinária tem destaque nas oficinas de gastronomia no Sesc Senac Pelourinho. A moda é tema do bate-papo Tramas, Panos e Palavras com os artistas plásticos J. Cunha, Goya Lopes e Alberto Pitta, que acontece amanhã, às 19h30, na Casa da Editoras Baianas.
Com destaque para a produção literária negra e da periferia da cidade, a mesa da Casa do Benin será, literalmente, bem servida. A comida afrodiáspórica da chef Angélica Moreira, do Ajeum da Diáspora, dará o sabor para rodas de conversas literárias, performances poéticas, apresentações musicais, além de um encontro de saraus e de um slam (batalha poética).
No teatro, a atriz carioca Andreia Ribeiro apresenta o espetáculo Carolina Maria de Jesus – Diário de Bitita, que celebra a literatura da mulher negra e pobre que registrou em diários a sua dura trajetória de vida. Carolina Maria de Jesus é tema também da mesa com Tom Farias (RJ) e Vera Eunice (SP), com mediação de Salgado Maranhão (MA), que acontece no sábado, às 18h, no Sesc-Senac Pelourinho.
Destaques da Flipelô
Com quantos “likes” se faz uma literatura?Com Clarice Freire (PE) e Saulo Dourado (BA). Mediador: Renato Cordeiro (BA). Quinta, 12h, Teatro Sesc Senac Pelourinho.
De quem são as vozes (e os silêncios) indígenas na literatura brasileira?Com Daniel Munduruku (PA) e Lia Minapoty (AM). Mediadora: Suzane Costa (BA). Quinta, 14h, Teatro Sesc Senac Pelourinho.
Esperança para voar – uma conversa sobre África Com Rutendo Tavengerwei (Zimbábue) e Luiza Reis (BA). Quinta, 18h, Sesc Senac Pelourinho.
Tramas, panos e palavras J. Cunha (BA), Goya Lopes (BA), Alberto Pitta (BA). Quinta, 19h30, Casa das Editoras Baianas.
Carolina Maria de Jesus – Diário de Bitita Monólogo de Andreia Ribeiro (RJ). Sexta e sábado, 11h, Museu Eugênio Teixeira Leal.
Que tiro foi esse? Vida e morte do cânone literário Com Raphael Montes (RJ) e Marcelino Freire (PE). Mediador: Suzane Costa (BA). Sexta, 12h, Sesc Senac Pelourinho.
Somos Pessoa Recital literário infantil da Companhia Contadeiras de Caldas da Rainha (Portugal). Sexta, 16h, no Terreiro de Jesus.
Viva João Ubaldo Ribeiro! Com Ruy Espinheira Filho (BA) e Florisvaldo Mattos (BA). Mediadora: Antônia Herrera (BA). Sexta, 16h, no Museu Eugênio Teixeira Leal.
A prosa urbana, a literatura e a cidade Com Geovani Martins (RJ) e Evanilton Gonçalves (BA). Mediador: Rodrigo Casarin (SP). Sexta, 18h, Teatro Sesc Senac Pelourinho.
Comendo palavras Com Dadá (BA), Paloma Jorge Amado (BA) e Mabel Velloso (BA). Sexta, 19h, Casa das Editoras Baianas.
O ABC de Jorge Amado Performance musical em cordel de Moraes Moreira. Sexta, 21h, no Largo do Pelourinho.
Literatura feminista negra no Brasil: as vozes da vez Jarid Arraes (CE) e Djamila Ribeiro (SP). Mediador: Rodrigo Casarin (RJ). Sábado, 11h, Teatro Sesc Senac Pelourinho.
Lugar de mulher é na literatura que ela quiser Com Cidinha da Silva (BA) e Ana Paula Maia (PR). Mediador: Vagner Amaro (RJ). Sábado, 14h, Teatro Sesc Senac Pelourinho.
É tudo verdade, só não aquela parte Breno Fernandes (BA), Saulo Dourado (BA) e Mário Lima (BA). Sábado, 14h, Casa das Editoras Baianas.
Amizade é o sal da vida – Homenagem a João Ubaldo Ribeiro Com Geraldo Carneiro (RJ) e Paloma Jorge Amado (BA). Mediador: Henrique Rodrigues (RJ). Sábado, 20h, Teatro Sesc Senac Pelourinho.