O compromisso da Justiça de buscar novas soluções para vencer o desafio da desigualdade no Brasil foi reafirmado por autoridades na mesa virtual de abertura do encontro 2º Democratizando o Acesso à Justiça: Justiça Social e o Poder Judiciário no Século 21, promovido nesta segunda-feira (22/2) pelo Conselho Nacional de Justiça.
Presidida pela conselheira Flávia Pessoa, a cerimônia reuniu integrantes do sistema de Justiça que apontaram as expressões da desigualdade a serem enfrentadas no dia a dia do Poder Judiciário. O objetivo do encontro se alinha ao eixo da gestão do presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, que prioriza a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente.
A conselheira Flávia Pessoa abriu a cerimônia lembrando que o foco do encontro são os grupos sociais historicamente discriminados no Brasil, em um momento de crise sanitária. O seminário ocorre dois dias depois do Dia Mundial da Justiça Social, 20 de fevereiro, instituído pela Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas em nome das ideias da igualdade entre os povos, das diversidades culturais, do desenvolvimento social e da justiça social.
“O Dia Mundial da Justiça Social é uma iniciativa que destaca, em todo o mundo, a necessidade da erradicação da pobreza, o pleno emprego, o trabalho digno, a igualdade de gênero, o acesso ao bem-estar social e à justiça para todos. E, na esteira dessa ação, é que estamos hoje aqui reunidos”, afirmou a conselheira.
Presidente da Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços Judiciários do CNJ, a conselheira Flávia Pessoa lembrou alguns resultados de 15 anos de trabalho do órgão para promover os direitos humanos e combater a discriminação.
As resoluções que instituíram cotas raciais nos concursos de ingresso à magistratura, desburocratizaram a mudança de gênero e adoção do nome social em certidões de registro civil, reconheceram o direito a casamento entre pessoas do mesmo sexo, criaram procedimentos especiais para indígenas responderem à justiça criminal foram alguns exemplos da defesa do CNJ aos grupos mais vulneráveis na sociedade brasileira, dentro dos limites de suas atribuições constitucionais.
De acordo com o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, o acesso à Justiça é um “direito fundamental ou garantia imprescindível para os direitos fundamentais”. No entanto, esse direito encontra-se ameaçado, de acordo com o ministro, por um problema prático: o congestionamento do Poder Judiciário, decorrente do uso excessivo da Justiça para postergar decisões.
“A métrica da Justiça Social é um trabalho que vai da simples tutela do direito até à complexa construção de uma sociedade cada vez mais justa e envolvida no combate à discriminação, do preconceito e de outras manifestações de desigualdades econômicas, culturais, étnicas, de gênero, de condição física, orientação sexual e religiosa”, afirmou.
A presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministra Maria Cristina Peduzzi, afirmou que a noção de igualdade está na “base dos direitos humanos” e constitui “elemento essencial da Justiça”. Defendeu a gratuidade da assistência jurídica, prevista na Constituição de 1988, como medida que garante efetividade ao acesso à Justiça e as ações afirmativas implantadas pelo CNJ.
A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juíza Noêmia Garcia Porto, enumerou três desafios que considerou como centrais no atual momento: o acesso à justiça digital, o quadro de desemprego e informalidade no mercado de trabalho e o custo dos direitos após a Reforma Trabalhista de 2017.
A ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar, afirmou que a liberdade, valor com origens liberais no século 20, inspirou novos ideais no início do século 21, como diversidade e tolerância. Nesse contexto, a “atitude civilizatória de respeito tem sido desafio das cortes de justiça e do CNJ”, disse a ministra.
A pandemia agravou as desigualdades no acesso à Justiça, como ressaltaram alguns dos participantes da mesa de abertura do evento. O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), juiz Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, afirmou que a Justiça Federal tem buscado “atenuar a desigualdade social do Brasil para os mais necessitados e carentes de informação e recursos”, com o empenho dos juizados especiais para garantir acesso a benefícios previdenciários àqueles mais afetados pela pandemia, especialmente pelo desemprego e pela doença, com mais informalidade no contato com a Justiça.
Mudança cultural
A presidente do Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho, desembargadora Flávia Falcão, destacou que a mudança necessária ocorre em tempo que não é aceitável para aqueles que sofrem com a desigualdade e que a “cultura da igualdade tornará o judiciário acessível a todos, independentemente de credo, raça ou gênero”.
O presidente do Colégio de Presidentes e Corregedores de Tribunais Regionais do Trabalho, desembargador Leonardo José Videres Trajano, disse que a desigualdade pode ser natural na medida em que os seres humanos são diferentes, mas que “a desigualdade não pode significar oportunidades desiguais”. Defendeu ainda que o acesso efetivo à Justiça consolida a democracia e a fraternidade, princípio da Revolução Francesa “tão desprezado”, de acordo com o desembargador Trajano.
O presidente do Conselho dos Tribunais de Justiça, desembargador Voltaire de Lima Moraes, afirmou que a mudança cultural necessária ao efetivo acesso à Justiça passa por mobilizar as faculdades de direito em todo o país em “um grande mutirão cívico nacional desencadeado pelo CNJ”” em nome do ensino da conciliação e das soluções autocompositivas para reduzir o volume de litígios levados aos tribunais.
Foco nos grupos vulneráveis
O presidente do Colégio de Presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais, desembargador Edmilson Jatahy Fonseca Júnior, apontou uma solução para reduzir desigualdades na Justiça Eleitoral. “É preciso discutir reservas para representação dos diferentes gêneros em percentual mínimo a fim de que desapareça esse tipo de discriminação da cultura brasileira”, afirmou.
A secretária-geral da Associação dos Magistrados Brasileiros, Julianne Marques, questionou o acesso à Justiça diante da desigualdade enfrentada por muitos na era digital, pois “não são todos que têm acesso a salas virtuais ou internet com velocidade que permita participação e entendimento efetivos”.
Segundo a magistrada, acesso efetivo à Justiça “passa por linguagem clara”, ao contrário do “juridiquês”, mas também acessibilidade a pessoas com deficiência às dependências dos tribunais e acesso para pessoas negras aos quadros da Justiça. Com informações da assessoria do CNJ.