Seguranças de mercado que chicotearam jovem após furto em SP são inocentados de tortura e condenados por lesão corporal

Supermercado Ricoy da Avenida Yervant Kissajikian, 1.918, onde mulher acusa outros seguranças de apontar arma para ela — Foto: Reprodução/Google Maps

Juiz não viu tortura por considerar que agressões não buscavam obter informações e não foram praticadas por quem tinha ‘condição de autoridade, guarda ou poder’. Cabe recurso.

Por Léo Arcoverde, GloboNews, no G1

Supermercado Ricoy — Foto: Reprodução/Google Maps

O juiz da 25ª Vara Criminal de São Paulo, Carlos Alberto Corrêa de Almeida de Oliveira, inocentou da acusação de tortura e decidiu condenar por lesão corporal os seguranças Valdir Bispo dos Santos e David de Oliveira Fernandes. Cabe recurso da decisão.

Os réus foram acusados de darem chicotadas em um adolescente de 17 anos flagrado furtando barras de chocolates no Supermercado Ricoy, na Vila Joaniza, Zona Sul de São Paulo, em julho deste ano. O Ministério Público Estadual de São Paulo denunciou os seguranças pelos crimes de tortura, cárcere privado e divulgação de cena de nudez.

O juiz considerou não ter havido tortura porque, segundo ele, as agressões não foram cometidas na busca de obter informações e não foram praticadas por quem tinha ‘condição de autoridade, guarda ou poder’.

A lei 9.455, de 1997, considera tortura:

  • constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando sofrimento físico ou mental com a finalidade de obter informação, provocar ação ou omissão de natureza criminosa ou por discriminação racial ou religiosa;
  • submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

A pena para tortura varia de 2 a 8 anos de prisão, podendo ser aumentada quando há agravantes, como quando o torturador é agente público.

O Código Penal define o crime de lesão corporal como “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”. A lesão corporal simples, sem agravantes como os casos em que a vítima tem sequelas, tem pena de 3 meses a 1 ano de detenção.

Penas por lesão, cárcere privado e divulgação de nudez

Além da condenação por lesão corporal, que foi fixada em 3 meses e 22 dias de detenção para cada um dos seguranças, eles foram condenados a 3 anos e 10 meses de reclusão por crime de cárcere privado e 12 dias de multa para o crime de filmagem e divulgação de um adolescente pelado.

Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a detenção é a prisão em regime semiaberto ou aberto; e a reclusão é a prisão em regime fechado. A respeito da aplicação dos dias de multa, o TJ explicou que cada réu pagará um valor que será determinado pelo juiz a partir do cálculo da condição financeira de cada condenado durante esse período estipulado pelo magistrado.

O juiz determinou ainda que comecem a cumprir as penas presos. Ambos estão detidos desde o início de setembro.

O julgamento ocorreu na tarde desta quarta-feira (11) e o conteúdo da sentença foi obtido com exclusividade pela GloboNews. O processo tramita em segredo de Justiça.

Ao justificar que não considerava ter havido tortura, o juiz Oliveira afirmou que não havia qualquer informação a ser obtida “até porque os acusados já conheciam a vítima” . “Ou seja, sabiam quem ele era e o que ele já teria feito, reiteradamente, em malefício ao patrimônio do supermercado”, completou.

O magistrado manteve a prisão dos acusados por considerar a gravidade dos crimes cometidos.

“Diante da quantidade de pena aplicada, das peculiaridades do caso, o qual envolve grave violação de direitos humanos, com risco de fuga dos acusados e até de risco para a vítima, com base no artigo 312 e s.s. do Código de Processo Penal, fica decretada a prisão preventiva dos acusados”.

MP vai recorrer

O advogado Fermison Guzman Moreira Heredia, defensor do réu Valdir Bispo dos Santos, disse à GloboNews que a absolvição pelo crime de tortura foi justa, mas que as condenações por lesão corporal, cárcere privado e divulgação de cena de nudez “não merecem prosperar”. “Pela quantidade de pena, esperava-se que fosse determinado o regime aberto, porque a pena é menor do que quatro anos”.

Ele deve pedir, em fevereiro de 2020, a progressão da pena de Santos para o regime semiaberto.

O Ministério Público Estadual informou que vai recorrer da sentença por entender que a condição de segurança dos réus caracteriza a figura da guarda prevista como necessária para a caracterização do crime de tortura. O recurso deve ser interposto até esta sexta-feira.

A reportagem não localizou o advogado do réu David de Oliveira Fernandes.

Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo informou que magistrados não comentam decisões judiciais em razão da Lei Orgânica da Magistratura. Também ressaltou que o caso corre em segredo de Justiça.

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